Ao acordar, onze e meia da noite, senti-me aliviado ao perceber que o pesadelo havia acabado. Pelo menos o pesadelo material, porque durante o sono profundo acabara de viver outro: o mau sonho de um tiroteio no Capri, praia do norte da ilha francisquense. Quanto ao “pesadelo material”, ele tivera hora e local para acontecer — 19h30 de sexta-feira, dia 24, bar da Marlene. Lá provavelmente estiveram dezenas de pessoas/eleitores para ouvir o que uma penca de candidatos a vereador tinha a argumentar para conseguir mais uns votinhos daquela pequena multidão, que a cada quatro anos torna a se iludir com a remota possibilidade de dias melhores. Mas claro que o ponto alto da reunião deve ter ocorrido com o discurso dos candidatos a vice e a prefeito — este, aliás, já ocupou o cargo no final do século passado.
Na condição de candidato, integrante da “penca”, optei por ler mais umas páginas do livro indicado pelo professor de Redação III na última quarta-feira antes de ferrar no sono (no horário previsto para o início da reunião) e só acordar depois que a polícia chegou ao local onde, no meu sonho (pesadelo) de verdade, ocorrera o tiroteio. “Ufa!”, pensei. “O pesadelo acabou”. O do bar da Marlene (em Joinville pode ser confundido com zona).
Mesmo tendo sido candidato a vereador nas últimas eleições, pensar em pedir votos para mim novamente é tão traumatizante e desconfortável quanto entrevistar o presidente do Lions Clube na rádio. Costumo brincar que dá gases! Se esforçar para sorrir o tempo inteiro, até dar cãibra na mandíbula; ter que vender um sentimento de esperança do tipo “com Godofredo na Prefeitura e Sared na Câmara tudo vai melhorar”, soa-me tão falso e charlatão quanto a responsabilidade ambiental pregada pela Monsanto. Definitivamente isso não serve mais para mim (e pensar que em 2004 falei com quantas pessoas pude para tentar arrancar-lhes o voto...). O que mudou de lá para cá foi como percebo essa relação entre política, eleição e transformação social. Ou seja, quase nenhuma. Passados quatro anos, ter que interpretar novamente o papel de candidato; viver todo esse circo que utiliza imagens, palavras e emoções focado numa coisa que tem cor e dimensão — verde, 59 por 97 milímetros; falo do título de eleitor —, me dá mais medo do que ser atingido por uma daquelas balas do sonho (pesadelo) de verdade.
Ao lado de uma pilha de santinhos com meu rostinho simpático, agora, à meia-noite de sábado, poucas horas antes da aula de Meios Impressos I, pergunto-me mentalmente: “Onde fui amarrar meu burro?” Sim, é que logo depois das últimas eleições municipais havia-me prometido que tão cedo não disputaria uma eleição, já que tinha outras prioridades, e eleições significavam cada vez menos para mim, ao contrário da política que se faz no dia-a-dia. Mil vezes uma boa discussão dentro do partido — fora do período eleitoral, em que a “discussão” se resume à cor da camisa da foto da placa —, uma assembléia no sindicato ou aquela disputa de idéias com o colega reacionário que senta na fila ao lado na sala de aula.
Agora, definitivamente, essa baliza que impõem o desabrochar da “consciência política” a cada dois anos, quando se tem alternadamente eleições municipais e nacionais, só serve para aumentar o faturamento das gráficas. Já a transformação social tem sempre que esperar mais quatro anos, quando “novos” candidatos a vereador e a prefeito surgem com propostas tão revolucionárias e surpreendentes quanto o atirador que, por ter disparado muito perto do meu ouvido, despertou-me do pesadelo e fez-me escrever estas linhas.
Sared Buéri é aluno do 4º período de Jornalismo