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Matéria 6360, publicada em 10/06/2008.


:Luiza Martin

Casa dos pais de Bell, em Timbó, foi transformada em museu

Um olhar estrangeiro sobre a poesia de Lindolf Bell

Luiza Martin


O inverno de 2001 trouxe a enchente para o centro de Timbó, a Pérola do Vale. Malas haviam sido preparadas e tudo o mais se conformava a morar naquela cidade; muito antes de saber que vivera ali a promessa de uma capital da poesia. Dois anos depois da voz do poeta cessar, o ouvido estrangeiro mal entendia o eco que restou da obra de Lindolf Bell. Embora professores de história da arte tentassem transmitir a beleza poética do escritor, nada se compararia à sensação de estar na Casa do Poeta – agora um museu – e conhecê-lo, mesmo que tardiamente, sete anos após a chegada.

Há dez anos, prestes a festejar, no dia 10 de novembro de 1998, seu 60º aniversário, Bell faleceu. Nunca comemorara seu nascimento (2 de novembro de 1938), pois não fazia sentido bendizer a vida na data de finados. Ele deixou desejos inacabados, três filhos, amigos entristecidos, e um espólio poético de orgulhar o catarinense nato. Isso porque buscava nas profundezas da terra, ou das palavras que a representam, a beleza de Santa Catarina – no chão da praça Lindolf Bell uma frase explica: “Eu desci no centro da terra para colher o girassol que morava no eixo”. Mas, Bell não se ateve somente ao estado, declamou também o amor, a injustiça e construiu o acesso de uma geração à poesia. De braços abertos propagando versos, o poeta dos girassóis convidava a um mundo de sonhos.

A catequese poética, movimento inciado em 1964 que persistiu por 30 anos, o consagrou entre os escritores brasileiros e imortalizou sua voz em cada poema declamado. No escritório da casa simples e fria durante o fim de semana que fechou maio e iniciou junho, há fotos e registros das marcas que o poeta deixou em Mário Quintana, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles. Rubens Jardim e Luiz Carlos Mattos participaram também como expoentes da catequização do público. Essa manifestação se tornou objeto de um livro, intitulado “Lindolf Bell e a Catequese Poética”, escrito por Maria J. Tonkzak. A religião luterana estava presente em vários cômodos da casa do poeta. Talvez por causa da presença religiosa ele tenha escolhido catequese como a palavra que encarnaria seu movimento poético mais importante.

Corpoemas (o poema em camisetas), liberdade engarrafada (a poesia à deriva no rio Itajaí-açu, em Blumenau) e selapoesia (selos como poesia) foram também alguns meios inusitados que expandiram a arte de Lindolf Bell. Ele caminhava até o âmago da memória e reflexão. Voltava com o poema. Por isso necessitava disseminar seus versos e sabia que livros não chegariam aos mais recônditos lugares onde o sentimento habita. O caminho percorrido na procura da palavra fazia dele um sujeito isolado. A solidão o corroía. Da depressão ele nunca se recuperou. Apesar da postura alegre nas festas e de agregar multidões em torno da cultura e da arte, Lindolf desobedecia aos médicos, fumava e bebia em excesso. Isso o enfraqueceu e levou à morte por insuficiência cardíaca, no momento em que se submetia, repentinamente, a cirurgia de um aneurisma cerebral.

Bell tinha coleções peculiares que resistiram ao tempo e estão preservadas no museu, que tanto sonhou e concretizou pelas mãos da filha Rafaela. Livros, pinturas, xícaras, bules, manteigueiras em formato de galinha e guarda-chuvas que viraram bengalas são objetos que preservam conversas, sentimentos e momentos na memória. Ele conservou os hábitos dos pais, Amália e Theodor Bell, na casa em que morou durante seus últimos anos. A pia da cozinha nunca possuiu cuba. A louça era lavada em uma bacia, meticulosamente — um costume da mãe. No terreno, que já fora maior e diminuiu devido ao loteamento feito quando a prefeitura comprou a propriedade, os arados resistem sem movimento sobre a terra. Eles lembram do bucólico e de uma denominação pejorativa, que Lindolf se irritava ao ouvir: colono. Esta palavra, quando é empregada para significar caipira, antiquado, brega, piegas e outros pejorativos, culminava no desagrado profundo do poeta. Em Timbó, esse termo é muito usado.

Quem já leu algum poema de Lindolf percebeu que não só de rima, aliteração e assonância foram feitos os 15 livros. A concretização poética das idéias de Bell só foram reconhecidas devido ao profundo conhecimento em língua portuguesa. As bases de seu aprendizado são atribuídas ao professor e amigo Gelindo Sebastião Buss, que faleceu em 1998, como o poeta, antes de poder ler uma carta que Bell enviara. Durante o velório, a correspondência foi declamada. Uma “morte” que Lindolf evitou, em 1990, foi a da cadeira de Literatura Catarinense no curso de Letras da Universidade Federal de Santa Catarina: hoje vários escritores locais são leituras obrigatórias nos vestibulares e a matéria que abrange os textos de catarinenses não é mais optativa.

Olhos claros e fortes, bem delineados pela maquiagem, foram o encantamento do poeta no dia em que sua futura esposa o buscou de carro para um evento em que ele declamaria. Ela pertencia à classe de ricos que tinham acesso a automóveis. Muito diferente do poeta, que vivera na pequena Timbó e sonhara transformá-la na capital da poesia. Excêntricos, Lindolf Bell e Elke Hering se casaram rompendo com o tradicionalismo nas indumentárias: ela de cigana e ele com uma túnica japonesa. Os filhos, Pedro, Rafaela e Eduardo Bell preservam a memória do pai, apesar de nenhum deles ser poeta. Pedro trabalha na RBS, Eduardo é veterinário e Rafaela é diretora do MAB (Museu de Arte de Blumenau) e curadora da Casa do Poeta.

O casal de artistas muito contribuiu para a cultura catarinense. Açu-açu foi o nome da primeira galeria de arte de Santa Catarina, fundada pelo poeta e Elke, artista plástica. A escultora criou uma das obras expostas na maior galeria a céu aberto de Santa Catarina, que fica na praça Lindolf Bell – em frente ao museu. Feita em bronze, ela se chama “Atemporalidade” e é acompanhada por “Brasilidade”, de Jayme Reis, forjada em metal, e pela “Eternidade”, esculpida em mármore e criada por Pita Camargo. Mais três artistas dividem o gramado: Paulo Grevel e sua “Contemporaneidade”; César Otacílio e o “Painel Dogma”, que traz o poema Crianças Traídas; e Lygia Neves com a espiral metálica que chamou de “Luz”.

Os seguidores do Sol não estavam floridos na casa que um dia abrigou Bell, seus pais e seu irmão, Orlando. O poeta amava os girassóis. Eles apareciam na assinatura de Lindolf, nos jardins do museu e no símbolo da casa do poeta, desenhado por Elke. Mesmo que as vibrações da declamação de Bell tenham cessado, ele foi o único capaz de provocar tal gratidão: “Caro poeta, escrevo para agradecer, pois em dez anos de prisão tive o meu primeiro momento de liberdade quando o ouvi declamar” – escreveu, em carta, um prisioneiro de Cuba.

O livro que respaldou este texto

A menina que escrevia versos recebeu, em 1996, um prêmio pelas mãos do poeta Lindolf Bell. Resolveu, mais tarde, que ele seria o tema do trabalho de conclusão do curso de jornalismo. Formada na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), ela fez prosa em linguagem poética para retratar um dos homens que lutou pela cultura. A obra “Quixote Catarinense”, é um “diário” de entrevistas que mistura a fala dos amigos de Lindolf, a narrativa adocicada, a história de Dom Quixote – escrita por Miguel de Cervantes – e a discussão tímida do jornalismo. Helen Francine publicou o livro em 2005 e provocou uma pergunta substancial: os jornalistas, além de ouvir e ver, não devem sentir para escrever?

Contemple aqui as fotografias que demarcam períodos da vida de Bell

Veja aqui imagens da casa

800x600. ©2005 Agência Experimental de Jornalismo/Revi & Secord/Rede Bonja.