A Leitura de João do Rio, direcionada a estudantes de jornalismo, concorreu
com uma sessão de cinema e teve o público reduzido, embora maior que o esperado
por Sílvio Melatti. O professor estimava, na tarde do mesmo dia da leitura, 23
de outubro, que estariam presentes "meia dúzia" de alunos, quando muito, no
encontro marcado para acontecer às 19 horas. Ao menos 15 sujeitos sentaram nas
cadeiras da C-27 e acompanharam Melatti, que traçou uma história do jornalismo,
a de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (1881-1921). Este era
João do Rio, o “primeiro” jornalista a ir às ruas, pioneiro das reportagens.
A “concorrência” com o Clube de Cinema, que contava com a participação
do “querido” ex-professor ielusquiano, Luiz Felipe Soares, foi a causa do baixo
número de presentes na Leitura de João do Rio, para Felipe Silveira, um dos
membros da Coisa (Comissão Organizadora Independente da Semana Acadêmica). Os
horários das atrações foram pensados para equilibrar as leituras e contemplar
turmas de jornalismo e publicidade, “na semana com a cara dos alunos". O
organizador dos eventos também afirmou que as outras atrações da noite estavam
cheias e considerou que “o público de jornalismo optou pelo cinema, que também é
interessante”. Sílvio Melatti concordou com Silveira: “Pesa o tipo do evento”.
“A rua resume para o animal civilizado todo o
conforto humano”. Tal frase de “A
alma encantadora das ruas é uma mostra da devoção do autor a esse lugar
e do “espírito que João do Rio impôs ao jornalismo”, demonstrou Melatti. Flanar
usando paletó, bengala e chapéu. Vagar pela cidade buscando histórias. Assim,
João “modernizou a crônica” e nutriu o texto jornalístico, de 1900, com
descrições. Os repórteres confinados na redação eram (e são) privados dos
detalhes que emanam do presenciar o fato. O rompimento com essa prática da
privação tornou o amante das ruas “um inovador do jornalismo”, conforme o
professor.
Simeão, Paulo José, Godofredo de Alencar, José Antônio José e
Claude. Mais de dez assinaturas tinha o João do Rio. “Muita coisa floresceu com
pseudônimos”, disse Melatti em defesa do anonimato — argumento que usou para
manter os comentários livres de identificação em matérias da Revi, a revista
eletrônica da qual é coordenador, e que foi vencido "pelo mau uso do espaço".
Agora o sistema novo exige o número do CPF na inscrição. Diversas
características distinguem a figura do jornalista que desbravou as ruas.
Carioca, “volumoso” e “beiçudo”. “Gordo, amulatado e homossexual”, disse o Barão
do Rio Branco ao proibir o escritor de seguir a carreira de diplomata. No
jornal, ele escrevia como João do Rio, mas também foi, em outros textos, Caran
D'Ache, X, Máscara Negra, Barão de Belfort e João Coelho.
Manuscritos,
vídeos e livros de edições antigas, como o “Rosário da Ilusão” (1921), não
faltaram na leitura. Os materiais expostos por Melatti reforçavam a idéia de que
João do Rio foi pioneiro no jornalismo. O amante das ruas descreveu os cortiços
como terra natal dos fundadores das favelas, mostrou histórias do mundo dos tatuadores,
relatou a insurgência de religiões
e, enfim, olhou para as ruas de uma parte da época em que o Rio de Janeiro era a
capital da federação (1763 a 1960) e crescia desordenadamente. Em todos esses
registros ele foi o primeiro e, igualmente, despontou ao fazer a
primeira entrevista da imprensa brasileira. O jornalista tinha a
necessidade de “fixar o momento” e, naquele tempo, em meados de 1900, afirmava:
“Não há quem o sinta e reflita tal qual é”.
“O homem da cabeça de papelão”. Um conto que
Francine Helmann, estudante da 6ª fase de jornalismo, leu voluntariamente. Após
a última frase, restou a ela dizer: “Parece outra língua” — espanto que remete à
grafia das palavras e à tendência à “verborragia” literária presente no relato
jornalístico do tempo em que João do Rio passeava pelas ruas cariocas. Apesar de
ter uma escrita refinada, o jornalista não era considerado, de acordo com
Melatti, um vanguardista literário por não ter o requinte que a objetividade, às
vezes, suprime. Era, então, referência para jornalistas e não para literatos.
“Nada como o inútil para ser artístico”, acreditava o rueiro, que virou nome de
rua, João Barreto, e nasceu em uma, a chamada Rua do Hospício.