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Matéria 1881, publicada em 27/03/2006.


Beijo de língua

Amauri Abe

Por todo o museu, instalado acima da Estação da Luz, no cerne da capital paulista, se respira nosso idioma — ou o “Idiomaterno”, título de curta-metragem exibido no terceiro piso do local. Tem a prosa e a poesia, a gíria e o “internetês”. Tem o romance e também a música — escutar “Palavra Língua”, de Arnaldo Antunes, enquanto se vê a instalação “Árvore de Palavras”, dá um baita clima. Tem até jornalismo, presente nas cortinas que dão na saída de emergência do primeiro piso: são panos com trechos de jornais repercutindo “Grande Sertão – Veredas”, de Guimarães Rosa, que, por ter sido um ensaio de reinventar a língua e seus verbetes, mereceu ser tema da primeira exposição provisória, no primeiro piso. Só não achei Paulo Coelho, Jô Soares (com seu Xangô de Baker Street) e nem trechos de livros de auto-ajuda.

O Museu da Língua Portuguesa é uma grande delícia, principalmente para os entusiastas do verbo. Não é um amontoado de livros antigos, longe disso; lança mão de multimídia e interatividade para cativar seus visitantes, de todas as idades e graus de instrução. Como, por exemplo, o setor Beco das Palavras, onde se junta dois verbetes com as mãos — como se fossem duas pererecas pulando na sua frente — e se tem o significado e etimologia do termo formado pela união dos anteriores. Ou a Praça da Língua, um “planetário” de letras com poesia concreta e trechos de Drummond, Camões e tantos outros, nas vozes de sujeitos tais como Chico Buarque e Caju e Castanha.

Já a exposição de “Grandes Sertões – Veredas” tem a obra na íntegra. Uma parte está em latões de água, nos quais se lê com um espelhinho. Outra, só subindo uma escada e usando uma mira. Tropeça-se em tijolos largados no chão, lembrando-nos do cunho de construção desta obra (bem como do idioma). O segundo piso, cheio de computadores, também é repleto de informações e curiosidades, como o percurso da nossa língua até chegar onde está, ou os sotaques de tantas regiões do País (inclui Joinville). Na linha do tempo, a acompanhar o idioma desde antes do latim até as abreviações típicas da internet, o último ponto é um espelho. Afinal, já diz o slogan do museu na portaria: a língua é o que nos une.

O objetivo deste projeto, segundo seu site, é “fazer com que as pessoas se surpreendam e descubram aspectos da língua que falam, lêem e escrevem, bem como da cultura do país onde vivem, nos quais nunca haviam pensado antes”. Pode ser. Durante minha incursão no lugar, observei senhoras saindo extasiadas das sessões, uma idosa reclamando da subida (“eu passo mal em elevador panorâmico”) e muitos adolescentes num incomum silêncio, entretidos em meio à enxurrada de novidades sobre o tal do português (algumas novidades conhecidas há centenas de anos). Porém, a minha sensação ao sair de lá foi a vontade de ler alguma coisa. Um Guimarães Rosa, talvez. Pode ser.


Amauri Abe é aluno do 7º período de jornalismo no Ielusc

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