Revi Bom Jesus/Ielusc

>>  Joinville - Sábado, 20 de abril de 2024 - 03h04min   <<


chamadas

Matéria 8858, publicada em 10/09/2009.


:Felipe Silveira

Sobre o cartaz do Enem, rabisco ofensivo e mal-redigido

Cotas para o analfabeto

Felipe Silveira*



Já escrevi dois artigos para a Revi falando sobre preconceito racial em peças publicitárias vinculadas ao Bom Jesus/Ielusc – a primeira no banner de comemoração aos 80 anos da instituição e a segunda na campanha do vestibular em parceria com a Univille. Em ambas, negros pouco ou nada apareciam e interpretei isso como uma manifestação de preconceito “inconsciente”. Na última semana vi algo que me obrigou a voltar ao tema. Desta vez deixo os publicitários e designers em paz para abordar uma intervenção do público num cartaz do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), localizado no piso superior do bloco C da Associação Bom Jesus/Ielusc. No primeiro plano da fotografia, na camiseta de um jovem negro que sorri, alguém riscou a caneta a seguinte frase: “Ta rindo porque vai passar por cota filho da puta”.

Para começar, percebo que o analfabeto está bravo por achar que vai perder a vaga na faculdade por causa do sistema de cotas e não pela sua incapacidade de construir uma ideia sem assassinar a língua portuguesa. Mas antes de eu propor cotas no vestibular para quem não sabe escrever, vou tentar deixar a discussão mais séria, apresentando os dois pontos principais (a favor e contra) do debate. Ressalto, porém, que essa construção é pessoal, baseada naquilo que li, ouvi e pensei, sem embasamento teórico ou como representante de qualquer entidade. Vamos aos pontos...

Em primeiro lugar, é preciso saber a razão e a proposta da implantação do sistema de cotas. O Brasil, por ter sido um país escravista, tem uma dívida histórica com a população negra. No desenvolvimento do nosso sistema econômico sequestramos, matamos, torturamos, exploramos e humilhamos seres humanos que viviam em seus lares, do outro lado do Atlântico. E quando já não nos serviam mais, os expulsamos de nossas terras, empurrando-os morro acima. O sistema capitalista (esse, sim, injusto) explora para sustentar a elite e explorou principalmente o negro. Agora essa dívida deve ser paga – e com a mesma força que excluímos deveríamos incluir. A proposta das cotas é uma medida paliativa, longe do ideal, mas o mais próximo que chegamos num esforço pela igualdade.

O único argumento coerente (e isso não quer dizer que eu concorde) contrário ao sistema de cotas é o de que somos humanos e não deveríamos nos diferenciar pela raça. A medida acirra a rivalidade racial, dando munição à elite branca e racista. Isso é fato, pois desde o início da discussão do sistema, o que mais vemos é a elite – branca e racista – defendendo a igualdade, principalmente quando os filhos vão buscar vagas nas mais disputadas universidades do país, que são públicas. No entanto, trago a discussão para cá porque muitos de meus colegas – que respeito e sei que não são preconceituosos – também o dizem: “Sim, somos humanos, e apenas humanos!”. Mas o que tenho a dizer é que, como humanos, erramos e acertamos.

Para refutar o argumento contrário, peço ajuda ao jornalista político Leandro Fortes, repórter da Carta Capital e dono do blog Brasília, eu vi. No artigo “Somos racistas”, ele diz: “É preciso dizer que muita gente boa, e de boa fé, acha que cota de negros nas universidades é um equívoco político e uma disfunção de política pública de inserção social. O melhor seria, dizem, que as cotas fossem para pobres de todas as raças. (…) Isso é uma falácia que os de boa fé replicam baseados num raciocínio perigosamente simplista. Na outra ponta, é um discurso adotado por quem tem vergonha de ter o próprio racismo exposto e colocado em discussão.”

Fortes é a base do raciocínio aqui apresentado e a leitura do artigo dele será muito melhor do que a minha, mas a minha contribuição para a discussão é bem localizada e se dá pela provocação do cartaz rabiscado. Enquanto negarmos nossa dívida, seremos iguais ou piores do que o sujeito analfabeto que escreveu aquela pérola da nossa sociedade. É essa a igualdade que buscamos?


*Felipe Silveira é estudante do 8º período de Jornalismo no Bom Jesus/Ielusc

800x600. ©2005 Agência Experimental de Jornalismo/Revi & Secord/Rede Bonja.