A movimentação nos enérgicos centros de compras denotam a proximidade do
Natal. Nas vitrines, a abundância dos objetos e os pomposos enfeites
multicoloridos dançam aos olhos dos compradores. Impulsos desesperados tensionam
a busca de presentes simplesmente obrigatórios. Para completar, a figura do
Papai Noel convence a não pensar em nada antes de adquirir qualquer coisa.
Porém, na contramão de todos os interesses econômicos mundiais, ativistas e
ambientalistas de cerca de 65 países vestem fantasias como a do "monstro do
consumo" e distribuem panfletos sobre o mal do consumismo. A data não é
divulgada na maioria das grandes redes de comunicação, mas, no dia 24 de
novembro “comemora-se” o “Dia Mundial sem Compras” ou "Buy Nothing Day".
A data é uma iniciativa da organização Adbusters. Surgiu no
ano de 1992, em Vancouver, no Canadá, encabeçada pelo artista plástico canadense
Ted Dave. O objetivo principal não consiste apenas em ficar 24 horas sem comprar
nada. A idéia é provocar uma reflexão sobre os padrões de consumo
atuais e os impactos causados ao meio ambiente. Um dos argumentos da campanha
atual é inspirado em um artigo científico publicado na revista New
Scientist, de outubro de 2003. O autor da publicação conclui que quanto
mais bens de consumo são adquiridos, maior é a necessidade para se sentir feliz.
Ou seja, comprar não traz felicidade.
No Brasil a data também é discutida por entidades como o Instituto Brasileiro
de Defesa do Consumidor (Idec) e o Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. O CMI (Centro de Mídia
Independente) não comemora o Dia sem Compras, mas promove outra campanha
anticonsumismo: "Natal sem compras". Segundo dados do site, o “Natal Sem
Compras não é só mais um 'nominho' forte para chamar sua atenção. É uma
campanha pela reflexão sobre o consumo, pela volta à racionalidade daqueles que,
nesta época do ano, a esquecem, revelando a manipulação por trás do costume das
compras de Natal”.
A busca pela felicidade ou a satisfação virtual que
alimenta a esperança louca da banalidade cotidiana
A sociedade, em seu desespero, equilibra-se entre o consumo e a sua denúncia.
Segundo o historiador Afonso Imnhof, os padrões de consumo de
hoje partem da Europa e dos Estados Unidos dos anos 1980, quando houve uma
popularização, massificação e barateamento de produtos. Estudioso do fenômeno,
ele comenta que uma questão bastante discutida entre os autores é o termo
hiperconsumo. Mas, na sua opinião, é importante levar em conta a
questão psicológica disso tudo. “Nossa sociedade é
extremamente desigual, nos provoca tédio, ansiedade e frustrações. Para combater
todas essas coisas, o comprar faz bem”, esclarece.
O filósofo e sociólogo francês Jean Baudrillard dizia: “O consumo surge como
modo ativo de relação (não só com os objetos mas ainda com a coletividade e o
mundo), como modo de atividade sistemática e de resposta global, que serve de
base a todo o nosso sistema cultural”. Para Afonso, o mais estranho é a rapidez
do processo. “Na década 60 surgiram os supermercados, na de 80 os hipermercado,
depois vieram os shopping centers. Onde vamos parar?”, questiona.
Essa procura incessante de objetos revela uma nova faceta da humanidade. As
pessoas estão buscando a auto-realização em roupas, mobiliários e outros
bens materiais. Afonso adverte que isso tudo não é perene. Compramos para sermos felizes, mas na verdade não somos. “Um autor chamado
Lypovetsky chama isso de felicidade paradoxal”, explica.
O historiador não acredita na alienação. Segundo ele, as pessoas se
auto-alienam, e este pode ser mais um paradoxo. “Procuramos isso racionalmente,
racionalizamos, analisamos os prós e os contras e decidimos: já que não podemos
muitas coisas, vamos pelo menos comprar”. Mesmo assim, ele analisa a
contemporaneidade como um período de crise e não de decadência. “É muito
interessante observar a Terra, o aquecimento global, a industrialização, a
globalização, a busca de identidades, a busca de identificações... Eu acredito
que a humanidade chegou no limite das questões subjetivas. Chegou a hora
de parar tudo e começar a direcionar as forças sociais rumo a outros
caminhos possíveis”.
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