Revi Bom Jesus/Ielusc

>>  Joinville - Sexta-feira, 22 de novembro de 2024 - 01h11min   <<


chamadas

Matéria 6286, publicada em 03/06/2008.


:Djulia Justen

Karam analisa os temas éticos a partir da rotina jornalística

O jornalismo precisa de uma ética própria, diz Karam

Gustavo Cidral


“Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão”. A afirmação do jornalista Cláudio Abramo, em "A regra do jogo", vem sendo usada por profissionais para escapar de uma discussão a respeito do compromisso social e da responsabilidade perante o público. Em “Jornalismo, ética e liberdade”, o pós-doutor pela Universidade Nacional de Quilmes/Argentina (UNQ) e professor da UFSC, Francisco José Karam considera insuficiente a reflexão de Abramo, apesar de reconhecer a importância da pesquisa. O autor defende uma “ética universal específica para o jornalista, com traços operativos distintos das demais profissões”. Demonstra que “a ética jornalística não se reduz à normatização escrita, mas faz parte do processo interior do profissional, que deve se refletir no trabalho cotidiano e se relacionar à totalidade social”.

Karam compara o jornalista e o médico. As duas competências profissionais distintas revelam que o jornalista seria o único capaz de mediar um acontecimento, o que lhe dá o direito de saber mais do que a população sobre algum fato, podendo até manipular a informação, assim como o médico é habilitado para abrir um corpo e mexer num órgão. A ética social é o que aproxima o médico do jornalista, mas cada trabalho tem sua particularidade. Por isso, Karam garante que “é indispensável constituir o campo da ética jornalística”.

A lógica da teoria de Abramo sugere que qualquer profissional, seja médico, engenheiro, advogado, teria um compromisso tão grande com a linguagem jornalística, coleta e edição de material quanto o jornalista profissional. “Para perceber a dimensão ética da atividade jornalística é preciso situá-la em sua importância ontológica e epistemológica para toda a humanidade”, diz Karam. As respostas estão intimamente relacionadas à concepção do que é jornalismo e para que serve. O autor provoca a indagação sobre os problemas detectáveis na profissão em sua apropriação da realidade.

Hoje em dia é comum o jornalista ter que escrever uma boa matéria com talento e precisão, trabalhando em três lugares diferentes, ganhando mal, indo à rua com quatro pautas e com tempo delimitado. O profissional se submete a cortes de edição sucessivos ou perde o emprego. Tem que conciliar uma profunda reflexão sobre a profissão vivendo num ritmo avassalador de levantamento diário das informações. Usar os métodos lícitos para obter informações de fontes que podem utilizar os ilícitos para escondê-las.

No debate sobre o uso do off, realizado em 19 de maio no anfiteatro do Ielusc, o professor de redação e integrante da bancada Jacques Mick contrariou Abramo e relacionou a distância do moralismo para o humanismo que o jornalismo constitui. Em um parágrafo inteiro, Karam perpetua a idéia: “Por isso, o jornalismo não pode deixar de ser crítico, de traduzir a diversidade e conflitos. Isso só seria possível se escondêssemos a humanidade de si mesma e a cotidianidade de todos nós. É o que tentam fazer o jornalismo liberal submetido à lógica do mercado, as censuras, autocensuras e o caminho moral pelo qual vai adentrando Janet Malcom em sua condenação genérica do jornalismo. Este caminho também subsidia teorias sobre o jornalismo que amparam uma ética socialmente particularista”.

Dentro da discussão sobre a ética, Karam aborda os métodos usados na obtenção da informação. Para investigar um caso, jornalistas chegam a se apresentar como profissionais de outras áreas, obtêm gravações e fotografias clandestinas ou alteram a identidade. Tais esquemas são a única maneria de investigar muitos aspectos relevantes e de interesse social. A sociedade exige do jornalismo a pluralidade de versões e a maior transparência possível da realidade. A informação jornalística, diz Karam, “para ser exata, imparcial e ter responsabilidade social, precisa ir além das poucas declarações ou documentos parciais, no sentido de revelar publicamente aquilo que atinge o público em sua cotidianidade.” A responsabilidade do jornalista com a informação e com a mediação da realidade é maior do que a da fonte ou de um cidadão que não está diretamente ligado ao universo cotidiano do jornalismo. O jornalista pode ir da posição de invasor de privacidade ao de profissional de extraordinárias qualidades, obtendo o reconhecimento social pelo papel que teve ao fazer uma denúncia através de gravações de telefonemas, fotografias de uma articulação clandestina, etc. Em alguns casos, métodos ilícitos acabam sendo considerados lícitos.

800x600. ©2005 Agência Experimental de Jornalismo/Revi & Secord/Rede Bonja.