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Matéria 7467, publicada em 06/11/2008.


:Luiza Martin

Narloch critica problemas culturais de Joinville

Bate-papo sobre cultura com o ex-presidente da FCJ, Charles Narloch

Equipe Revi


JOINVILLE E CULTURA: 1 - [2] - 3

Melatti: Talvez a assessoria da Fundação esteja nos devendo algumas coisas. Certas coisas que são descobertas, que são da área da cultura, circulam pouco...

Charles: Concordo, concordo. A Fundação teria que ter uma área de assessoria de imprensa muito mais forte. Mas, há também uma realidade que é cultural e que diz respeito ao mercado e que a gente vai discutir longamente aqui, que é a resposta da imprensa às coisas positivas e às negativas. É inegável que você colocar o Charles ou a Josi tendo que responder porque o muro do museu caiu em cima dos esqueletos vai render muito mais ibope do que ela explicando que foi encontrado talvez o primeiro indício de uma doença no osso de 4 mil anos. A imprensa não responde, raramente responde e, raramente, abre espaço para as questões positivas da mesma forma como abre para as negativas. No poder público mais ainda. Então, não é que não foi divulgado. Muita coisa foi divulgada, mas a imprensa não responde, a imprensa não divulga. Por opção editorial, talvez por achar que ao divulgar aquilo estaria divulgando a conquista de uma gestão. E é uma idéia equivocada porque se o Museu do Sambaqui chegou ao que chegou não é graças à essa gestão. É graças a 35 anos de trabalho de uma série de técnicos que por lá passaram, que ainda estão lá e outros que chegaram, que finalmente conseguiram ter esse resultado. Então, nenhuma conquista é pontual, nenhuma conquista é de um dono só. Às vezes eu sinto o medo da imprensa em vincular uma notícia super interessante a um gestor público.

Melatti: Não pode haver também a percepção, equivocada certamente, de que as pessoas não se interessam muito por essas coisas? Uma matéria, mesmo que você dê bastante destaque, falando de uma doença descoberta em um esqueleto de 4 mil anos, não tem um potencial atrativo.

Charles: É por isso que Joinville não tem shows nacionais. É o mesmo raciocínio. Não tem shows nacionais porque não tem mercado, porque não têm pessoas interessadas em pagar por aquilo. Aí que está o papel da mídia brasileira na educação. Mas, é sempre aquela questão: você vai pelo o que o mercado pede ou você vai tentar fazer um trabalho de orientação e de desenvolvimento da cultura? A imprensa é um círculo vicioso: tem optado por aquilo que dá dinheiro. O que eu posso fazer? E a questão dos shows é a mesma coisa. Quando eu ainda escrevia no jornal, eu vim ver uma Coletiva de Artistas de Joinville e fiz uma crítica porque se optou pelo sem seleção. Foi tudo o que tinha. Eu disse que a coletiva de Joinville estava igual ao programa do Ratinho. Aí o jornal AN colocou: “Coletiva do Ratinho”. Tem gente que quer me matar até hoje por causa da “Coletiva do Ratinho”. Mas, qual foi a comparação que eu quis fazer? Por que um programa como o do Ratinho tinha aquele espaço na TV? Porque havia um público disposto a adotar aquela fórmula mais acessível, esdrúxula e que o povo gosta. É a mesma coisa a imprensa sensacionalista. Não é a toa que há uma demanda por shows do Zezé de Camargo e Luciano. Qual a função do poder público? É promover espetáculos de atores globais no Teatro Juarez Machado? Com preço subsidiado? Não! Eu discordo. Isso é comércio. A Fundação não tem obrigação nenhuma de fazer isso porque o mercado absorve. Você traz um espetáculo de atores globais, tem espetáculos bons, mas tem uns que são uma porcaria, mas pode ter certeza que vai lotar. Lota os dois dias. Aí você faz uma peça mais elaborada de um grupo de Itajaí, ou de um grupo de Curitiba, que trabalha teatro experimental, ou a dança experimental, na cidade da dança, que nem o próprio pessoal da dança vai ver. É um círculo vicioso. Por isso que eu falo: tem coisas que dependem do mercado. O que eu posso fazer? E não vai mudar. Começa lá da base, lá da educação, lá do desenvolvimento do senso crítico. O que move a relação da imprensa com os programas educativos, com a pouca presença de informação de qualidade na TV ou nos jornais. Bom, os jornais não têm mais nem crítica. A crítica acabou, acabou! Eu mantinha um site e os meus textos, de um hora para outra, desapareceram, evaporaram. As pessoas diziam “mas Charles, tanta gente pesquisava”. O que eu fiz? Construí um site que não leva meu nome, mas é um site mais abrangente, que tem os meus textos para qualquer um pesquisar e quem quiser participar. O espaço que a gente tinha para escrever ficou restrito. Eu não culpo o jornal. Disseram: “Seus textos ninguém lê”. O que eu posso fazer? E olha que eu nem escrevo tão chato. Eu nem sou erudita. Se eu fosse...

Melatti: Pois é, mas o cara que tem um texto mais complexo que o teu, como o Walter de Queiroz Guerreiro, continua escrevendo.

Charles: Não sei, não sei. O texto dele é mais hermético. Não sei, não sei. A questão é que eu não sei.

Tuane: Uma das críticas que se ouve em relação ao Simdec seria a repetição de nomes nos editais. Você acha que há uma baixa procura dos artistas locais?

Charles: Não.

Tuane: O que acontece?

Charles: Isso acontece mesmo. Porque tanto no edital quanto no mecenato, as comissões mudam a cada ano. As leis só foram para Câmara (de Vereadores) após várias audiências públicas na Cidadela (Cultural Antarctica). Então, todos os itens foram discutidos com os trabalhadores da cultura. Sempre gosto de me referir aos profissionais da cultura como trabalhadores da cultura. E não é de agora não, viu. Eu falo isso há 4 anos. Não é por causa do PT, não. Eu chamo há muito tempo, muito tempo antes. Deixa eu me vingar aqui. Só criticar não. O Marquinhos (vereador do PT) sabe, o Carlito (Merss) também. Deixa eu me defender. Enfim, os trabalhadores da cultura definiram, em conjunto, que essas comissões deviam mudar a cada ano. O que acho ótimo porque uma comissão que fica avaliando durante quatro anos fica viciada. Toda análise, até um professor que analisa a prova de seu aluno, tem um grau de objetividade e um grau de subjetividade que é inegável. E quando a gente trata com sensibilidade, muito mais, arte tem muito de sensibilidade. Por isso, é interessante mudar a comissão a cada ano. Mas, o que acontece com isso também? Qual é o outro lado? São escolhidos os melhores, os que têm as melhores propostas. Alguns têm uma habilidade maior para apresentar seus projetos do que outros. Como a comissão desse ano não é a mesma do ano passado e a lei não impede que quem ganhou ano passado seja premiado novamente, eles acabam ganhando de novo porque têm o melhor projeto. Então, talvez a discussão, e eu sei que essa discussão apavora os trabalhadores da cultura, seria criar um mecanismo que quem fosse aprovado no ano passado não fosse no ano seguinte. Para isso, teria que chamar todo mundo de novo e gerar essa discussão. Vai ter que ser uma opção daqueles que têm condições de ganhar para permitir que aqueles que talvez não tenham tantas condições, mas estão começando, tenham maiores condições de participar. Então é basicamente por critérios de qualidade. Fica difícil.

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PATRIMÔNIOS CULTURAIS
O ARTISTA E O TRABALHO

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