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Matéria 9089, publicada em 26/10/2009.


:Ludimila Castro

Mateus Carle acusa a escassez de documentos sobre os negros no Arquivo

Afrodescendência: uma história mal contada em Joinville

Ludimila Castro



Registros de comércio e óbito de escravos, petições de sesmarias e recortes de jornais são os materiais disponíveis no Arquivo Histórico sobre a cultura africana em Joinville. Apesar de ter a segunda maior população de afrodescendentes do estado, há pouca documentação catalogada no município. Segundo estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em Joinville 7,3% da população é negra, índice superado apenas por Criciúma, que tem 9,3%. Com base nos mesmos dados, por outro lado, o sociólogo João Carlos Nogueira atualiza o percentual joinvilense para 17,4%, argumento suficiente para comprovar a escassez de dados objetivos sobre a afrodescendência e para derrubar o discurso de que a cidade é uma referência germânica. O fato é que Joinville não dá mais conta da diversidade social e étnica que a compõe.


As escrituras de compra e venda de escravos (foto acima) pertenciam ao Cartório Rodrigo Lobo e foram doadas para o acervo do Arquivo Histórico. Tratam-se de seis documentos com o brasão do Império Brasileiro discriminando o valor de cada “peça”, com preço médio de 40 mil réis. As folhas timbradas da Collectoria Provincial indicavam os nomes dos envolvidos no comércio: em geral, só apareciam na descrição o primeiro nome do escravo, o nome dos “sinhôs” no topo e, no rodapé, a assinatura do coletor e do escrivão. Em 1887, a coletoria acusava a presença de apenas 96 escravos no município.

“Eu acredito que é uma história que ninguém quer contar. A elite dominante não quis que fosse contada”, apontou o assistente cultural Mateus Roberto Carle, de 40 anos. Formado em História, ele trabalha no Arquivo Histórico de Joinville e afirma que há pouco material sobre os afrodescendentes no acervo. Segundo Carle, a consulta destes documentos também é pouco solicitada. Há arquivos, entretanto, que apontam a presença de escravos desde 1804 nos bairros Bucarein, Itaum, Boa Vista, Pirabeiraba (chamado Piraverava), Paranaguamirim (o antigo Pernâgua) e no Morro do Amaral. Documentos comprovam que havia famílias com até 22 escravos nos serviços domésticos e agrícolas. Um dos documentos catalogados no Arquivo Histórico de Joinville são folhas soltas e amareladas do jornal Kolonie Zeitung. O periódico circulava na Colônia Dona Francisca e em Blumenau, redigido em idioma alemão e impresso em tipos góticos. Em uma das suas edições de 1865, noticiou sobre os escravos.

O acervo também é composto por imagens e uma das fotografias, em preto e branco, representa a parteira e ama-de-leite Inácia (foto abaixo), no início do século 20. Sem o sobrenome registrado, ela foi um dos personagens que trabalharam na Colônia Dona Francisca.

Na Mitra Diocesana também é possível encontrar alguns registros da Lei do Ventre Livre – que declarava liberdade para filhos de escravas nascidos a partir de 28 de setembro de 1871.

A partir de 1850, o comércio escravista começou a decair. A Inglaterra derrubava os navios negreiros e isso diminuiu o tráfico, aumentando o preço dos cativos vindos da África. Neste período, os imigrantes não possuíam liberação para terem escravos devido às cláusulas contratuais de imigração, embora houvesse surgido nessa mesma época o aluguel da mão-de-obra escrava. Em 1884, porém, a discussão sobre o uso dessa força de trabalho tomou corpo com o surgimento do Clube Abolicionista.

Estudos mostram que a presença de escravos e libertos era frequente na cidade desde o século 19. Em 1950, Joinville contava com 70.687 habitantes e a população negra somava 2.650 pessoas. Apesar dos números, apenas uma pequena parte desta história é contada. Existem muitos trabalhos que contemplam o passado joinvilense, porém a memória dos afrodescendentes se resume a breves relatos.

Atualmente, há três associações de afrodescendentes no município: o Grupo Consciência Negra, o Instituto Afro-brasileiro de Joinville e a Sociedade Beneficente Kênia Clube. Em geral, as instituições visam a defender os direitos do grupo.

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