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Matéria 6281, publicada em 03/06/2008.


:Divulgação

Para Francisco Karam, a ética do jornalista não é a mesma do cidadão

Francisco Karam fala à Revi sobre ética jornalística

Ariane Pereira


Francisco Karam é professor da UFSC e apóia a idéia defendida pelo professor Jacques Mick (a ética do jornalista não é a mesma do cidadão) no debate sobre o uso do off pelo jornalista, realizado dia 19 de maio no anfiteatro do Bom Jesus/Ielusc. Uma das autoridades no assunto, Karam escreveu livros como Jornalismo, ética e liberdade, defendendo a ética jornalística como específica e parte do processo interior do profissional. Em entrevista por e-mail à Revi, o professor falou sobre a necessidade de se continuar a discutir a ética e sobre como a ética jornalística é diferente da de outros profissionais.

Revi: Em um de seus livros, o senhor contesta a tese de Cláudio Abramo sobre ética, dizendo que a atividade jornalística pressupõe uma ética própria, que não é a mesma do cidadão, como defende Abramo. Hoje, após tantos casos polêmicos envolvendo a cobertura da imprensa, o senhor mantém as idéias defendidas no livro ou tem algum reparo a fazer?

Francisco Karam: O que Abramo diz é o óbvio no sentido geral, a ética do jornalista é a mesma do cidadão. Mas, na mesma página, há uma contradição. O autor diz, por exemplo, que os patrões têm sua ética. O que isto quer dizer? Possibildades: 1º: que há uma ética específica do patrão? 2º: que os patrões não pertencem ao mundo do cidadão? 3º: que os patrões estão fora do mundo dos julgamentos ou, indo além, fora do mundo terreno? Logicamente que Abramo, ao opinar sobre a ética jornalística como quem conversa informalmente ou despreocupadamente afirmou algo que precisava ir mais adiante nos debates. Como faleceu, a coisa ficou assim. Os patrões adoram a frase dele porque permite que se agarrem a ela para defender suas atitudes ou sequer discutir ética; os preguiçosos também adoram porque resolvem a questão numa frase e podem, por exemplo, evitar qualquer discussão que exija estudos mais aprofundados sobre o campo da ética aplicada às profissões, o campo da interrogação, o campo da reflexão sobre procedimentos deontológicos (que é o campo dos códigos e do dever-ser profissional). Hoje, autores como Daniel Cornu, Marc-François Bernier, Enrique Bonete Perales e muitos outros estudam os valores profissionais à luz da ética aplicada , específica, que vai analisar, interrogar e propor a melhor conduta diante de um dilema. A ética se daria mais no campo da reflexão e análise dos melhores procedimentos em cada caso profissional, mas isto está relacionado, logicamente, à inserção social de uma atividade e de sua relevância social. Ou seja, está relacionado a uma filosofia e teoria , no caso, da atividade, e especificamente, do jornalismo. Após tantos casos polêmicos, que são recorrentes na história do jornalismo, o que fica é a necessidade de continuar debatendo e estudando sobre o tema, que complementa a ética do cidadão (geral a todos) e a ética aplicada às profissões, que envolve as especificidades das áreas (e que dariam legitimidade a elas), no campo do jornalismo, do direito, da medicina... Mas este é apenas o lead do assunto.

Revi: Como você avalia a postura ética da imprensa brasileira?

Karam: A imprensa acerta e erra, talvez acerte muito mais do que erre. Mas os erros, por serem erros, repercutem na vida pública de forma mais impactante e, assim, precisam ser mais analisados e discutidos do que os acertos. Para julgar teríamos de ver caso a caso e examinar os possíveis erros à luz dos princípios teóricos, deontológicos, estéticos e técnicos do jornalismo. A partir daí podemos analisar desde a perspectiva da ética profissional.

Revi: Se para os advogados vale o princípio de que os fins justificam os meios, por que não vale para o jornalista que, no processo de apuração, pratica pequenos delitos para provar a existência de um delito maior, de grande impacto social?

Karam: Não sei se para os advogados vale, mas os jornalistas atuam com tal perspectiva (que deve ser para casos excepcionais). Trata-se de um conflito entre legalidade versus legitimidade, em que a legitimidade, ao se sobrepor à lei, acaba por ajudar a reformular esta última ou ajudar a resolver uma situação. É assim quando jornalistas entram em manicômios, em presídios ou zonas de conflito (urbano, rural ou guerras) para revelarem aspectos que fontes querem manter em segredo. E que, ao se identificar como tal, obscurece o esclarecimento das situações ou mesmo gera proibições que refletem, em última análise, apenas o interesse particular de quem quer manter em segredo alguma coisa. Claro está que tal perspectiva deve ser excepcional e não regra comum, que leve a banalização de procedimentos para casos simples de resolver ou cobrir...

Revi: O que dizer da revista Veja, muitas vezes mal vista por estudantes de jornalismo e jornalistas?

Karam: A revista tem sido criticada não apenas por estudantes, mas por ex-profissionais da revista, jornalistas experientes , etc. Também há quem adore Veja. Ocorre que Veja, em diversas situações, faz mais propaganda e campanha do que propriamente jornalismo. Por isso, talvez, a desconfiança, como foi o caso dos dólares cubanos para a campanha de Lula e outras coberturas em que há mais opinião do que dados, fontes, etc. Ou, às vezes, sequer há fontes... Isso prejudica a credibilidade e legitimidade profissionais. Também é preciso ver caso a caso, porque Veja, por incrível que pareça, também acerta.

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