Comerciantes correndo apavorados, lutando para salvar seus abacaxis, seus isqueiros e tantas outras bugigangas vendidas pelos camelôs da rua José Paulino. E correndo sem olhar para os lados, eles gritavam: “Olha o rapa”. A polícia havia chegado àquela hora para coibir o comércio ilegal. A recepção em São Paulo, na manhã de 28 de outubro, foi agitada e calorosa. Uma pequena amostra do que é a “terra adorada”, com seus arranha-céus pichados de cima a baixo, com favelas e morros, com ruas de comércio popular e tantas outras peculiaridades.
Felizmente, nem só coisas feias existem na cidade. Pinacoteca do Estado, Museu da Língua Portuguesa e Bienal de Artes era nosso roteiro para aquele sábado ensolarado. São Paulo, apesar da sujeira, respira cultura. Para entrar na Pinacoteca, no final de semana era de graça. Para visitar o museu da língua pagava-se quatro reais (para estudante ficava a metade do preço). E a Bienal tinha entrada franca todos os dias. Só não aproveita quem não quer.
A Pinacoteca do Estado é localizada do outro lado da Estação da Luz – onde fica o Museu da Língua Portuguesa. O suntuoso prédio construído entre 1887 e 1900 abrigou o Liceu de Artes e Ofícios até 1905, quando o museu foi inaugurado. Durante os anos 90, o prédio foi reformado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Entre suas salas, a pinacoteca abriga obras de artistas brasileiros do séculos 19 e 20. As salas são separadas por temas: retratos, paisagem, arte abstracionista, arte moderna, e tantas outras que mereceriam um mês para ser apreciadas por completo. Tudo é grande e assusta. Desde os quadros que ocupam paredes inteiras, até as molduras requintadas.
Enfim, era hora de conhecer o museu
Mas nada é melhor que o Museu da Língua Portuguesa. Tive que conter a curiosidade até a parte da tarde, quando finalmente entramos no lugar. Muitos estavam mais interessados em ir às compras nas famosas ruas 25 de Março e José Paulino - “Zépa, para os íntimos”, segundo palavras de nossa guia. Então, às 13 horas, pegamos o elevador para apreciar a "Árvore das Palavras" . São 16 metros de uma escultura que, ao receber luz, reflete na parede letras e desenhos. É o primeiro momento da visita, o qual nos faz entrar no clima da viagem ao mundo das palavras.
Sentados no chão, esperávamos a próxima parte da incursão. Era a hora de entrar no auditório para assistir a um filme e depois ver uma “surpresa”, de acordo com as indicações da guia turística. O auditório ficou rapidamente lotado. E de frente ao telão de nove metros de largura pudemos ver o vídeo de apresentação , com narração da atriz Fernanda Montenegro, explicando as origens da língua. Depois de 15 minutos de apresentação, a surpresa: o telão move-se e todos são chamados a adentrar a “Praça da Língua”. Sem dúvida, o espaço mágico do museu, onde o ambiente remonta um “planetário”. Isso porque, no teto da sala, são projetadas poesias e imagens, sincronizadas com música e declamações . Embalados por Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, Vinícius de Moraes, a vontade é ficar ali dentro, assistindo e reassistindo a projeção de clássicos da literatura brasileira. Depois de 30 minutos, a sala fica em silêncio e no escuro. Agora os poemas estão projetados no chão, mas é hora de partir para os outros pavimentos.
No primeiro andar ficam a grande galeria, o mapa dos falares, as palavras cruzadas e o beco das palavras. Por meio de filmes, computadores e exposições é possível acompanhar toda a trajetória da língua portuguesa, assim como as modificações que ela vai passando ao longo do tempo. Mas o outro espaço mágico do museu fica lá atrás, escondido, e não é à toa que recebe o nome de "Beco das Palavras". São três mesas, com pedaços de palavras que, por meio de simples movimentação com as mãos, é possível juntar. Quando isso acontece, outra tela aparece, explicando a origem e o significado da palavra construída. Mais uma vez, é possível passar horas montando e remontando palavras. Mas o espaço é concorrido e muita gente quer sua hora de brincar.
E para finalizar a incursão ao mundo das palavras somos presenteados com uma exposição sobre o livro “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. Lá é você que faz a exposição. Você pode puxar os cordões e ler trechos do livro corrigidos pelo autor. Pode subir em palanques para ler o que está lá embaixo, no meio de restos de concreto. Pode pegar o espelho e visualizar frases em um tambor de água. Enfim, pode se deliciar, conhecendo um clássico da literatura. Mas a visita chega ao fim. É hora de ver outras coisas.
No parque do Ibirapuera, um mergulho nas artes
Com um calor de 29 graus, chegamos ao parque do Ibirapuera, reduto verde no meio da cidade de concreto. Em uma área de 1,6 milhão de metros quadrados, o parque abriga o Museu de Arte Moderna, a Oca, o pavilhão da Bienal e o pavilhão Japonês. É lá que os paulistanos se refugiam do caos da cidade grande. Eles alugam bicicletas, levam cachorros exóticos para passear, soltam pipa e divertem-se com toda a família.
Mas estávamos lá para visitar a 27ª Bienal de Artes de São Paulo. O tema dessa vez é “Como viver junto”. Filmes, obras e fotos tentavam exprimir tais sentimentos. Logo na entrada, os visitantes têm a visão engraçada de diversos guarda-chuvas pendurados desde o teto. E coisas diferentes não faltam. Uma parte fechada com o alerta "Este espaço contém cenas de mutilação humana. Pessoas sensíveis não devem entrar” chamou minha atenção. Tinham sim, fotos de mutilação humana, em meio a livros de Michael Foucault e Immanuel Kant, tudo muito curioso e sinistro. E depois de ver inúmeras obras, entender algumas e não entender a maioria delas, era hora de deixar São Paulo. Com o sentimento de querer e não querer voltar. Com vontade de ver mais coisas, mas ao mesmo tempo, com vontade de voltar para o mundinho pequeno de Joinville.