Refletir a questão da segurança pública na sociedade foi o objetivo do terceiro seminário de “Gestão Prisional, Segurança Pública e Cidadania”. O evento encerrou no dia 3 com a conferência intitulada “Segurança pública: questões urgentes ou questões recorrentes”. A palestra contou com a presença de Marcos Rolim, jornalista e ex-deputado pelo Partido dos Trabalhadores, e de Rodrigo Collaço, presidente a Associação dos Magistrados do Brasil. A assessora jurídica do Centro de Direitos Humanos Cíntia Pinto da Luz presidiu a mesa. No auditório do Centro de Pastoral Diocesano estavam presentes 88 pessoas entre profissionais da área de segurança pública e estudantes.
Na fala, Marcos Rolim expõe a dificuldade de lidar com segurança pública: não se sabe a dimensão do problema da criminalidade e violência no Brasil. Para ele, a idéia da criminalidade ainda é parcial por ser baseada no diagnóstico de boletins de ocorrência. Os critérios de registros de BO podem ser alterados a tal ponto que pareça ter mais ou menos crimes. “Não é possível fazer diagnóstico sem base em pesquisas de vitimização”, explica, referindo-se à análise feita através de entrevistas com um grupo de pessoas de uma comunidade a fim de estabelecer relações entre os tipos de crimes, o perfil dos criminosos e a situação em que o ato criminoso ocorre.
Outro problema visto pelo jornalista e ex-deputado do PT é a sensação de insegurança. Esta é adquirida pelos eventos que a mídia noticia, explorando os crimes mais cruéis nas editorias de polícia. Comparado à Colômbia, o Brasil tem 54 homicídios a menos por mil habitantes — lá os números chegam à marca de 80 por mil. “As pessoas agem como se fossem as próximas vítimas”, afirma. O efeito desta sensação de insegurança é o pedido da população por mais rigor de punição e construção de presídios.
Para Marcos Rolim a distribuição do crime é desigual: há regiões onde não acontecem atos criminosos e outras regiões onde ocorrem delitos graves como estupro. O risco de que seja vítima de crimes é variável — depende de onde se mora, de como se locomove, do emprego e da cor. Um jovem branco de 16 anos proveniente da classe média tem 32 vezes menos chances de ser vítima da criminalidade, segundo Rolim.
As duas linhas de pensamento na questão de políticas de segurança são equivocadas ao olhar do palestrante. O discurso mais adotado pelos políticos brasileiros é o da lei e da ordem, em que se exige maior rigor penal e construção de mais presídios para diminuir a impunidade. “Há uma sombra de anti-humanismo na história brasileira”, enfatiza. Já a outra vertente, em que o crime é produto dos problemas sociais apesar de ser um problema real, não compreende que a dinâmica do crime pode ser enfrentada com políticas de segurança pública alternativas e não apenas com aquisição de direitos básicos.
Três fatores podem ajudar na compreensão da criminalidade, segundo Rolim: fatores preditivos, agenciamento e taxa de encarceramento. O fator preditivo é o que colabora na utilização do crime como cano de escape de eventos traumáticos (por exemplo, abuso sexual, maus tratos e negligência). Eventos que incentivam imediatamente na execução do ato criminoso — abuso no consumo de álcool e porte de armas – são conhecidos como agenciamento. Ele cita o exemplo de Diadema (SP), onde foi adotada a lei seca em 2003 . Em três anos de implantação, o número de homicídios diminuiu em 53%. Já a taxa de encarceramento é a que mais contribui para operação de crimes. Além da convivência “amontoada” com perfis criminosos, o preso fica estigmatizado. “A pessoa não se ressocializa pela sensação de insegurança da população, que não ajuda o preso a ter uma vida digna”.
No Brasil se alcançou a marca de 400 mil presos. A estimativa é que se tenha 1 milhão de presos dentro de uma década. “Idéia estúpida é de encarcerar pessoas”, conclui Rolim. Ele acrescenta que para prevenir o crime são necessárias a reforma do Código Penal e a diminuição das prisões. “O presídio deveria ser alternativa para casos extremos de pessoas que oferecem riscos à sociedade”. (O que Foucault diria disso? Mais uma instituição de poder sob o indivíduo).
A exposição de Rodrigo Collaço fez abordagens relacionadas à impunidade do crime organizado e ao descaso da classe média em pressionar por mudanças no sistema carcerário. Segundo ele, é necessário fortalecer a ação do estado. Para o presidente da AMB, a classe média não se identifica com a população carcerária. O mau trato a que o preso é submetido — uso de algemas, presídios superlotados e exposição midiática — não é questionado pela sociedade. A pressão recai sobre a criação de novos presídios e rigor da punição. Não se pede um sistema humanizado. Sua sugestão para resolver o problema da criminalidade se baseia na aplicação igualitária da lei. “O sistema carcerário só vai mudar quando se prender pessoas importantes”, conclui.