“Mais do que uma prisão melhor, o sensato é procurar algo melhor do que a prisão.” Geder Rocha Gomes utilizou a frase de Gustav Radbruck como porta de entrada ao assunto que viria a ser abordado no mini-curso sobre penas alternativas realizado no Mercure Prinz Hotel. A presença do presidente do Conselho Nacional de Políticas Criminal e Penitenciária (CNPCP) de Salvador fez parte da programação do 4º Seminário de Gestão Prisional, Segurança Pública e Cidadania, promovido pelo Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz e pelo Conselho Carcerário de Joinville. O evento tinha como objetivo fazer um balanço da execução penal, do encarceramento, dos conflitos sociais e levantar possíveis soluções ao sistema prisional atual. Ao iniciar o curso, Gomes afirmou que até hoje nenhum estudo conseguiu comprovar a eficácia da punição. “A ideia da punição não é científica, nem biológica, e sim antropológica”, explicitou. As punições corporais, que segundo ele eram recheadas de torturas e sofrimento, agora se resumem ao encarceramento. Geder afirma que, enquanto a sociedade clama por segurança, a Justiça aplica cada vez mais penas. “Estamos enjaulando o ser humano”, lamenta. Ele diz que, a partir do momento em que um indivíduo é preso, seu envolvimento com o crime não é resolvido, apenas neutralizado, deixando-o à mercê da defensoria pública – ou seja, o governo só entra em cena depois que o crime já ocorreu. O especialista lembrou que o Brasil ocupa a quarta posição dentre os países mais encarceradores do mundo. Na dianteira, os Estados Unidos, com 2 milhões e 200 mil pessoas superlotando as prisões. Além de presidente do CNPCP, Geder é mestre em Direito público, doutor em Direito Penal e promotor. Entrou no meio judicial com 18 anos e aos 22 já ocupava a função de delegado. Depois do curso, concedeu a seguinte entrevista.
A que tipo de crime se aplica, efetivamente, a pena alternativa? É possível ampliar para outras categorias de pequenos delitos, além dos que estão abrangidos hoje pela legislação?
São aplicáveis a todos os crimes cuja condenação não ultrapasse quatro anos de prisão e que não sejam cometidos com violência ou grave ameaça à vitima. Os principais crimes abrangidos são furto simples, uso de drogas, lesões corporais leves e crimes de trânsito. É possível ampliar mais, desde que haja uma alteração na lei. Cerca de 86% dos presos poderiam ser agraciados com as penas alternativas e apenas 14% ficariam encarcerados. O roubo, por exemplo, que é o furto acrescido de ameaça, ainda é considerado grave. Porém, mais do que ampliar a lista de crimes, devem-se ampliar as fiscalizações e as centrais, e as equipes devem se reciclar para isso, porque não estão preparadas. É preciso ter uma equipe composta por psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais para que tudo funcione corretamente. No momento de aplicação da pena, é necessário ter uma equipe inteira trabalhando, senão não funciona. Os critérios também devem ser analisados desde o início. Aplicar uma pena de doação de cestas básicas a pessoas ricas, ou mandar um traficante cuidar de uma creche, por exemplo, não dá. Por isso há vários tipos de penas, para se ajustar a cada perfil: multa, cesta básica, prestação de serviço à comunidade, entre outras.
Quais as mudanças que as penas alternativas podem trazer na vida dos envolvidos com pequenos delitos?
Pena alternativa ainda é punição. É impor censura, sem impor sofrimento. Elas foram feitas para ser aplicadas principalmente aos sujeitos que não foram inseridos na sociedade, não foram incorporados na cultura, nem na sociedade, os excluídos. Cerca de 76% dos presos vêm de famílias com renda inferior a R$ 220 por mês e 78% não têm advogados. Pode ser uma forma de integrá-los a sociedade, já que nunca fizeram parte dela.
Afirma-se que o número de reincidências após o cumprimento de penas alternativas é significativamente menor do que no caso das pessoas presas, segundo o modelo tradicional. A que o sr. atribui essa diferença?
O Brasil é o país de maior reincidência criminal no mundo. O poder de punir do Estado se baseia na seguinte lógica: defesa social é igual à justiça que é igual à prisão. Porém, a punição não obtém resultados, se levarmos em conta que 80% dos encarcerados reincidem. Quem comete um primeiro furto é colocado na cadeia junto com os responsáveis por crimes mais graves, o que pode transformá-lo num criminoso perigoso e fazer com que saia de lá pior do que quando entrou.
O que a mídia poderia fazer para ajudar a reverter a opinião que a sociedade tem em relação às penas alternativas?
A imprensa dá tiro de canhão nas penas alternativas, quando resolve divulgar algum fato que as envolve. Ela exerce um papel importante e fundamental para a celebração da violência. Hoje, ao lermos jornais, só deparamos com notícias de tragédias. Em uma semana, o Brasil exibe mais de 1.200 crimes na televisão. Nem os Estados Unidos, considerados o país mais encarcerador do mundo, exibem tanta violência. Com isso, a mídia desencadeia no público um pânico muito maior do que realmente existe em volta dos crimes. Incorporamos a sensação que a mídia nos passa e a absorvemos.
*A matéria foi desenvolvida para a disciplina de Redação 3, sob orientação do professor Guilherme Diefenthaeler.