São Paulo não é um lugar onde tudo é grande. Quem visita a maior cidade da América do Sul descobre que a grandeza dos prédios, shoppings, viadutos e avenidas é apenas proporcional à amplitude do mar urbano que se estende a perder de vista. Proporcional também ao sentimento de satisfação de pisar no solo de uma cidade que não parece parar, onde tudo é rápido, contínuo e permanentemente mutante. Alguém que visita a metrópole torna-se uma ilha de interior no meio da cidade grande, e cada passo vira aprendizado, novas noções de tempo e de espaço.
Se estar em São Paulo já é inebriante, a Bienal de Arte acaba sendo sublime. Um banho de criatividade, presente em cada um dos pisos do pavilhão Ciccilo Matarazzo. Talvez uma semana inteira de visitação seja suficiente para conseguir alcançar a imensidão intelectual de cada obra, a intenção das produções em vídeo e das obras interativas e a beleza das imagens e sons de um templo da essência da arte. Visões apaziguadoras e intrigantes se misturam à variedade de público e sotaques, desde gaúchos até nordestinos, e compõem um ambiente com clima de contemplação. Houve quem sentisse remorso quando atravessava a catraca rumo às arvores do Ibirapuera, deixando a Bienal para trás. Uns por sentirem que não entenderam nem um décimo do que cada obra poderia oferecer, em beleza e questionamento, e por não projetarem a própria vida nas produções dos artistas (já que o tema é “Como viver junto”). Outros, por não poderem passar mais tempo num ambiente confortável de pura arte e de algumas loucuras quase ininteligíveis.
Já as árvores do Ibirapuera são testemunhas de como uma cidade pode ser um camaleão. Em meio às bicicletas e a quem gasta calorias, quase não é possível notar que uma cidade imensa pulsa fora dos muros do parque. A imagem que São Paulo reflete fora dos seus limites, de um lugar sujo e perturbador, movimentado, indiferente e frio, acaba tornando-se risível para alguém que percorre os caminhos pavimentados e ricamente arborizados do oásis verde paulistano. É claro que algumas mazelas da cidade grande também invadem o Ibirapuera, como a poluição sonora e os acidentes de trânsito. Mas ambas em versões leves: o barulho é dos pássaros e das crianças nos balanços, e os acidentes de trânsito são causados por pedestres desavisados que invadem a faixa destinada às bicicletas, causando engraçadas cenas de freadas e tombos monumentais.
Apesar do parque, São Paulo não é uma cidade tranqüila. Para não amolecer na maior cidade do Brasil, a melhor pedida é, imediatamente após ir ao Ibirapuera, desembarcar na babel paulistana, a rua 25 de Março. No início das compras de Natal, mais de um milhão de pessoas visitam o comércio popular por dia. A rua que abriga um mar de gente é o paraíso dos badulaques, bibelôs e acessórios inúteis, e dos eletrônicos e utensílios nem tão inúteis assim. É preciso ser forte e determinado para sair da 25 sem comprar nada. Mas o que realmente compensa é andar pelas calçadas e sentir o clima do comércio voraz e implacável, das pechinchas intermináveis, da valorização inveterada do cliente, que tem um universo incrível de opções de compra. No entanto, o espetáculo verdadeiro fica por conta dos ambulantes. A vida do outro lado da barraca não parece ser muito fácil, mas parece divertida. Os vendedores fazem tudo pela venda: demonstram como funciona o produto, oferecem amostras grátis, baixam o preço, e quem ganha com tudo isso é o consumidor. Só que uma coisa é fato: comprar no meio da balbúrdia que é a 25 não é muito fácil, pois a apreensão quanto a furtos é iminente. E há também a famosa correria do rapa, o terror dos ambulantes, em busca dos contrabandos e produtos ilegais. Por falar em produtos ilegais, a 25 de Março também conta com um outro (quase) ponto turístico: a Galeria Pagé, de Law Kin Chong, tido como o maior contrabandista do Brasil, que não tem preços tão módicos, mas está permanentemente lotada. As compras também são o ponto alto do bairro do Bom Retiro, onde as lojas de roupas se enfileiram e as calçadas não têm nenhum espaço.
Há coisas que só se pode ver em São Paulo
Ao lado do Bom Retiro está a Estação da Luz. Visão indescritível e incomparável pela beleza e pela representatividade. Logo à frente está a praça da Luz, que abriga a Pinacoteca. A praça é conhecida por ser um ambiente de prostituição. Porém, durante o dia, é agradável, tem vento fresco e muitas árvores, e ideal para descanso em tarde ensolaradas. A estação, imponente, não perde o movimento corriqueiro por ser ponto turístico. Os trens correm lívidos de um lado a outro, por entre cidadãos acostumados a estar no local nacionalmente famoso. Os andares superiores da Luz abrigam o novíssimo Museu da Língua Portuguesa. Um banho da língua materna, com a história do português no Brasil e no mundo, mapas com as origens dos idiomas e interatividade constante, ponto alto da belíssima exposição sobre o livro “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, da qual não dá vontade de sair tão cedo.
E, é claro, há a avenida Paulista. Um seqüência interminável de prédios intermináveis, impressionante também pela representatividade. Para se ter uma idéia, apenas um banco tem quatro agências no local. Isso sem falar dos demais, que constituem o verdadeiro centro financeiro do país. Os imóveis da Paulista estão entre os mais valorizados do Brasil, e deixam o turista boquiaberto com a ousadia dos arquitetos e a habilidade dos engenheiros. É, definitivamente, o coração paulistano que nunca pára de bater.
Apenas depois de sair de São Paulo é que se pode defini-la: a metrópole paulistana é uma linha tênue e tortuosa entre um inferno sem tempo e espaço, frio e impiedoso, que engole todos com a sua enormidade ímpar e um éden sorridente a quem visita, pela variedade de coisas interessantes e pela sua vastidão, uma deliciosa seara de novas experiências.