Ninguém sabe de nada, mas todo mundo especula. Em meio a cochichos e cogitações, os funcionários passavam apressados, temendo por seu futuro. Foi assim a tarde em que o jornal A Notícia passou às mãos do grupo RBS.
A história veio à tona terça-feira, no sítio do jornalista Paulo Alceu. Mas até às 15h45, do dia 24 de agosto, ninguém na redação havia recebido qualquer comunicado. Nessa mesma hora, fechados na sala de reunião, estavam os diretores executivos e chefes de departamento, discutindo o futuro da empresa. “Esta é a reunião do ano”, diz uma das funcionárias do administrativo ao passar pela recepção. A amiga responde: “E com certeza vai demorar para acabar”. Elas estavam certas. Era 17h15 quando os chefes saíram do encontro e convocaram o pessoal da redação para uma “breve conversa”.
Durante esse tempo, o clima na sala de espera era de mistério e desconfiança. Tirar foto? Não pode! Visitar o jornal? Não pode! Falar com alguém? Ninguém acessível. O que restava era driblar os olhos receosos da recepcionista, folheando algum jornal, fingindo que estava lendo, mas, na verdade, escutando a conversa dos funcionários que se sentavam no sofá ao lado.
“Faz tempo que o negócio tá apertado. Tudo que vai ser feito tem que passar pelas mãos do diretor. Antes, a gente tinha liberdade, agora não”, falava um funcionário da contabilidade para um amigo. Sentado no sofá, o empregado do jornal sussurrava declarações para o outro. Enquanto isso, a recepcionista olhava de rabo de olho, desaprovando a conversa. Havia gente infiltrada naquela sala, que não poderia escutar isso, devia estar pensando a atendente. Para o desespero dela, o funcionário continuava com suas confissões. “Se der certo, amanhã estoura a notícia e quem é contra, como o SBT, vai cair em cima”, cochichava ele, com olhos esbugalhados, para o amigo, representante de uma farmácia. Finalizando a conversa, ainda profetizava: “O negócio está mais para ser fechado. Acho que não tem mais volta”.
Os amigos se despedem. A recepcionista olha aliviada. Vai até a entrada e abre a porta para um homem com certa idade, elegantemente vestido. Será um dos chefes chegando atrasado para a tão comentada reunião? A atendente não responde nada, nem seu nome completo ela aceita dizer. Só fala que, apesar do entra-e-sai, “Hoje é um dia calmo, tem 50 pessoas trabalhando”. E completa: “Ninguém sabe de nada. Essas brincadeiras que estão fazendo é tudo fofoca. Eles não sabem nada ao certo”. Mas as declarações não eram o suficiente para esconder a realidade: todos estavam agitados e cada um sabia de algo, mesmo que fossem fragmentos da história.
“Hoje tu tá usando Ferracini, amanhã vai usar Conga”. “Não vamos poder chamar mais ninguém de tchê”. Eram as brincadeiras que a recepcionista referia-se como fofoca, faladas por funcionários que tentavam esconder o nervosismo com risadas. Alguns minutos de silêncio são quebrados pela passagem do pessoal da redação. Em torno de 30 pessoas, todos enfileirados, falantes, nervosos, curiosos, partem para a reunião dos meros mortais. Alguém passa e observa: “Tu ainda tá aqui?”. Sim, eu ainda estava lá. Ao menos a recepcionista não queria mais me expulsar e foi obrigada, pelas circunstâncias, a conversar com a repórter-bolsista.
Jornalistas e editores permaneceram na sala cinqüenta e cinco minutos escutando explicações. A maior parte do tempo sendo motivados para que não ficassem tão temerosos. A mensagem principal foi: só serão demitidos aqueles que demostrarem não ter talento. Além disso, alguns passos da implantação foram explicitados. A partir de semana que vem, representantes da RBS já estarão em Joinville, para realizar uma auditoria no jornal, a fim de checar números e informações fornecidos pela direção do AN. Dia 21 de setembro o grupo assume a liderança da empresa joinvilense, em um processo de reformulação que deve durar de dois a três meses. Depois de serem oficialmente comunicados, jornalistas e editores voltam rapidamente ao local de trabalho. Já são 18h11, logo a edição de sexta-feira será fechada. Aliás, sem nenhum pronunciamento sobre o assunto.
Mesmo com motivação e palavras de consolo há quem vá embora dizendo: “Três meses nosso trabalho tá garantido, depois vamos todos pra rua”. Alguns vão embora, outros passam rapidamente. Ninguém aceita comentar o assunto. Talvez tenham sido orientados a não falar. Talvez seja o medo do futuro incerto. É hora de voltar para casa. O dia foi de surpresas e excitação. Nenhum dos funcionários sabe o que acontecerá nos próximos dias. Só sabem que segunda-feira, 28 de agosto, os representantes da RBS estarão batendo à porta de sua mais nova propriedade: o jornal A Notícia.