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Matéria 0509, publicada em 04/11/2003.


:Divulgação

Programas de alfabetização combatem exclusão social

CS

Quando era pequena, tinha o sonho de fazer faculdade e ser professora. Mas logo suas expectativas com relação ao futuro foram deixadas de lado. A professora da segunda série bateu diversas vezes em sua mão com a palmatória porque ela não conseguia aprender matemática. Traumatizada, a menina era sempre reprovada. Os amigos e vizinhos falavam que não tinha capacidade. Não recebia incentivo. Aos 12 anos, parou de estudar.Pouco mais de duas décadas depois, Mara Silvia Alves trabalha como zeladora e integra o contingente de cerca de 10 mil joinvilenses que lutam contra o analfabetismo. Mas afinal, o que significa ser analfabeto?

Segundo a coordenadora do Mutirão da Alfabetização, programa que dá oportunidade para jovens, adultos e idosos estudarem, Elizabeth Cidral, analfabeto puro é aquele que não sabe codificar as letras. O funcional é aquele que sabe ler, mas não entende o que lê. Escreve o nome porque decorou as letras. E analfabeto por desuso é quem estudou, até a 1ª e 2ª série, mas voltou à condição inicial por não utilizar o bê-á-bá. São pessoas tímidas, sem amigos e que vivem isoladas por medo do preconceito.

Para a pedagoga e professora da Univille Catarina Costa Fernandes, analfabeto é quem não pode participar de todas as atividades na qual a alfabetização é requerida para uma atuação eficaz na comunidade. Ele também “não pode usar a leitura, a escrita e o cálculo a serviço de seu próprio desenvolvimento”, acrescenta.

Na verdade, de acordo com o economista Genserico Encarnação Júnior, num ensaio publicado na 14ª edição do site Jornalego (http://ecen.com/jornalego/no_14_analfabetismo.htm, de 10 de setembro de 2002), existem seis tipos de analfabetos. Ou seja, exagerando um pouco, qualquer cidadão pode se encaixar facilmente numa dessas categorias.

Quem não sabe ler e escrever, ou sequer assina o nome encaixa-se na primeira classificação. Na segunda, estão os analfabetos funcionais, que assinam o nome, identificam o destino do ônibus, escrevem poucas palavras. Por outro lado, são os que não conseguem compreender um texto e transmitir um pensamento na forma escrita.

De acordo com o economista, os que praticam a monoleitura (leitura limitada a uma única obra) integram a terceira classe, pois restringem o conhecimento. No quarto grupo de analfabetos, encaixam-se os que lêem apenas um tema específico como, por exemplo, livros religiosos ou de auto-ajuda. Enquadram-se também os que são apenas informados sobre os fatos, mas não lêem artigos de opinião.

O grupo de pessoas que, embora bem alfabetizadas, não lêem ou até nunca leram livros por considerar a leitura maçante, constitui a quinta classe. Os universitários que concluem o curso sem ler um único livro e valendo-se só de apostilas também estão incluídos na categoria.

Por fim, Genserico Encarnação Júnior situa no sexto tipo de analfabeto aqueles que lêem tudo que lhes cai nas mãos ou está ao alcance dos olhos, mas que não conseguem julgar o que é certo ou errado, bom ou mau. Os que pensam pela cabeça dos autores lidos, não têm senso crítico e lêem só para dizer que leram, também encaixam-se nessa classe.

No prefácio do livro Texto sem conforto, uma proposta de redação jornalística de Maria Luiza Franco Busse, o professor doutor de teoria literária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fred Góes, compartilha da opinião de Genserico. Segundo ele, “não saber ler os sinais é ser analfabeto do seu próprio universo. Analfabetos, portanto, não são apenas os incapacitados de juntar letras, são os que se recusam a ver o mundo que os cerca, a viver criticamente, isto é, a criar sentido para a vida”. E acrescenta:

“Analfabetos são aqueles que se resignam a morar atrás das grades dos edifícios das grandes cidades ‘porque a violência de hoje não tem mais jeito’; os que se recusam a trocar o canal de televisão porque já se habituaram a ver passivamente o telejornal que antecede a novela das oito, ‘porque é a hora que a gente relaxa um pouco e esquece dos problemas’; são os que trocam o necessário pelo supérfluo ‘porque também ninguém é de ferro’; são os desesperançados que vão buscar conforto na ‘Palavra’ inescrupulosa dos salvadores de almas ‘porque não dá pra viver sem fé’; são os que acreditam nas soluções mágicas dos jogos de azar ‘porque eu também posso dar sorte e ganhar a acumulada’.”

Há um ano e meio, Mara Silvia Alves voltou a estudar porque não conseguia emprego. Mas, voltou aos bancos escolares principalmente porque recebeu apoio. “Antes, eu não corrigia o caderno da minha filha. Hoje corrijo o caderno dela, os meus colegas de aula que falam e escrevem errado, e até as placas de trânsito”, conta, orgulhosa.

Também por causa do apoio dos filhos a costureira Zoraide Pereira Lopes retornou à escola. Ela parou na 4ª série. Morava no sítio, e desanimou porque “tinha que ensinar os professores”. “Quando vim para a cidade, trabalhava numa loja, e sempre estava cansada, não tinha o interesse de estudar”, conta arrependida. Agora, na hora de acompanhar o dever de casa dos filhos entende a burrada que fez.

Zoraide está estudando há três meses, mas já percebe as mudanças que aconteceram em sua vida. A leitura e interpretação tiveram melhoras consideráveis. Presta muito mais atenção em tudo, até numa propaganda de TV e justifica: “Agora tudo tem outro gosto, eu entendo”, explica.

Mudança considerável também aconteceu na vida de Asta Butzke Isedschlag, 31 anos, empregada doméstica. Quando pequena, não tinha interesse em estudar. Ficou cinco anos na 1ª série e parou na 4ª, com 11. Há um ano e meio, voltou à escola e comenta que agora, as compras do supermercado ficaram mais demoradas: “Agora eu leio tudo, principalmente a data de validade dos produtos que estou comprando”, revela.

Vergonha, preconceito, humilhações e chacotas integram as lembranças de quem não sabia ler. Bárbara Rosilene Rodrigues, 29 anos, cabeleireira, voltou a estudar há três meses porque não queria brigar com os amigos. “Cansei de ser o motivo das gracinhas e piadas que eles faziam. Resolvi mudar para não ter que brigar com eles”, admite.

Bárbara sempre teve dificuldade de aprendizagem e era muito bagunceira. Ficava mais tempo de castigo do que assistindo às aulas. Parou de estudar aos 12 anos, na 4ª série, porque, ao verem a situação, os pais concluíram que não compensava gastar dinheiro com os materiais para o estudo.

Professoras preocupadas com leitura e interpretação de texto

Alguns alunos do 2º e 3º ano do segundo grau têm leitura e interpretação péssimas por não possuírem o hábito de leitura. Conseqüentemente não sabem interpretar, não têm criatividade e opinião sobre as coisas. É o que pensa a formanda de Letras com habilitação em língua portuguesa da Univille, Juliana Bastos, depois de conviver durante duas semanas com os estudantes de uma escola da cidade.

Ela acredita que a leitura e o entendimento podem ser ruins se não houver incentivo à leitura em casa, se ocorrer algum problema com a didática do professor, e se não houver interesse de parte dos alunos. Para Juliana, existe uma parcela de culpa de parte dos pais e professores na deficiência de leitura e interpretação dos estudantes: “É preciso existir o incentivo e a cobrança. Os pais têm a obrigação de ‘induzir’ o filho para o estudo, para a escola. E os professores têm a obrigação de criar uma didática para ensiná-lo de forma que ele compreenda”, adverte.

A professora da 3ª série do ensino fundamental da Escola Estadual Paulo Medeiros, Luciane Wodtke, acredita que a dificuldade de interpretar textos surge a partir do momento em que o aluno precisa passar para o papel aquilo que leu e ouviu, mas não compreendeu. Paralelamente, vem a deficiência de vocabulário, a ortografia precária e a desmotivação diante da repetição da atividade.

Luciane alerta que geralmente os professores não ensinam “como” escrever, o que acaba gerando dificuldades para o aluno começar, desenvolver e terminar uma redação: “O texto começa quase sempre pelo lendário ‘Era uma vez’. Seu desenvolvimento se resume a pequenas frases e, na hora de concluir, nem sempre finalizam a redação, ou simplesmente a encerram com o ‘foram felizes para sempre’”, lamenta.

Para tentar amenizar a situação, a futura professora procura sempre estar atualizada, ter didáticas interessantes, trabalhar a leitura com o que é interessante para eles e para a idade, buscando ajuda em livros, cursos e principalmente através da troca de experiências com outros professores. Luciane esforça-se para a cada dia procurar alcançar a todos os alunos em sala. Mas nem sempre tem ao seu dispor materiais e apoio necessários para desenvolver o que considera necessário para uma boa aprendizagem.

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