Infância e trabalho são duas palavras que não rimam. Porém, ambas estão conjugadas em Joinville, onde a mão-de-obra infantil é explorada de variadas formas. Seja na construção civil, no comércio ou nos serviços domésticos, as crianças e adolescentes substituem os brinquedos pelas ferramentas. Como consequência dessa irregularidade, há implicações na saúde e na educação dos jovens trabalhadores.
Em Joinville, 2,65% das pessoas de 10 a 14 anos estão em algum tipo de ocupação segundo a última pesquisa realizada pelo IBGE. Os dados de 2000 apontam 1.105 menores que desempenham algum trabalho com ou sem remuneração. A exploração da mão-de-obra infanto-juvenil está relacionada com o rendimento mensal das famílias e afeta, diretamente, a frequência escolar. Para a assistente social Camila Silva da Costa, os números referentes a 2000 diminuíram nos últimos anos. Ela trabalha em uma das quatro unidades municipais do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Ao todo, 320 crianças e adolescentes são atendidas pelo projeto. No município, a Agência de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra), o Centro Educacional Dom Bosco e o Centro Social Urbano do Itaum prestam este serviço.
Segundo o artigo 60º da Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente, é ilegal o trabalho para menores de 14 anos. Porém, este direito está sendo esquecido e a mão-de-obra infantil é tolerada e até mesmo incentivada. Dos 293 municípios catarinenses, 35 registram este tipo de atividade. Em 2006, no Brasil, 1,4 milhão de pessoas de 5 a 13 anos estavam trabalhando – a maioria em atividades agrícolas e não-remuneradas. “[A população] pensa que o trabalho é só aquele de puxar cana, mas desde a esmola, venda, até os serventes de 14 anos, também são. E isso influencia muito no estudo”, esclarece Camila.
A rua é a escola
A praça Lauro Mueller é o local de trabalho de C.S., 13 anos, e C.M.T, com 10 anos. Elas estudam de manhã e no período da tarde pedem dinheiro para auxiliar na renda familiar. C.S. deveria estar na 7ª série, porém estuda na mesma turma da amiga – com quatro anos de atraso. Para ela, ficar nas ruas não atrapalhou os estudos. As duas meninas andam pelo Centro pedindo trocados e também aceitam vale alimentação. Os irmãos delas têm a mesma rotina no turno matutino. Atividades como andar de bicicleta e brincar de boneca ficam em segundo plano.
Na região central, crianças vendem trufas e chocolates para as vendedoras do comércio. Porém, a maior parte dos trabalhadores infantis está na zona rural, em atividades agrícolas. “Erradicar [o trabalho infantil] é utopia, mas é preciso oportunizar às crianças e adolescentes condições de sair da situação em que estão”, apontou Valmir Poli, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2008 o programa Bolsa Família contribuiu para o aumento da frequência escolar. Cada família recebe por estudante R$ 40 na zona urbana e R$ 25 na zona rural. O Bolsa Família é uma ação do governo federal que beneficia as crianças que comprovem sua presença nas aulas. Uma dificuldade enfrentada pelo programa é que os alunos continuam trabalhando nos horários opostos aos da escola. Segundo o IBGE, entre a população de 5 a 17 anos com alguma ocupação, a frequência escolar é de 80,2% – enquanto na população que apenas estuda esta faixa etária é de 92,8%.
“[Prefiro] mil vezes [meu filho] estar aqui comigo do que estar na rua fazendo algo errado”, afirma o vendedor Miguel França, de 36 anos. Ele trabalha no camelódromo e o filho de 12 anos auxilia na loja. Para França, o estudo está em primeiro lugar, mas aprova o trabalho que não prejudique a frequência escolar da criança.
Erradicação do trabalho
Em Joinville, a Adra atende diariamente 79 crianças e adolescentes que desempenhavam funções como vendedores, catadores de material reciclável, auxiliares de construção civil e as que pedem esmolas. O programa é oferecido no período oposto ao escolar nos turnos matutino e vespertino para menores trabalhadores de 7 a 16 anos que são encaminhados pela Secretaria de Assistência Social.
Na Adra, eles participam de aulas de teatro e de música e praticam esportes como futebol, vôlei, basquete e tênis de mesa. Para participar do programa, os jovens devem frequentar a escola e a família deve ter uma renda abaixo de R$ 160 por pessoa. O Peti e seus órgãos prestadores são financiado pelo Governo Federal e gerenciados pelo município. “A mentalidade de que o trabalho educa coloca crianças e adolescentes pobres do país, precocemente, no universo do trabalho infantil”, explica Poli. “Isso ocasiona o abandono escolar e, consequentemente, acaba frustrando os sonhos e as esperanças de muitas crianças e adolescentes no nosso país – o que não é diferente em Joinville”.