O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
(Fernando Pessoa)
Entre passos, vozes e silêncios deste começo de sétima semana letiva, rolam os ecos de uma história que se repete como a “crônica de um roubo anunciado”. Um dos projetores, que houvera sido instalado na C-21, segunda (20/3), ganha “asas” e sai voando pelos céus de Joinville... O episódio encerra uma reflexão necessária: o que significa esse tipo de acontecimento para uma comunidade acadêmica com o perfil do Bom Jesus/Ielusc?
Retorno ao bardo português: “O Universo não é uma idéia minha/ a minha idéia de Universo é que é uma idéia minha”. O que motivaria alguém que convive em nosso meio, em tese, preparando um caminho de futuro profissional, a praticar um crime dessa natureza? Afinal, tendemos sempre a observar a corrupção e a falta de ética como algo que só acontece no quintal dos outros, não é mesmo? O furto do equipamento não pode passar indiferente. Mas, entre chamar os “cana” e debater publicamente com a comunidade acadêmica, fico com a segunda opção.
Os pequenos “furtos” cotidianos — no caso do equipamento que custou mais de R$ 4,5 mil reais nem tão “pequeno” assim — estão à nossa volta, dentro de casa às vezes; a corrupção não existe só em Brasília, mas em cada espaço público ou privado, como uma longa teia noturna. É um problema mundial: a ONU estimava, no final de 2005, que mais de 33 trilhões de dólares (imagine essa montanha em papel moeda) escoavam pelo “ralo” da corrupção, mundialmente, todos os anos...
Volto o vídeo ao início: que ética estamos construindo, coletiva e individualmente, dentro e fora de sala de aula do Bom Jesus/Ielusc? Alguém entre nós, supostamente, é capaz de roubar um aparelho de DVD ou um equipo de datashow e continuar freqüentando aulas, na maior naturalidade do mundo. Diria o Manezinho da Ilha: “Alguma coisa de errado não estará certo”. A questão fundamental é que roubar giz, livros, aparelhos de vídeo ou DVD, e agora datashow, significa lesar a comunidade acadêmica, não apenas a Instituição. Para vocês terem uma idéia, no semestre passado, a direção da Biblioteca Castro Alves recolheu ao balcão os documentários e filmes (em DVD) porquanto estavam sendo roubados de dentro das caixinhas. É algo inqualificável.
O furto do datashow impediu que alunos e professores, de várias disciplinas, pudessem utilizar aquele instrumento como suporte didático-pedagógico, na semana passada. Ou seja, prejudicou o andamento normal das aulas para muitos alunos e alunas. Nessas horas, nota-se também a tendência ao simplismo: de um lado, há quem bisonhamente tente “fazer graça” e atribua isso à falha da “segurança”; de outro, aparecem propostas mirabolantes que, ao fim e ao cabo, levariam a um tipo de controle e monitoramento eletrônico intolerável num ambiente universitário — que deve ser pautado por autonomia de pensamento e liberdade política, in-condicional.
Certamente, depois de mais esse episódio lamentável, haverá mudanças significativas nas rotinas e controles de parte do pessoal do suporte, e, igualmente, dos docentes. Mas, evidentemente, isso não significará 100% de “segurança” contra esse tipo de “alma penada” que transita em nosso meio. A realidade de outras instituições, aqui mesmo em Joinville, indica com clareza o alcance desse problema. Na Univille, por exemplo, os projetores foram fixados no teto, gradeados e os computadores trancafiados em cases, a cadeado, cujas chaves são entregues pelas coordenações dos cursos aos professores, que as devolvem no final de cada encontro. É ridículo, mas só essa medida freiou a incidência de roubos de projetores naquela universidade.
Penso, por fim, que se está entre nós uma (ou mais) pessoas que praticam um crime dessa natureza na maior “cara dura”, há algo para além do acontecimento que deve (ou deveria) nos incomodar. Nesse marco, a responsabilidade de cada um (e de todos & todas) sobre o que é de uso coletivo deve ser resgatada. Sou contra transferirmos apenas os/as professores/as as responsabilidades, cuidados e zelos dos equipamentos audiovisuais, exceto as novas rotinas que serão emanadas da direção da Biblioteca Castro Alves.
Do meu ponto de vista, como professor e coordenador de curso, continuo apostando nos instrumentos político-pedagógicos e éticos que estamos construindo, sem perder de vista a necessidade de aumentar sensivelmente o sistema de proteção daquilo que é de uso e propriedade coletiva. Como não existe crime perfeito, ao gatuno (caso seja acadêmico/a) um aviso claro: o flagra equivale a desligamento sumário da Instituição, além dos desdobramentos penais cabíveis.
Jornalista, doutor em mídia e teoria do conhecimento (UFSC) e diretor do curso de comunicação social do Ielusc