Revi Bom Jesus/Ielusc

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Matéria 0389, publicada em 07/10/2003.


:Guilherme Guesser

Telescópio do Ielusc é fruto de uma permuta

Permuta é alternativa à inadimplência nas escolas

JPN

Quando Marte esteve próximo da Terra, e visível aos terráqueos, vários alunos do Ielusc puderam observar um pouco melhor o planeta vermelho através de um telescópio. O aparelho, que deixou Marte maior, não foi comprado, muito menos doado: resultou de uma permuta ocorrida cinco anos atrás entre a escola e o pai de um aluno interessado em descontar sua dívida referente a cerca de três mensalidades atrasadas. Na época, um professor de Geografia do colégio incentivou a transação. Casos como esse têm ocorrido cada vez com maior freqüência na rede de ensino particular do país. Em meio à crise financeira, com o poder aquisitivo em baixa, a saída, muitas vezes, tanto para a escola como para quem paga a mensalidade, é a permuta.

“Tento fazer um casamento feliz”, informa Günter Hudler, diretor financeiro do Bom Jesus/Ielusc, referindo-se à possibilidade dada pela instituição, para quem apresenta dificuldades financeiras, de quitar sua dívida sem o uso de dinheiro. Já o economista e chefe da Divisão de Orçamento e Contabilidade da Câmara de Vereadores de Joinville Adelir Stolf elogia a permuta nas escolas mas faz ressalvas. Para ele, é imprescindível estabelecer limites e critérios bem definidos para manter o equilíbrio. “Emergencialmente é viável”, diz, destacando a necessidade de políticas estratégicas específicas para garantir dinheiro nos cofres das instituições para o pagamento dos seus credores.

Imóveis, suprimentos de informática, materiais e serviços elétricos e de construção, além de móveis, estão entre o que mais é oferecido para transação ao Ielusc. É comum o negócio ser fechado. No prédio novo da unidade do Saguaçu, por exemplo, há persianas fornecidas em 2002 por um estudante de Comunicação Social já formado e cujas mensalidades estavam pendentes.

Quando não há a necessidade imediata, a instituição indica e divulga o produto ou serviço oferecido aos próprios alunos e funcionários principalmente através de murais. Como exemplo, Güinter cita uma ocasião em que um inadimplente ofereceu um imóvel pelo pagamento da dívida. A oferta não interessou a instituição. Porém, através da divulgação interna, um professor da própria escola se interessou e, ao invés de pagar ao dono do imóvel, deu o dinheiro diretamente para a escola.

Entre os muitos casos, alguns se tornaram históricos. A proposta de um cavalo de raça apresentada por um pai que não podia pagar mais a mensalidade do filho foi um deles. Naturalmente não houve acordo.

A permuta em outras escolas particulares de Joinville

No colégio Positivo um aluno faz as fotos de todos os eventos da escola em troca de desconto na mensalidade. Para o Elias Moreira o acordo geralmente é proposto por quem já terminou os estudos. A creche Criança Feliz aceita dos pais das crianças três quilos de alimento por mês para não ter de aumentar a mensalidade. No Centro Cultural Brasil – EUA a primeira permuta foi há 20 anos. Hoje existe inclusive um acordo trocando curso de inglês por publicidade na mídia local. Apenas uma escola particular, entre várias contatadas pela REVI, preferiu manter seu nome em sigilo muito embora registre em média cinco casos desse tipo por ano. Abaixo, as mais interessantes histórias – e as mais estranhas ofertas – e alguns detalhes sobre as políticas adotadas pelas escolas.

Utesc: a escola é que sugere a permuta

Cláudia Solange Späth, diretora administrativa da Utesc (União de Tecnologia e Escolas de Santa Catarina) diz que o posicionamento da instituição frente à prática da permuta é bastante aberto. Nos 10 anos de vida em Joinville, sua diretoria sempre tomou a iniciativa de propor ao inadimplente uma alternativa.

Quando alguém não tem condições de pagar a mensalidade é chamado para fazer serviços gerais durante o tempo necessário para quitação da dívida. Em julho, o anúncio de uma vistoria do MEC (Ministério da Educação e Cultura) exigiu uma intensificação nos trabalhos de organização. Para tudo ficar pronto até a visita, duas alunas foram contratadas. Atualmente quatro estudantes reformulam o site da instituição e em troca têm, cada um, uma mensalidade quitada.

Entre as propostas mais inusitadas Cláudia cita o oferecimento de um carro em troca da quitação de uma dívida. “Desconfiamos, pois a dívida não era tão grande. Quando fomos ver, o carro estava tão ruim que não devia chegar nem até a oficina”, relembra.

Colégio Fera: serviço de banco em troca de educação

No Colégio Fera, Centro da cidade, um aluno faz serviços de banco em troca do curso supletivo. “Três vezes por semana ele faz esse trabalho para a gente”, conta a diretora Marilda Teresinha Hernandes. Ela pretende manter o garoto trabalhando para o colégio mesmo depois do término do seu curso em julho de 2004.

Univille: de automóveis a hortifrutigranjeiros

Com 10 mil matriculados, a Univille é o estabelecimento de ensino que mais recebe propostas de permuta no universo pesquisado pela REVI. “Oferecem de tudo”, garante o pró-reitor de Administração e também professor de Enfermagem do Ielusc Gilmar Sidnei Erzinger. Desde que combine necessidade com bom preço e qualidade “não há o porquê de não aceitar”, diz. As trocas mais freqüentes envolvem créditos em publicidade, materiais de construção, equipamentos de escritório e suprimentos de informática em geral, sempre com nota fiscal.

Carradas de barro, pneus, terrenos de herança e até hortifrutigranjeiros também fazem parte do “menu” oferecido à Univille, que geralmente prefere abrir mão desse tipo de item. “Em dezembro oferecem carro direto”, afirma Gilmar. E, referindo-se ao caso pitoresco acontecido no Ielusc, brinca dizendo que “cavalo de raça ainda vai aparecer”.

A Univille não aceita serviços em permuta. Um dos motivos é que alguns dos alunos encarregados de executar o trabalho acertado agiam muito lentamente para que a tarefa demorasse mais para ser executada e por conseqüência houvesse um maior desconto na dívida. Se houver possibilidade, é dada a oportunidade de o aluno inadimplente trabalhar como estagiário.

O pró-reitor responsabiliza a crise financeira pela grande quantidade de propostas de permuta que recebe. Outra razão, segundo ele, é o artigo 170 da Constituição Estadual, através do qual as universidades são obrigadas a conceder bolsas de estudo com recursos do estado, gerando a expectativa da conquista fácil do desconto. A inadimplência na Univille foi de 2,5% em 2001, 4,5% em 2002 e deve fechar este ano em até 5%. “Isso vai ficar cada vez pior”, prevê Gilmar, lembrando ainda que Santa Catarina é o estado que menos verba destina ao ensino superior na Região Sul.

O outro lado da moeda

Ao contrário dos que têm na permuta a única possibilidade de continuar os estudos há aqueles que podem quitar integralmente o curso com apenas uma folha de cheque. Na Univille, o colégio é onde isso acontece com mais freqüência. Na faculdade de Medicina, a mais cara da instituição, há pouco tempo o pai de uma aluna pagou à vista o curso até a formatura, desembolsando aproximadamente R$ 70 mil.

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