Parece-me ser a hora de superarmos a discussão gerada pelo que aconteceu na banca de Josane Muriel, da qual meus colegas Silnei e Ângelo deram conta. Gostaria então, justamente para irmos adiante, de me dirigir aos alunos do Ielusc para tentar alguns esclarecimentos. Não temos, é claro, a necessidade de um ridículo manual do bom comportamento em bancas. O que me parece necessário, aqui, é algo mais de interesse da formação do que da norma.
Principalmente os alunos mais jovens, mas também muitos dos outros, parecem desconhecer o que é uma banca e sua importância. Trata-se de um momento privilegiado de aprendizado, em qualquer nível - graduação, mestrado ou doutorado. Aprendizado para o candidato, para os argüidores, para o orientador, para quem assiste. Em muitos programas de pós-graduação, as bancas costumam ser encaradas dessa forma. Muitas vezes o autor em que vários alunos e professores do programa se baseiam estará na banca, aproveitando para dar uma palestra no dia seguinte, e tornando a banca uma boa oportunidade para o debate direto. Em geral, é nas bancas (muitas vezes só nelas) que os alunos conseguem ver seus professores debatendo, a sério, mostrando inevitavelmente certas nuances importantes que não aparecem nas aulas. Em geral os professores preparam suas argüições, o que potencialmente torna qualquer banca uma oportunidade a mais para aprofundamento ou indicação de caminhos sobre um tema qualquer. A lista de argumentos relativos ao quanto se pode aprender numa banca é sem fim. O que importa é reiterar, o mais insistentemente possível, essa importância central: o aprendizado (ou seja, a mudança de convicções).
Para o candidato, especificamente, há ainda mais um motivo para a visualização da banca como privilégio (sempre no reino do aprendizado): pelo menos dois professores que o próprio candidato admira (de modo geral é assim) terão dedicado algumas horas exclusivamente ao seu trabalho e estarão lá exclusivamente para discuti-lo. Para quem assiste à defesa, a banca é uma aula geralmente mais dinâmica que as aulas rotineiras, preferencialmente mais aprofundada e mais recheada de possibilidades de discussão. Para os professores, é também uma oportunidade de mostrar seu trabalho por outras vias, ou aspectos diferentes daqueles que costuma abordar em sala de aula, sendo portanto chance de aumentar sua rede de interlocutores. E por aí vai.
Diante dos acontecidos e debatidos, acredito ser importante, como que num segundo estágio do nosso processo de qualificação das monografias, iniciado há mais de três anos, que os alunos todos encarem a banca de forma diferente daquela que vem prevalecendo ultimamente. Há formandos que viram noites em claro às vésperas de suas respectivas defesas. E chegam ao momento da apresentação como o condenado que sobe ao cadafalso. É claro que a inexperiência, própria à situação, gera nervosismo. Até candidatos a mestres e doutores buscam formas de conviver com o nervosismo. Nada errado com isso. O problema é que a muvuca geral das defesas por aqui tem contribuído para aumentar a ansiedade. Nessa muvuca, incluo os comentários posteriores, as matérias, enfim, as repercussões, que, quase na totalidade, são feitas na base da absoluta superficialidade. São raros os comentários que ouço ou leio que valorizam o aprendizado para além das performances.
É preciso também, é óbvio, que os alunos comecem de fato, em peso, a ler as monografias - e a partir de agora, resolução recente, todas as aprovadas estarão na biblioteca.
Outra sugestão que aproveito para fazer aqui se refere justamente à aquisição de experiência. Um ciclo de defesas a cada semestre é muito pouco para o aluno, digamos, treinar esse tipo de aprendizado (muito mais importante para ele do que para a instituição). Se se reclamou aqui da espetacularização, no que ela tem de distante do rigor e do aprofundamento, seria igualmente superficial cobrar comportamento, etiqueta, do aluno sem suficiente experiência de um aprendizado profundo, uma experiência que realmente atinja o nível das convicções ou da intuição de forma contundente. Sugiro então que todos eles, sempre que puderem (e cultivando as condições), assistam a outras bancas, em outros lugares, principalmente as de mestrado e doutorado. E também que assistam a espetáculos diferentes desses que, em geral, não exigem do espectador mais do que o sentimento de pertencer ao rebanho. Quantos, por exemplo, já assistiram à apresentação de uma orquestra de câmara, a um concerto de violino, a uma performance silenciosa e desafiadora? A quantas exposições de arte (não me refiro às marininhas de shopping) a maioria já foi nos últimos dois anos? A quantas palestras, conferências ou debates envolvendo intelectuais de algum vulto? A desculpa de que isso não rola na cidade, a meu ver, não vale. A cidade é muito próxima de lugares onde tudo isso rola, depende-se muito mais de interesse do que de grana.
O problema da "cobertura" das defesas também passa por aí: respeito do aluno-repórter a quem se apresenta, aos outros ouvintes e, obviamente, respeito a si próprio, ao próprio momento de aprendizado (repito, de mudança das próprias convicções). Em outras palavras: a coisa passa pelo desejo de interromper a rede de mediocridade que nos cerca. Num espaço acadêmico que tem como objeto de estudo justamente o espaço midiático, incluindo o espaço da mediocridade, as tais "coberturas" poderiam ser, é o que sugiro, negociadas previamente, com o cuidado e o respeito devido às defesas, já que estas se pretendem num espaço contrário, o de resistência. Acho difícil conceber, por exemplo, como um aluno-repórter pretende ainda escrever uma boa matéria sobre uma determinada defesa sem ler o trabalho. No espaço acadêmico a premência da imprensa não é um valor. Para ter força na negociação os responsáveis pela "cobertura" precisam, em primeiro lugar, reconhecer isso (aprender, mesmo antes de qualquer banca, a necessidade e a dificuldade de lidar com o outro, e com o outro em si mesmo). Virar suas próprias páginas antes de se constranger a transformar o que não conhece em páginas virtuais anódinas enfeitadas por efeitos de computador.
Uma última sugestão, alunos, agora específica para a hora de preparar a defesa: relaxem e esqueçam que o data-show existe!
Felipe Soares é doutor em literatura e coordenador de monografias no Ielusc