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Matéria 3642, publicada em 15/02/2007.


O maior espetáculo da Terra

Silnei Scharten Soares

Comecemos pelo óbvio: a Revi está ótima. De uns tempos pra cá, produziu belas reportagens, renovou seu discurso, criou algumas seções bacanas, incorporou definitivamente a multimídia na produção e apresentação das matérias, etc, etc. Elogio despudoradamente porque me sinto, modestamente, parceiro nesse salto de qualidade da Revi: em 2005, a pedido do Sílvio, desenvolvemos, Necom e Revi, uma pesquisa conjunta que visava diagnosticar erros e acertos e propor melhorias. Lembro que, ao final, sugeriu-se que a Revi abandonasse o perfil de redação de jornal e incorporasse as possibilidades – e os riscos – que a multimídia oferece, sempre pautado pelo espírito de experimentação que faz parte de seu nome. Tudo isso, claro, orientado pelo viés didático-pedagógico que caracteriza esse espaço.

É, portanto, com um sorriso cúmplice que parabenizo a equipe que, cotidianamente, tem feito da Revi um dos lugares mais atraentes e dinâmicos do ciberespaço ielusquiano. Uma síntese de tudo o que foi dito até aqui é a excelente cobertura da palestra do Gleber sobre o jornalismo em quadrinhos de Joe Sacco, que integrou as atividades da semana acadêmica do ano passado: original, criativa, experimental, ousada e, acima de tudo, deliciosa de ver e ler – em suma, a cereja no bolo, coroando o processo de amadurecimento da revista.

Natural, portanto, que se tentasse repetir a dose, principalmente quando o destino oferecia de bandeja mais uma chance pra rapaziada da Revi mostrar seu talento. Falo da banca de monografia da acadêmica Josane Muriel, defendida na última terça, dia 13, cujo tema era a adaptação de histórias em quadrinhos para o cinema. Mais uma vez, como no caso da palestra do Gleber, o tema propiciava a experimentação. No entanto, como um espectro a assolar a redação, o vaticínio de Marx se confirmava: a história só se repete como farsa.

A matéria sobre a banca da Josane já não causa tanto frisson pelo motivo óbvio de que não é mais novidade – será que uma experiência que se repete ainda é capaz de produzir o mesmo encanto da primeira vez? Logicamente, não. Parece comida requentada. Além disso, há uma diferença substancial entre as duas versões: a primeira é muito mais informativa do que a segunda, que optou pelo gracejo inconseqüente, prejudicando o relato dos fatos. Não faço a defesa da matéria sisuda, mas há uma distância separando o bom humor da piadinha sem graça.

Mas o maior problema mesmo não está na matéria em si, mas na cobertura, que foi desastrosa. Subitamente, o anfiteatro parecia ter se transformado no Morumbi em dia de show do U2: fotógrafos afoitos por uma foto da banca disputavam espaço no auditório lotado para ver quem conseguia o melhor ângulo; repórteres aglomeravam-se na busca por um depoimento da formanda, momentos antes do início da defesa. De uma hora para outra, viramos celebridade.

Mas o pior ainda estava por vir: Josane solicitou que as luzes do anfiteatro fossem desligadas, porque iria exibir cenas de filmes e precisava da sala escura. Num flagrante desrespeito à aluna, bastou as luzes se apagarem para que se iniciasse uma explosão de flashes, que espocavam freneticamente, iluminando o ambiente em ritmo de festa rave. E mais: num ímpeto de ousadia e irresponsabilidade, alguém munido de câmera fotográfica vai se postar atrás da aluna para pedir-lhe – durante a apresentação! – que se posicionasse de tal maneira a facilitar a captura da imagem – e dê-lhe flash! O ímpeto dos fotógrafos não poupou nem mesmo a banca, que passou pelo mesmo constrangimento a que foi submetida à aluna: fotógrafo sorrateiro posiciona-se atrás da banca e – no meio da argüição, claro – pede que eu me vire para o lado – decerto é o meu melhor ângulo – para fazer o registro. Neguei com veemência, obviamente.

O que está acontecendo? Perdemos a noção de que certos limites, em determinados momentos, precisam ser respeitados? A defesa de monografia transformou-se num espetáculo midiático? Sabemos que, já há algum tempo, a cobertura da mídia tem se tornado mais importante – ou mais espetacular – do que os eventos que cobre. É o que faz com que jogos de futebol sejam marcados para depois da novela, por exemplo, para não atrapalhar a audiência. E há aqueles casos de eventos que são organizados única e exclusivamente para a mídia, seguindo o modelo histórico iniciado com a cobertura do congresso do partido nazista em Nuremberg, em 1934, registrado – na verdade, orquestrado – por Leni Riefensthal em O Triunfo da vontade. Quem não lembra dos deputados e senadores discursando para uma tribuna vazia apenas para serem registrados pelas câmeras de TV? Alguns chamam a isso de espetacularização, outros de showrnalismo. Mas é esse jornalismo que queremos aqui?

Meu receio é que, daqui a bem pouco tempo, iremos ouvir pelos corredores da faculdade, diálogos surrealistas como esse:

- E aí, meu, já sabe quem vai ser a tua banca?

- Cara, tô pensando ainda...

- Tu não disse que ia convidar o Silnei?

- Ah, não! O Silnei, não!

- Ué, por que?

- Ele não é fotogênico.

800x600. ©2005 Agência Experimental de Jornalismo/Revi & Secord/Rede Bonja.