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Matéria 7947, publicada em 03/03/2009.


:Luiza Martin

Letícia: carona ao jornalismo e à ficção

Letícia viajou com Thompson e voltou com 10

Luiza Martin


Protagonista do próprio ensaio, Letícia Caroline da Silva deu carona a Hunter S. Thompson, o autor e também personagem Raoul Duke de “Medo e delírio em Las Vegas”. Este livro foi a estrada que a pesquisa de Letícia percorreu durante a viagem sobre o jornalismo literário e o gonzo. Em busca da ficção nos textos jornalísticos, a monografanda arriscou e redigiu um texto de fruição — aquele em que o leitor dialoga com a narrativa — cuja escolha do título foi entregue ao leitor (quem se depara com a monografia, encontra a frase “Preencha o título aqui”, entre parênteses). Na banca, estavam presentes o orientador Jacques Mick e as avaliadoras Daisi Vogel, professora da UFSC, e Nara Marques, do Bom Jesus/Ielusc. Eles decidiram aprovar o trabalho com nota 10 perante o público do anfiteatro, após uma longa discussão de conceitos que prorrogou em cerca de 20 minutos o término da defesa, ocorrida na terça-feira (2).

Em primeira pessoa, Letícia concebeu seu ensaio em linguagem literária. Seguiu as diretrizes de Thompson em “Medo e delírio em Las Vegas” e contestou o teor de ficção atribuído à obra. Dialogando com Thompson no trabalho escrito, ela faz perguntas sobre o livro: “Será que ele foi até o limite ou respeitou um limite imposto de uma suposta realidade, de algo aceitável? Por que você e o advogado nunca estão doidões juntos?”. A ex-aluna ansiava mostrar que a inovação promovida por Thompson era restrita e que a classificação do livro em “literatura de realidade” ou de “não-ficção” levantava uma dúvida, afinal Thompson não assume seu discurso como ficcional ou apenas relato jornalístico. Letícia afirmou que uma cobertura jornalística, por ser a ressignificação dos fenômenos, subentende um universo de ficção. Partindo desse princípio, ela considera necessário assumir a instância imaginária da imprensa, para que o leitor não precise questionar a verdade do texto, fazendo uma leitura “livre” de classificações.

“Você fala de ficção como se estivesse falando de fábula”, disse Daisi Vogel a Letícia. A idéia de ficção na obra de Jacques Rancière, autor presente no ensaio, é “embreada” na realidade, depende dela. Porém, nos diálogos do texto da monografanda, o real é negado. Outra crítica feita pela professora diz respeito à dependência da sociedade de um relato aproximado da realidade. “Nem tudo é possível fazer como jornalistas, em termos de ficção”, sentenciou Vogel, acrescentando: “O jornalismo é um tipo de texto realista, movido pela vontade de colocar o mundo no lugar”. A professora confessa: “Impliquei com o texto do início ao fim da leitura”. Quando Daisi anunciou que passaria para a segunda parte da arguição, o pai de Letícia, da platéia, reagiu: “Vai falar mais besteira do que já falou?”. O orientador da monografia e presidente da banca, Jacques Mick, disse que a reclamação não foi percebida pelos professores. “Se eu tivesse ouvido, teria pessoalmente repreendido a intervenção: não havia besteira alguma sendo dita e não cabe à platéia julgar a banca”, ponderou Mick. A argumentação da professora Daisi durou 40 minutos, aproximadamente, e ela também não deixou de salientar que as seis perguntas do lead, entendidas por ela como desnecessárias no trabalho, são fundamentais para uma apuração completa.

Nara Marques e Daisi Vogel concordaram que Letícia foi “agressiva” no texto. “O trabalho incorporou a agressividade de Thompson”, considerou Nara. Ela acredita que “literatura e jornalismo podem caminhar juntos”, discordando de Daisi — que tem “horror” à expressão “jornalismo literário”, pois corresponde a um oxímoro. Nara analisou o livro e dirimiu uma dúvida do trabalho: “Hunter Thompson não se assume como ficcionista, prevalece o jornalista”. A professora acredita que o autor queria se reconciliar com a realidade: “O problema chave do livro não é o que é ficção, mas o que é o real”. De acordo com a interpretação freudiana feita por Marques sobre as palavras "medo" e "delírio", Thompson tem um “desejo de realidade”. Nara reparou que a idéia de fruição no texto da monografanda seria favorecida caso ela tivesse narrado em terceira pessoa. Dessa maneira, o narrador poderia “entrar na cabeça” dos personagens.

Letícia assumiu para Nara Marques sua dependência ao seguir o modelo de “Medo e delírio em Las Vegas”. A ex-aluna também explicou para as avaliadoras que “tomou partido da ficção” e não trabalhou a realidade no ensaio, pois não era sua intenção fazer dicotomias. Ela se disse “incomodada com a supervalorização das ferramentas [lead, pirâmide invertida e outros], como se elas dessem conta de tudo”, por isso afirmou ser necessário “aceitar a ficção no jornalismo” durante a construção textual, para “não recair em críticas superficiais”. Enquanto a banca deliberava a nota, Letícia estava consciente de que as críticas ao seu trabalho eram apontamentos para sua pesquisa ser aprimorada futuramente. Agora, ela pensa em fazer mestrado na área de literatura e está à procura de emprego.

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