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Matéria 0983, publicada em 15/03/2005.


Lauro Hagemann abre jogo sobre censura na imprensa

Amcle Lima e Jessé Giotti

De passagem pelo Ielusc, o locutor do Repórter Esso concedeu uma entrevista à Revi. Sem papas na língua, falou sobre tudo: controle de informação no famoso programa que apresentava, inexistência de liberdade para imprensa, comunismo, reforma agrária, MST etc. Confira abaixo um trecho dessa conversa.

Revi: Chegaste a trabalhar em algum órgão alternativo de informação, além das grandes emissoras da época?

Lauro Hagemann: Trabalhei na Rádio da Universidade (ligada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul) muito tempo. Lá, a gente dizia as coisas que tinha para dizer sem censura, sem nada. Mas lá na Farroupilha, no tempo do Esso, tinha que dizer aquilo ou então não dizia nada, ia para a rua. Era preferível estar lá. De vez em quando passava um contrabando. Dava uma entonação diferente na voz, um troço assim. Ou então deixava de dar a notícia, essas coisas.

Revi: Mas havia algum tipo de veículo alternativo na época do Repórter Esso?

Lauro: Não, não existia.

Revi: E o partido comunista não tinha nenhum veículo de informação?

Lauro: Tinha jornal, mas chegar no grande público de que jeito. Com a foice e o martelo na capa?

Revi: Acreditas na liberdade da imprensa?

Lauro: Isso não existe. Imprensa livre, isso aí...

Revi: Nunca existiu?

Lauro: Não. Sempre tem um lado. O lado de montar. A gente é que inventou essa história de ser isento. A gente procura fazer a coisa da forma mais multilateral possível. Tu dá todo o entorno de uma notícia, de um fato, para que o receptor do outro lado tenha capacidade de deduzir e clarear por conta própria. Mas nem todos têm essa capacidade. O grande instrumento para isso seria a educação, mas o processo educacional que temos amordaça ao invés de cultivar esse hábito.

Revi: Vamos ter algum dia uma imprensa livre?

Lauro: Eu acho que não, porque a natureza do homem leva a isso. Lamentavelmente sempre vai se pender para algum interesse, pode ser até de ordem pessoal. A gente procura, se esforça para fazer na maior isenção esse processo de comunicação, mas é muito difícil. Sempre se escorrega, algum cantinho tem uma casquinha de banana.

Revi: Sobre a credibilidade do rádio naquela época. Teve algum momento em que correu algum erro, de modo a ter que repassar a informação?

Lauro: No processo de comunicação oral o engano, o equívoco e até o erro sempre aconteceu. Porque são coisas diferentes do ponto de vista filosófico o equívoco é uma coisa e o erro é outra.

Revi: Não abalava a credibilidade?

Lauro: Não, porque às vezes a gente usava o antídoto como na homeopatia. Ao invés de esperar que nos malhassem a gente ia lá e dizia, olha erramos aqui, a informação não é essa, na verdade é esta. Isso deu credibilidade ao rádio, porque o rádio corrigia seus eventuais excessos.

Revi: Havia uma edição nacional do Repórter Esso?

Lauro: Todas as edições eram nacionais. Não havia edição regional. Isso é um negócio difícil de explicar porque precisa de muita palavra. Houve uma hora na qual o Esso passou a ser confeccionado aqui no Brasil. As informações eram recebidas por telegrama, teletipo e eram centradas em Porto Alegre, São Paulo, Rio, Recife e havia uma redação local. O miolo das notícias era o mesmo. O fato internacional, nacional recebido via UPI (agência de notícias norte-americana United Press International) era o mesmo. Tu apenas inseria ele num contexto diferente e adicionava as informações locais e isso é que modificou o caráter. Essa adição dos elementos locais é que gerava a diversificação do Esso. Ele era produzido por uma equipe local.

Revi: O Repórter Esso era transmitido em cadeia?

Lauro: Não, não. Era transmitido por uma emissora só. O texto era feito para Rádio Farroupilha e para ninguém mais. Era proibido usar até. Não tinha edição nacional tchê. Edição nacional, esse troço aí, começou com a Rede Globo.

Revi: Mas ele tinha um alcance...

Lauro: Ele tinha horários nacionais. E vinham telegramas que eram aproveitados ou não. Mas não podia se chamar isso de rede nacional. Seria um eufemismo meio violento. Porque todo o material noticiário daquele horário era produzido aqui eventualmente com notícias que vinham pelo teletipo, pelo telégrafo. Essa sim é a origem nacional da notícia. Mas tu não produzias um noticiário pra ser lido em cadeia, não.

Revi: Não tinha transmissão por outras emissoras?

Lauro: Não, só a Farroupilha.

Revi: Mas a Farroupilha tinha alcance nacional?

Lauro: A Farroupilha era um canal exclusivo de 600 quilociclos internacional. Só tinha uma emissora no mundo com aquela freqüência. E depois esses patifes é que venderam para o Maurício (Sirotsky).

Revi: Para a RBS?

Lauro: É a RBS. Mas a Farroupilha era um canal exclusivo. No tempo em que havia essas condições tecnológicas diferentes, a única emissora no mundo que transmitia em 600 quilociclos era a Farroupilha.

Revi: A propriedade da Farroupilha era de quem?

Lauro: A propriedade era dos Diários Associados, era do Chateaubriand.

Revi: A transmissão do Repórter Esso começou quando?

Lauro: Começou em 1941 e foi até 64. Foi muito tempo

Revi: A redação do Repórter Esso centrada na Farroupilha tinha quantos redatores?

Lauro: Olha tchê, duas equipes. Uma de manhã e outra de tarde ou de noite. Deixa-me fazer um cálculo assim por alto. Tinha uns cinco ou seis redatores.

Revi: Quantas edições por dia?

Lauro: Eram quatro vezes: oito, 13, 19 e 22 horas. No início havia uma a mais, porque tinha uma emissora a mais. Porque no final ficaram só quatro emissoras: Farroupilha, Tupy de São Paulo, Tamoio do Rio e Jornal do Comércio de Recife. Antes havia uma outra a Inconfidência de Belo Horizonte. Mas com a proximidade de Belo Horizonte, São Paulo e Rio eles eliminaram Belo Horizonte.

Revi: Essas emissoras eram todas de propriedade dos Diários Associados?

Lauro: Não, não, isso a Esso controlava. Duas delas eram dos Diários Associados. A Nacional não era, por exemplo. A Nacional era do governo e a Farroupilha era dos Associados.

Revi: Mas essas emissoras não retransmitiam o Repórter Esso?

Lauro: Não elas produziam noticiário próprio, cada uma. Quem quisesse retransmitir que se acertasse com elas lá, mas não era comum.

Revi: Mas essas produções não ganhavam o nome de Repórter Esso?

Lauro: Não, não. O Esso era exclusividade da Esso, era aquela marca registrada, era um só, era o Esso. Olha é um processo complicado para explicar isso. Tu precisa usar um aparelho para ir separando os pedacinhos.

Revi: Mudou muito o sistema de transmissão radiofônica não é mesmo?

Lauro: Sim a interligação mudou muito. O que era uma coisa ontem não é mais hoje. È difícil de explicar e mais difícil para alguém entender esse processo. Como é que tu vai explicar com os termos de hoje isso, essa maçaroca. Isso aí é uma salada. Um negócio muito, muito difícil de entender, porque não é uma coisa linear. È cheio de altos e baixos, uma briga de foice. Mas assim de um modo geral dá para explicar. O pessoal entende, porque o que ressalta no final é o resultado.

Revi: Havia alguma participação dos ouvintes no programa posto que tinha uma grande audiência?

Lauro: Não, não tinha participação nenhuma. O retorno que se tinha era a credibilidade que infundia o programa. O Esso não deu a notícia então não aconteceu. Isso a gente ouvia assim aos montes por aí. Principalmente nessa zona colonial, o Esso era fator de confiança. Tanto é que quando eles passaram a produzir o noticiário localmente, havia um cuidado extremo com o tipo de notícia que viesse a ser inserida no programa. Porque não era qualquer notícia que podia ir ali. E aí vem uma história que eu não tenho condições de contar, mas eu ouvi. Um dos fatores do afastamento do Ruy Figueira (um dos locutores do programa) do Esso foi devido a uma tentativa de manipulação de noticiário. Isso produziu um arrepio na direção a ponto de custar a cabeça do cara. Eu tive um contato fraterno com o Ruy igueira, mas nunca alguém soube por ele as razões do afastamento.

Revi: Foram quantos locutores ao longo da existência do programa?

Lauro: Osmais famosos foram o Heron Domingues, eu, o Gontijo Teodoro que era da TV Tupy do Rio e o Ruy Figueira daqui. Eu nem fui tão famoso assim. O Heron foi mais famoso, Ruy Figueira também. Eram nomes mais fáceis. Lauro Hagemann, ala puta! Quem é esse diabo?

Revi: Trabalhaste quanto tempo no Esso?

Lauro: Eu te digo exatamente o tempo que eu fiquei tchê: 1º de junho de 1950 até 31 de dezembro de 64, quando acabou o programa.

Revi: Fizeste a última edição?

Lauro: Não, não fiz não. Estava em Santa Cruz naquele dia. Depois voltou o Esso na Rádio Continental, foi um carnaval. Eu fui lá me apresentar para ler e não era mais eu. Olha vou te contar, foi um circo.

Revi: Lembra de alguma notícia que tenhas narrado e te emocionado com ela?

Lauro: Não, eu sempre fui vacinado contra a emoção. Eu lia como tinha que ler, mas nunca absorvia. Eu noticiei, por exemplo, todo o suicídio do Vargas. Não da primeira porque a primeira foi lá no Rio de Janeiro, o Heron que leu. Depois fui eu. A Cadeia da Legalidade também. Essa eu fui locutor, da Legalidade. Teve um episódio mundial que me abalou um pouco, foi a execução do Caryl Chessman, na câmara de gás. Foi condenado à morte, não sei por quê. Ou não sei se foi na cadeira elétrica, ele foi executado. E a UPI naquele tempo recém tinha começado a trabalhar com teletipo, então inundou o mundo da notícia com o noticiário da execução do cara. E eu acompanhei aquilo como locutor. Meio mórbido até o processo que se desenvolveu em torno da execução do cara. Mas aquilo ali me impressionou por estarem gando com uma vida assim muito no varejo. Claro o cara era criminoso, tinha confessado, tinha sido julgado, foi condenado e finalmente executado. Eu não sei qual era a intenção dessa ampla divulgação. Talvez fosse uma maneira de dizer para a sociedade, olha se vier a pena de morte isso aí pode acontecer contigo. Não sei se foi isso, não consegui decifrar até hoje.

Revi: Mudando um pouco de assunto. Continuas comunista?

Lauro: Continuo sim. Apesar de dizerem que hoje não tem mais, mas tem sim. Tem mais do que se imagina.

Revi: Quais as tuas referências de comunismo na época, tiveste contato com o Luiz Carlos Prestes?

Lauro: Não, o Prestes era o secretário geral. Não tinha assim um ídolo maior. Nós tínhamos vários caras que trabalhavam conosco, os dirigentes partidários. Eu tive contato com o Giocondo Dias, que foi um excelente dirigente.

Revi: Mas qual era a linha partidária que seguias?

Lauro: A linha do comitê central do PCB, contra a guerrilha. A linha soviética.

Revi: Quais as tuas referências de comunismo hoje?

Lauro: Tem os remanescentes, mas a maioria já morreu tchê. Mas está todo mundo atordoado, viu? Estão dispersos, se mantiveram a linha é por uma questão muito pessoal, muito íntima. A nível público fica difícil de dizer. O cara diz que é da linha tal, mas os atos dele não têm mais o que ver com aquela linha. Fica muito difícil de colar as coisas.

Revi: E sobre os governos supostamente socialistas que chegaram ao poder na América Latina recentemente?

Lauro: Olha os Chavez, essas coisas aí, eles tentam passar a idéia de que é um processo socialista e tal. Até o Fidel em Cuba já está meio embolorado. Nós estamos esquecendo fundamentalmente uma das lições do velho Marx, que se não é a primeira é a segunda: o nosso mundo se modifica a cada instante. Temos que nos adaptar a essas modificações inclusive nos campos político e ideológico. Há 20 anos quando se falava em reforma agrária os padres queriam nos enforcar. Hoje, nós cedemos a bandeira da reforma agrária para a igreja. E cedemos de bom grado, não foi tomada não. Uma força mais vigorosa assumiu esse embate e nós nos sentimos gratificados por isso. A questão do divórcio a mesma coisa, assim como a luta pelo petróleo nacional. Isso era coisa de comunista. Hoje é coisa da sociedade. E isso nos gratifica porque nós mostramos o caminho e esse caminho foi encampado. Muitas das conquistas sociais de hoje foram coisa de comunista e nem se fala mais nisso. Tempos atrás o sindicato era um ajuntamento de comunista e, no entanto, nós dignificamos o sindicato como uma entidade da vida do cidadão.

Revi: Acreditas que vá existir uma imprensa livre. Mas em um comunismo efetivo o senhor acredita?

Lauro: Acho que isso é um processo humano natural. Vai desembocar lá um dia, não sei quando. Estamos caminhando para isso.

Revi: Pensas então que o pilar do capitalismo, a propriedade privada, vai acabar?

Lauro: Sim, vai se pulverizar. Hoje nem se fala mais tanto em propriedade, já deixou de ser um tabu. Nos conjuntos habitacionais, por exemplo, mora todo mundo junto.

Revi: Considera legítima também, a luta do MST?

Lauro: Acho que se não fosse o MST não teria havido nada nesse país até hoje. Pode ser exagerada, pode ser deturpada, pode ser uma porção de coisas, mas a luta do MST é necessária. Obrigou a classe política a se posicionar, mostrou pra ela que a reforma agrária é uma necessidade e que sem essa reforma não vamos sair do buraco.

Revi: No governo do PT te parece que o MST tem mais chance?

Lauro: Olha o MSTe o PT parece que não andam muito à vontade juntos. E de fato o PT amoleceu muito e o movimento resolveu agir por conta própria e está agindo. E acredito que essa independência deve ser estimulada. Às vezes o MST precisa tomar uma decisão drástica e não é tomada porque estão pendurados nas costas do partido, porque são camaradas. O PT deixou o movimento em situações embaraçosas muitas vezes. Claro que o MST não é flor que se cheire e às vezes também deixou o PT em situação de calamidade. Mas isso faz parte.

Revi: Quanto ao jornalismo atual, defendes a exigência do diploma?

Lauro:Defendo sim. Não por ser diploma, mas pela forma de organizar a comunicação. Se deixar muito frouxo aí sim é que não vai sair nada. E somos um país jovem,precisamos de uma metodologia, de uma organização. Precisamos de um canal que tenha margens delimitadas, controladas. E não estou falando de censura, mas de um processo no qual o cidadão possa ser mais responsável pela comunicação.

Revi: E sobre o Conselho Federal de Jornalismo, como te posicionas?

Lauro: Olha o Conselho, isso aí foi uma invenção. Tem conselho de odontologia, conselho disso e conselho daquilo. Não é uma entidade sindical, aí é que confundiram o negócio. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Claro os safados que quiseram intrigar disseram que era um conselhão comunista, mas não tem nada disso. Pode existir como não existir, não vai afetar a vida do jornalista. É um fórum de discussão, mais amplo e com o aval do estado. Não temos isso até hoje, nem o sindicato tem. O Conselho não é fundamental, mas é mais uma instância. Depende da forma como for organizado.

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