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Matéria 9635, publicada em 06/05/2010.


:Divulgação

Ádria exibe algumas medalhas

Um novo “olhar” nas pistas

Sandro Gomes e Daniela Canto*


Chamá-la de vencedora seria o mínimo. Ádria Santos, 36 anos, já nasceu com sérios problemas de visão. Aos 18, parou de enxergar, ao menos como os ditos “normais”. A partir dessa época, em 1992, ela vislumbrou novos horizontes, como jamais tinha visto antes . A deficiência visual, que poderia ser motivo de tristeza ou depressão, serviu de mola para impulsionar seus passos. E, desde que decidiu se tornar corredora, impulsão e vitórias não faltam à sua carreira.

Na galeria, a atleta acumula centenas de medalhas. Até 2009, eram 149 nacionais e 52 internacionais. Dessas, 13 ela guarda com carinho maior. São as conquistadas em seis paraolimpíadas: Seul (1988), Barcelona (1992), Atlanta (1996), Sidney (2000), Atenas (2004) e Pequim (2008). Não satisfeita, Ádria prepara-se para a sétima, em Londres, e a oitava, em 2016, no Rio de Janeiro. Aliás, a atleta nasceu na Cidade Maravilhosa, onde começou a correr, aos 13 anos. Ela espera que esse seja um bom sinal para passadas ainda mais rápidas.

Ádria Santos é recordista mundial nos 200 metros rasos. Há 10 anos, outras atletas tentam – em vão – superar sua marca de 24,99 segundos, conquistada na Austrália. Até mesmo pessoas que enxergam perfeitamente não teriam fôlego para enfrentá-la nas pistas. À boca pequena, diz-se que Ádria não corre, voa. Talvez porque correr não seja uma obrigação, mas um prazer, como tudo o que faz na vida. Dessa forma, seu único adversário nas pistas é ela mesma. Superar a si própria é seu maior objetivo. Bater seu próprio recorde, também.

Carreira marcada por preconceitos

O talento de Ádria Santos nem sempre foi compreendido. No longínquo 1988, quando estreou na Paraolimpíada de Seul, ninguém por aqui falava da competição, que teve a primeira edição em 1960, na Itália. Televisão e jornais simplesmente ignoravam as provas. Foi preciso maior divulgação para que as pessoas entendessem que Ádria era realmente campeã. A China, por exemplo, recebeu a maior delegação paraolímpica brasileira de todos os tempos. Em consequência, repercutiu com intensidade por aqui.

“Quando eu falava que era atleta, as pessoas não entendiam como eu podia correr sem enxergar. Depois que a mídia foi divulgando, ficou mais fácil, porque as pessoas começaram a acreditar que o deficiente pode praticar esporte. Isso me ajudou”, relata. No esporte, a atleta descobriu as lesões, a falta de patrocínio e a dificuldade de apresentar seus objetivos. Até 2009, ela contava com alguns patrocinadores. Agora, corre por conta própria, às custas de seu trabalho na Fundição Tupy. “Eu sou funcionária da Tupy, uma empresa que me respeitou, acreditou em mim e no meu trabalho”, sublinha, agradecida.

Ela procura um novo patrocínio para auxiliar no custeio de sua próxima viagem, à Espanha, em maio. “Esse é meu objetivo principal”, aponta. Até o final do ano, Ádria também participa de algumas provas no Brasil. Tem fé de que não faltará dinheiro, como ocorreu no início de sua carreira. Até fome ela passou em outros países. O dinheiro era contadinho.

Mas Ádria não é do tipo que se lamenta por qualquer coisa. Procura fazer o que gosta e mantém as lições na ponta da língua. “Os deficientes têm que parar de achar que, se não enxergam, não têm condições de fazer as coisas. Se eu quero ver alguma coisa, enxergo com minhas mãos ou procuro alguém para descrever para mim. Muitas vezes, falo que vou assistir à novela e as pessoas estranham: ‘Como, se você não enxerga?’ Eu vejo do meu jeito. As pessoas têm que mudar o pensamento de achar que um deficiente é incapaz”, ensina.

A visão que vem das mãos

De tão adaptada à deficiência, Ádria Santos lança olhares de quem realmente enxerga o que “vê”. Da muralha da China, em um dos passeios que fez enquanto participou da paraolimpíada mais recente, há dois anos, seus olhos viajaram pela paisagem, acompanhados de um sorriso largo, franco e verdadeiro, daqueles que brotam da alma. Parecia criança quando descobre um brilho diferente.

“Pela primeira vez, tive a oportunidade de ver as maquetes do Estádio Olímpico e do Cubo D´água com as mãos, e não tem como descrever tamanha beleza. Jamais saberia como são esses locais sem um contato tátil”, relata a corredora, que sentiu cheiro de flores na Vila Olímpica e tirou uma infinidade de fotos por onde andou.

Além disso, teve a oportunidade de conhecer a Cidade Proibida, vista por Ádria como um espaço muito extenso, marcado por vários palacetes, com um trono ou aposento do imperador em cada um deles. Além dos muitos jardins, a corredora descreve que o local tem várias esculturas de pedra. “Havia uma tartaruga dourada e o pescoço dela era como se fosse um dragão, que simboliza o imperador, mas senti o cheiro da natureza”, sinaliza.

Em uma escola de pintura, sentiu o relevo de papéis, tecidos e madeira utilizadas na escola de pintura. Também comprou duas medalhas com signos do horóscopo chinês. Uma delas com o formato de um tigre. Quando saiu nas ruas com as medalhas no peito, as pessoas a cumprimentavam, achando que havia ganho na Paraolimpíada. De fato, depois ela ganhou.

O mais curioso é saber que, além de correr velozmente e sentir o universo pelas mãos ou cheiros, Ádria chegou a pechinchar com as mãos, embalada pelo clima dos comerciantes chineses, como ocorreu no Mercado da Seda. Uma camiseta que valia 120 Yuans, ela conseguiu comprar pelo valor de 80. “Agora posso dizer que fiz um negócio da China”, brinca.

Guiada pelo amor

Para Ádria Santos, a competição mais difícil foi em Pequim, porque correu sem seu guia. Ele havia sofrido um acidente e não pôde participar. Apenas a acompanhou nos passeios, sempre explicando em detalhes o que via. O guia, no caso, também é o seu marido, Rafael Krub (foto, abaixo, à direita). Primeiro, ele foi seu treinador, e, dos treinos às alianças, a distância foi percorrida mais rápido que um percurso de 100 metros rasos.


Rafael não dá moleza para Ádria. Tanto que ela mesma admite que não pode descansar. Para manter o ritmo, precisa pegar a cordinha que a liga com Rafael, grudar nele e correr. A tática tem ajudado a atleta a melhorar ainda mais o seu tempo. “Às vezes, até sinto dificuldade em acompanhar o pique dela”, reverencia o marido-guia.

Por segurança, ter alguém de confiança ao lado é muito positivo para o desempenho nas pistas. “Na pista, ele é meu guia, em casa, meu marido. Muita gente consegue, por que não eu? A Fernanda Venturini, por exemplo, era levantadora da Seleção Brasileira, e o Bernardinho, seu marido. Isso é normal. O que tem de haver é muito profissionalismo, dedicação e disciplina. Sou feliz porque corro e corro com quem confio”, argumenta Ádria.

Das seis paraolimpíadas de que participou, a mais marcante foi a de Sidney, em 2000. Pudera, até hoje as demais corredoras estão tentando entender o que corria à sua frente. Era Ádria voando baixo para alcançar seus sonhos. “Eu sempre acreditei e acho que as pessoas têm que acreditar nos sonhos e batalhar por isso. Quando era criança, falava que queria ser uma atleta famosa, mas falava brincando, de aparecer em jornal, na TV. Nada é impossível”, proclama.


* Sandro Gomes e Daniela Canto são estudantes de Jornalismo do Bom Jesus/Ielusc. Matéria desenvolvida na disciplina de Redação 3, orientada pelo professor Guilherme Diefenthaeler.

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