Banco imobiliário, estátua e passa-anel são algumas das brincadeiras ou jogos do passado que hoje trazem lembrança e saudade para quem já foi criança. Atualmente, a infância e a pré-adolescência proporcionam várias opções de divertimento e quase todas as principais brincadeiras estão ligadas à tecnologia, o que as torna diferentes das atividades lúdicas do passado. As redes sociais, os jogos virtuais e os amigos criados pela internet dão à infância de hoje um aspecto superficial, mesmo se comparada com aquela de dez anos atrás.
A estudante Caroline Reeck, 13 anos, nasceu inserida em um momento diferente do vivido por sua irmã, Fabiane Reeck, de 23 anos. Caroline frequenta o mesmo colégio em que sua irmã estudou, tem acesso às mesmas oportunidades, mas o contexto de tudo isso é diferenciado. Ela agora está na pré-adolescência e lembra que durante toda a sua infância as amizades eram resumidamente encontradas na escola. Segundo a estudante, o lado bom de ser criança eram as diferentes possibilidades de horários para as brincadeiras.
A convivência com a irmã e as primas mais velhas despertou nela a vontade de que o tempo passasse logo e que a idade da adolescência chegasse mais rapidamente. Agora, crescida, Caroline afirma que as brincadeiras e as amizades mudaram. Ela tem conhecimento das vantagens e das desvantagens das tecnologias disponíveis em sua geração. “Acredito que usar com moderação é importante, pois aquilo que é demais não faz bem”, diz, com uma concepção madura. “Toda essa tecnologia tem muitas coisas para nos oferecer, basta fazer o uso consciente delas”.
Sua irmã, Fabiane Reeck, sente nostalgia ao lembrar da infância. “As brincadeiras eram intensas e cheias de ideias”, recorda. Em sua memória, estão os cenários criados, que davam ao faz-de-conta um caráter real. Os amigos se dividiam entre os da escola e os primos, encontrados com frequência nas reuniões familiares.
Segundo Fabiane, a curiosidade de ser adulta existia, mas era deixada de lado com o início de um novo jogo. “Sinto muita saudade da infância. A única preocupação era pensar na próxima brincadeira e a escola era uma diversão, onde fazíamos amigos e aprendíamos coisas novas”, relembra.
Ela acredita que, atualmente, a infância é interrompida cada vez mais cedo. “Crianças de dez e onze anos não brincam mais”, enfatiza. De acordo com Fabiane, as mudanças não aconteceram somente nos hábitos, mas também nos brinquedos, que não despertam mais a criatividade e a curiosidade infantil e inserem crianças e pré-adolescentes no universo tecnológico. “A tecnologia colabora para tirar as crianças das brincadeiras e colocá-las diante da tela do computador”, alerta. “Os amigos agora são virtuais e as brincadeiras também”. Para ela, o hábito de sair às ruas para brincar – comum na infância de alguns anos atrás – já é raro de se ver. “Esta é a sociedade que nós criamos para as nossas crianças”, lamenta.
A voz de especialistas
Com grande experiência como pedagoga, Solange Lemes também observa nitidamente as mudanças nas crianças, principalmente no que diz respeito às brincadeiras tradicionais. “Eu me pergunto por que os pais não brincam com seus filhos, não passam sua vivência pra eles? Como pode algo tão essencial para a construção de indivíduos se perder?”. A pedagoga observa que as brincadeiras do passado estão sendo substituídas por jogos eletrônicos, pelos computadores e pela própria TV que, além de oferecer várias possibilidades, ainda incentiva o consumismo. “Me preocupa também que hoje as relações entre pais e filhos estejam em pé de igualdade. Acredito que a hierarquia familiar deve ser preservada. O pai manda e o filho obedece, não o contrário”, reforça.
Lecionando para a educação infantil, Solange percebe essas características ainda em crianças muito pequenas e diz que na idade de três a quatro anos a influência midiática fica ainda mais evidente. “É possível observar o gosto das crianças por vídeos de personagens que estão na mídia. Exigem se vestirem e calçarem peças da moda”, explica. Ela acredita que o distanciamento entre pais e filhos seja um dos principais motivos para que a televisão assuma o caráter de formação, antes destinados à família.
Como educadora, Solange busca conciliar os conhecimentos atuais com os antigos. “O professor precisa apoderar-se das novas tecnologias que estão à disposição”, reflete, considerando defasado o educador que fica alheio a tudo.
A psicóloga e psicopedagoga Denise Mayllis Standke da Silva concorda que as antigas brincadeiras infantis eram diferentes das oferecidas atualmente: “As crianças confeccionavam seus brinquedos com sobras de materiais, exploravam a natureza subindo em árvores, andavam de bicicleta, utilizavam jogos educativos no lazer”. Essas iniciativas, diz, faziam com que os pequenos participassem ativamente das atividades sociais. De acordo com a psicóloga, a preocupação com a segurança leva os pais de hoje a preferirem seus filhos brincando dentro de casa.
Com muitos pacientes na idade da infância e da pré-adolescência, Denise percebe mudanças nessas duas fases de desenvolvimento. “Na infância é comum vermos meninas vestidas como mocinhas, maquiadas, com salto alto, unhas pintadas e brincos grandes”, relata. Já na pré-adolescência a situação é um pouco diferente. “Eles querem se tornar independentes logo, sem darem explicações aos pais. Muitos não aguentam a pressão e cedem, dando a liberdade precocemente”, avisa. Para a profissional, são muitos os fatores que contribuíram para as mudanças nas gerações e a ausência dos pais devido ao trabalho e aos compromissos pode ser um agravante para o quadro.
De acordo com Denise, nas consultas realizadas são muito frequentes os casos relacionados à falta de limites, à hiperatividade, à depressão e à agressividade, características da criança moderna. Para a especialista, as tecnologias devem ser utilizadas pelas crianças de forma saudável, embora pontue algumas considerações: “A criança não pode assistir a tudo o que passa na TV e nem explorar tudo o que existe na internet”. Denise acredita que é de extrema importância que a criança busque interagir com colegas da sua idade, fato que colabora muito para o seu desenvolvimento.