Prezado Lucas,
Foi com muita satisfação que li os três primeiros parágrafos da matéria “Sem rede, repórter ‘passeia’ pelo campus”, de sua autoria. O último, no entanto, foi tão catastrófico a ponto de me motivar a escrever essas linhas. Desde já deixo claro que o faço com o (salutar) propósito de estimular o debate a fim da sociedade dispor de melhores jornalistas.
Deixar de acessar documentos salvos na rede interna é lastimável, tanto em redações como em qualquer lar ou empresa. Sem falar do drama de não acessar e-mails, blogs, fotologs e o Orkut. Tudo bem, nossa geração vive num mundo em que “as” coisas dependem, ou ao menos localizam-se, no virtual. Lutar contra essa idéia é ser reacionário.
Como não é segredo, sou contra a obrigatoriedade do diploma para exercício da profissão de jornalista. Sempre insisti na tese de que jornalismo é feito de boas histórias – e seu texto está cheio delas, salvo o último parágrafo. Boas histórias estão na rua. E boas histórias podem ficar na cabeça, não precisam imediatamente de corretor ortográfico. Assim, no esforço de estimular a academia a incentivar seus alunos da importância de contar boas histórias, fiz uma breve intervenção na apresentação de uma monografia no começo deste ano. Frisei a alunos e professores que o decisivo não é saber escrever lead, é aguçar o faro para as boas histórias.
Passei seis anos dentro do Ielusc e nunca vi a tal horta. Belo faro o seu. Mas não se deixe levar pela primazia do virtual. Até para poder explorá-la melhor. Manter olhos abertos sempre será melhor do que copiar-e-colar. Saber ouvir sempre será mais importante que fazer backup. Ao contrário do que você afirma, o pior não é deixar a Revi sem rede, é deixar a Revi sem caçadores de boas histórias. Se a Revi tiver especialistas em PhotoShop, magos em SoundForge e mestres em Word mas não tiver caçadores de boas histórias (ou ao menos candidatos a tanto), aí poderei afirmar que tudo está perdido.
Para ser pontual, Lucas. Não creio que um dia sem rede tenha trazido grandes prejuízos. A apresentação de um trabalho poderia ser adiada, a publicação de uma matéria poderia ficar para o dia seguinte. Enfim: é possível viver sem bits e bytes. Reflita sobre seu título. Você não passeou, você fez o filé mignon do jornalismo, privilégio de (raríssimos) repórteres especiais. Você saiu a campo livremente atrás das pautas que achasse melhor.
Tenho conhecimento das incontáveis críticas ao modelo de jornalismo praticado hoje em dia. Vítimas do corte de gastos, jornalistas passam o dia inteiro dentro das redações, fazendo dúzias de matérias apenas com o uso do telefone. Mas você tem nas mãos a dádiva de sair sem estar severamente comprometido com o dia seguinte.
Insisto que jornalismo é feito de curiosidade, de instinto, de autonomia intelectual, de iniciativa, de tudo o que parece que as faculdades deixaram de ensinar, limitando-se à técnica e à reprodução dos clássicos. Discutir como se dá o estímulo desses elementos fugiria ao propósito. Penso que compartilhar um exemplo, para mim capital, pode produzir muito mais resultados em você.
Cito um caso ímpar na história do jornalismo. E melhor, é contado por quem você parece ter certa simpatia, Gay Talese. Ele fala de um jovem jornalista chamado Tom Wicker. Um dia este rapaz estava cobrindo um episódio e algo inesperado ocorreu. Ele não viu os tiros que mataram uma pessoa, mas tinha que contar aquela tragédia. Ele sequer dispunha de um bloco de anotações, mas a importância daquele fato o obrigou a ter que escrever sozinho uma página inteira de jornal. Seu feito, de tão extraordinário, ainda provoca arrepios no abaixo assinado (não o único, afinal Leão Serva também se emocionou, confira aqui). Mas sobretudo mostra como jornalismo se faz com boas histórias e não com downloads e uploads.
Lucas, nunca esqueça: existe vida lá fora. E se sua vocação neste mundo é contá-la, a dica é menos teclados e mais solas de sapato.