São apenas 60 segundos para tentar ganhar um trocado. Assim que o semáforo fecha, Jonny Jéferson Frehlich de Oliveira faz uma pose e fica paralisado. A vestimenta prateada ajuda a chamar a atenção dos motoristas, de quem o homem-estátua espera despertar sorrisos. Antes que o sinal fique verde, ele faz movimentos robóticos, tira o chapéu e caminha pela rua estendendo-o às janelas dos veículos. Em seguida, volta para a calçada e começa tudo de novo. De minuto em minuto, o artista chega a completar até doze horas trabalhando – quando o clima está fresco – e de cinco a seis horas em dias de calor e sol forte.
A oportunidade de entrar nesse ramo vai completar doze anos em novembro. Jonny estava em más condições financeiras, “quase roubando para poder comer”, quando um rapaz de Minas Gerais – cujo nome Jonny não lembra – lhe perguntou se estava a fim de trabalhar com algo diferente. Aceitou a proposta imediatamente, antes de saber do que se tratava. O companheiro era quem fazia a performance e Jonny apenas passava a caixinha de coleta de dinheiro. Após oito meses nessa função, sempre observando as técnicas do colega, decidiu que também seria uma estátua. Em 1998, já era casado, tinha um filho recém-nascido e a esposa não aprovou totalmente a decisão. “No começo, foi difícil para ela admitir para as amigas: 'sou mulher do homem-estátua'”, explica. Com o tempo, Jonny recebeu convites para trabalhar em diversos eventos pelo litoral brasileiro e o casal conheceu cidades turísticas como Rio de Janeiro e Salvador. Hoje, a companheira o apoia em tudo e chega a fazer piada.
Multifuncional
Fazendo seu próprio horário, Jonny aproveitou essa disponibilidade de tempo para voltar a estudar e vai terminar o terceiro ano do ensino médio em julho. Ele deseja cursar uma faculdade, mas ainda não decidiu qual será o curso. Natural de São Francisco do Sul, mudou-se aos 16 anos para Joinville, onde serviu o Exército por um ano. De lá para cá, já trabalhou como servente de pedreiro e em algumas empresas da cidade. Não revela quanto ganha na rua, mas recebia cerca de R$ 600 quando era empregado em firmas e, tendo que pagar R$ 300 de aluguel, não conseguia sobreviver com os R$ 300 restantes. Por isso, Jonny se acostumou a ter um padrão de vida flexível. “Se eu quero comer uma carne, eu trabalho e compro. Vivo e sobrevivo através da arte”, diz.
Entretanto, nem todas as pessoas apreciam o seu ofício de domínio sobre a respiração e os movimentos. Em 2004, na rua, teve confiscada uma caixa cheia de tecidos usados para caracterizar seus personagens. “Levei sete anos para montar e a fiscalização tomou tudo”, lamenta. Da plateia automotiva, considera que agrada a metade. O restante do público não gosta e Jonny o classifica em três categorias: aqueles que o odeiam, aqueles que o detestam e aqueles que não podem vê-lo pela frente nem pintado de ouro – ou melhor, de prateado. Há quem finja que não vê, fechando o vidro do carro e olhando para o lado oposto, mas durante a carreira Jonny aprendeu a não se incomodar com isso. “Antes eu estourava, chamava de pão duro”, lembra, pois prefere receber um simples “não” a ser ignorado. Para o homem-estátua, o público era mais receptivo há alguns anos, quando a atração era uma novidade, mas hoje muitos interpretam a atividade como vagabundagem, sem lembrar que o artista tem que pagar mercado, água e luz, entre outras despesas. Também há quem tenha medo, como crianças pequenas. Outras já têm mais curiosidade e chegam a se agarrar nele. Quem mais se assusta são as mulheres, normalmente quando caminham conversando, distraídas, e dão de cara com a estátua-viva. Jonny já levou bolsadas, tamancadas, garrafadas d’água e até teve que correr de uma mulher enfurecida. Dos 50% que gostam da apresentação, boa parte diz que a grana fica para a próxima vez e apenas uns poucos põem a mão no bolso. A maioria dá moedinhas. O valor mais alto que Jonny já recebeu no sinaleiro foi uma nota de R$ 50. As contribuições variam muito e são mais frequentes no fim do mês e em datas comemorativas que estimulam a solidariedade, como o Natal. “Fevereiro, março e abril são os meses que eu peno mesmo”, esclarece, considerando que desempenha uma tarefa difícil.
Macetes
O trabalho vai muito além de não fazer nada. “Ficar parado todo mundo fica, mas ficar imóvel, não”, avisa. Com 33 anos de idade, Jonny recorda que brincava muito de estátua quando era menino, mas não imaginava que a brincadeira de infância um dia fosse se tornar ofício. Seu filho de 12 anos não quer nem saber de atuar como estátua quando crescer e planeja ser jogador de futebol. “Ele viu que a vida do pai não é fácil”, assegura. Jonny treinou muito para se tornar uma estátua viva, para ter domínio sobre a respiração e para conseguir diminuir o ritmo dos batimentos cardíacos, movendo-se menos. Às vezes, utiliza truques como repousar a mão no peito para ajudar a disfarçar uma tremedeira repentina. Para evitar cãimbras, faz massagem antes de cair de casa, no bairro Boa Vista, e seguir de bicicleta até o Centro. Não tem um ponto fixo, mas costuma ficar na esquina da rua Lages com a Blumenau, onde foi entrevistado. Na borda de uma janela, ele deixa uma garrafa cheia de gelo que vai derretendo aos poucos e, assim, tem sempre água gelada. O homem-estátua também faz pausa para o almoço: ali perto mora uma senhora dona-de-casa que leva sempre comida de graça para ele.
Além de sustentar a família com o que ganha na rua, Jonny é convidado para ficar imobilizado em festas, danceterias, inaugurações de lojas, formaturas e outros eventos. A estátua-viva que ainda gostaria de imitar é a de Dom Pedro I, mas nunca conseguiu o material suficiente para fazer uma caracterização bastante detalhada. Atualmente, incorpora 25 personagens que não são usados na rua por terem muito tecido como o Cristo Redentor, o mago, o minerador, o trabalhador rural (de enxada e descalço) e deuses da mitologia grega como Apolo, Poseidon, Ártemis e Ares – que é o deus da guerra e é a fantasia mais pesada, com 20 quilos. Quando é contratado (o homem-estátua atende pelo telefone 8816-6229), Jonny é pago por uma hora, dedicando dez minutos para o alongamento do corpo e ficando imóvel pelos outros 50 minutos. Em 2004, foi contratado para trabalhar durante a campanha nas eleições municipais de Jaraguá do Sul. Fez propaganda para o médico Moacir Antônio Bertoldi, que foi eleito prefeito com 37,81 % dos votos pelo Partido Liberal, atual Partido da República (PR). Naquela época, somando o período imóvel e os intervalos para relaxar os músculos, passou 18 horas em serviço. Mas o maior tempo em que ficou imóvel, sem descansar, foi quando outro contratante exigiu que Jonny ficasse parado por quatro horas seguidas. “Depois também parecia que tinham cortado minhas pernas”, explica, lembrando a sensação.
E no que pensa uma estátua durante esse tempo todo? Nas músicas do celular com MP3, que ficam tocando no fone de ouvido. Com gosto bem diversificado, Jonny ouve de Raul Seixas a Beyoncé. As melodias com batidas mais acentuadas, como as de Michael Jackson, colaboram com a execução dos movimentos de robô. Já quando não está a serviço, cuida de retoques no lar. Jonny não vai fantasiado para casa, a fim de evitar olhares curiosos da vizinhança. Sempre procura uma torneira e tira o tom prateado do rosto. A maquiagem importada só sai com água e sabonete e é mais difícil de aplicar – porque precisa deixar a cor uniforme – do que para remover. Na rua, Jonny usa óculos escuros para que ninguém o encare e também para não ter que pintar ao redor dos olhos, evitando que o produto os irrite. Também economiza maquiagem usando luvas de aço inox entrelaçado. A camisa, a calça e os sapatos foram tingidos com tinta de tecido e purpurina. Ele também já se vestiu de dourado, bronze, vermelho e verde, mas essas cores eram mais difíceis de limpar e não chamavam tanta atenção. O disfarce não desmancha sob a água mas, quando chove muito – o que não é raro em Joinville – é dia de folga.
*Rosimeri Back é aluna de Jornalismo do Bom Jesus/Ielusc.