“Pedalando” em uma bicicleta à manivela pelo centro ensolarado de Joinville, vai Orides Santana do Espírito Santo, um senhor paraplégico que completará 67 anos no dia 16 de julho. Sua bicicleta, dirigida com destreza, chama minha atenção. O velhinho está indo pagar suas contas no banco, e é uma pessoa que não vota mais em Luís Henrique da Silveira, atual governador do estado. Não é por estar insatisfeito com o governo, ou por ter opiniões políticas antagônicas ao ex-prefeito da cidade de Joinville. “Ele queria me 'apagar”, delira Orides.
Quando pergunto o porquê de tal hostilidade, Orides arregala os olhos e fala que foi acusado injustamente. Fala baixo, quase sussurra em meio ao barulho dos ônibus que passam o tempo todo na rua Princesa Isabel. Ele conta que o governador o acusou injustamente de estuprar crianças, entre elas a própria filha, ou a filha de sua esposa, uma história que se enrola em sua boca de dentes amarelados. Orides, que tem um personagem da Santíssima Trindade no sobrenome, diz que soube da acusação pela televisão. Então se sentiu “fraquinho”, foi para casa descansar, e quando foi se deitar, caiu de costas na quina da cama. Isso foi há dois anos. A bicicleta adaptada foi fabricada por um vizinho. Orides se diz um homem de posses. “A riqueza do mar grosso é meu”, afirma. Ele conta que tem muita coisa em seu nome, entre elas, vários prédios, que o governador teria lhe dado para compensar a falsa acusação. “Mas ele foi boa pessoa pra mim”, conta, referindo-se a 1977, tempo em que trabalhou na prefeitura.
Apesar dos infortúnios, o velhinho diz que tem Deus no coração, e que não dá valor para as coisas ruins que já passaram. E vai embora, mais uma inusitada personagem perdida entre outras 497 mil. Mas deixa uma dúvida: seria toda a história uma lúcida e quase astuciosa invenção ou uma amostra da insanidade?