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Matéria 7469, publicada em 06/11/2008.


:Luiza Martin

Narloch fala de "Rótulos", exposição organizada por ele como crítica à estereotipação

Bate-papo sobre cultura com o ex-presidente da FCJ, Charles Narloch

Equipe Revi


O ARTISTA E O TRABALHO

Melatti: Sempre que um artista sai do estúdio, do ateliê, do seu ambiente de trabalho e se engaja em um projeto político ou administrativo, perde na questão da produção. Alguns exemplos disso são Gilberto Gil e Ziraldo. Esse período, em que você parou de criar, fez falta?

Charles: Tua pergunta é maravilhosa por vários aspectos, porque eu parto do pressuposto de quando você opta por trabalhar pela comunidade, você precisa deixar o seu trabalho um pouco de lado se não totalmente. Eu continuei atuando como curador, mas na produção de arte faz bastante tempo. A última que fiz foi a performance em 2002, na Cidadela Cultural Antarctica, aquela em que fiquei pelado e que pouca gente lembra. O artista, quando trabalha, principalmente no poder público, ele precisa abrir mão do seu trabalho, porque é incompatível, sim! Não admito que um gestor público, participando de uma instituição cultural, esteja participando de uma mostra organizada pela instituição que ele dirige. Isso vocês nunca vão me ver fazer. Quando eu cheguei, em 2003, na Fundação Cultural (de Joinville), o pessoal da Fundação, para me agradar, pegou quadros meus da galeria "Vitor Kursancew" e levou para colocar na minha sala. Quando cheguei lá perguntei: Mas o que isto está fazendo aqui? "São quadros seus", me responderam. São quadros do acervo. "Mas a gente achou que você iria gostar". Não. Se vocês nunca colocaram meus quadros aqui, não será agora que vão colocar. Pode mandar de volta! Camarote do Festival de Dança: várias vezes quiseram colocar meus quadros lá e eu disse que de jeito nenhum! Se eu estou trabalhando nesta instituição não vai ter um trabalho do Charles exposto durante todo o tempo em que ele estiver sendo da Fundação. Então, eu desejo muito sucesso para quem assumir a Fundação, mas como presidente do Conselho Municipal de Cultura, por mais dois anos, eu vou ficar muito atento. A pessoa que assumir, se tiver produção artística, vai ter que lembrar que não poderá participar de uma mostra produzida pela Fundação. É uma questão de escolha. Gilberto Gil, para fazer as turnês, se licenciava do Ministério da Cultura. E mais: nunca concorreu aos benefícios da própria Lei Rouanet. Nós não podemos ter, nem do Charles nesse anos que passou, nem de quem assumirá, a postura de se beneficiar dos mecanismos de apoio oferecidos pela Fundação, enquanto se dirige a Fundação. Ou uma coisa ou outra! Podem me criticar por muitas coisas, mas nas questões éticas sou radical. Não abro mão nem para mim e nem de fiscalizar os outros.

Melatti: Mas a sua relação pessoal, íntima, com a arte não te fez falta nesse período todo sem criar?

Charles: Claro que eu sinto. As coisas aconteceram para mim não só politicamente. Acabei trabalhando coletivamente via Aaplaj (Associação dos Artistas dos Plásticos de Joinville). Em seguida fui chamado a trabalhar no Masc (Museu de Arte de Santa Catarina), em Florianópolis. Depois, na diretoria de artes. Abandonei tudo e disse que nunca mais iria trabalhar. Saí magoado. Mas dois anos depois me chamaram de novo para ir a Jaraguá (do Sul), na época em que a Scar (Sociedade Cultura Artística) estava sendo inaugurada, para participar da assessoria de artes plásticas. A sociedade não é ligada ao poder público. De lá da Scar, vim para Joinville. Então, foi uma coisa que aconteceu na minha vida. O meu trabalho pela coletividade acabou sendo mais forte que a minha própria carreira como artista. Quando você é artista, você é sempre artista. Há uma necessidade, sim. Porém, o fato de eu ter passado a atuar como curador, que é aquela pessoa que reúne acervos de museus, de exposições, acaba sendo um exercício dessa mágica da criação, porque o curador, embora não coloque a mão na massa e não tenha participado da elaboração de cada obra, cria no momento em que reúne essas obras para uma leitura pública. Acabo me satisfazendo em permitir uma leitura. Por exemplo, no dia 13 de novembro vem para Joinville uma exposição do Schwanke (Luiz Henrique), que se chama Sonetos e sairá do Museu Vitor Meirelles, com curadoria minha. O museu me convidou para fazer a curadoria. Vou lá, entro no acervo, faço uma escolha que é subjetiva. Escrevo um texto e apresento ao público uma leitura de um artista, que é o Schwanke. Já tive a oportunidade de fazer curadoria com o próprio Vitor Meirelles; para o próprio Museu de arte de Santa Catarina. Quando eu faço uma curadoria, eu me sinto realizado. Dessa maneira, inventiva e criativa que a arte permite, você se sente parte da criação, porém de uma forma diferente, sem ter um trabalho seu incluído. Há curadores e curadores. Eu sou da linha que se você faz uma curadoria, não inclui um trabalho seu. Já fiz curadorias no Masc. No ano passado fiz a da exposição "Rótulos", em que eu estava questionando o hábito do ser humano de classificar as coisas. O ser humano, para se desenvolver, separou as coisas em categorias. Então, o que eu quis era, através dos trabalhos de arte, fazer um questionamento sobre o ato do ser humano de rotular. Você. Você. Você. Você. O meu trabalho artístico, inclusive alguns que estão lá no acervo do Masp (Museu de Artes de São Paulo) tratam disso também. Obviamente, que a partir do momento que eu sou a pessoa convidada para reunir o acervo, eu vou reunir todos os trabalhos que achei importantes, menos o meu. Ego exacerbado tudo bem, mas um pouquinho de semancol não faz mal. Ok? Consegui explicar as coisas? Consegui convencer? Ainda estou passando a visão de oportunista?

Quase todos da equipe: Ok.

Melatti: Somos o intermediário disto. Vamos publicar e os leitores é que vão interpretar.


Acompanhe outros assuntos da entrevista:
POLÍTICA NA CULTURA
JOINVILLE E CULTURA
PATRIMÔNIOS CULTURAIS

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