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Matéria 8866, publicada em 15/09/2009.


:Jéssica Michels

Nascida em Curitiba, criada no Rio, Rita vive hoje em Itapoá

Rita de Cassia, amiga das estrelas

Luísa Desiderá*



Foi uma vez em Curitiba essa história – que começa com “foi” no lugar de “era” porque logo muda de cenário. E muda mais uma vez. E tantas outras ainda. O major Wischral e sua esposa eram pais de um menino e três meninas. A caçula tinha doze anos quando a quarta filha nasceu. Era 1961: a Mangueira ganhava novo samba enredo, o “Recordações do Rio Antigo”; Elvis Presley lançava o álbum Something for Everybody, considerado um dos melhores da década de 60; quatro jovens britânicos recém formavam a banda que viria a ser a mais influente do século 20, The Beatles, e a família Wischral ganhava um bebê, Rita de Cassia Wischral.

– Brincava de boneca com a minha irmã: eu era o brinquedo – recorda a temporã.

O ano devia ser 1969 porque, pelas contas de Rita, ela devia ter uns oito anos quando alguns meninos maiores jogavam bola perto das crianças menores. Rita era uma dessas crianças menores, coisa com a qual já se acostumara. Chutaram forte e acertaram a pequenina. O incidente desencadeou um tumor, levando a visão de seu olho esquerdo.

Mais tarde, Rita de Cassia passou a estudar no famoso colégio curitibano, o Novo Ateneu, tradicional como sua abastada família de patriarca militar e descendência austríaco-alemã-suíça. E para que tradicional permanecesse – pelo menos na ideia da menina – ela teve que deixar sua casa: seus pais passavam por uma crise conjugal; uma de suas irmãs, na flor dos seus 18 anos, estava grávida e seu irmão, o primogênito, não demonstrava vocação nenhuma para seguir a carreira disciplinada do pai, muito pelo contrário. Assim, a pequena se mudou para Rio Negro, no interior do Paraná, e três anos depois foi para o Rio de Janeiro morar com seu avô, o general Levino Cornélio Wischral.

A cidade do Rio ficava cada vez mais maravilhosa sempre que Cassia – como também atendia – ia e vinha de Curitiba. Sua irmã Olinda Wischral, que não engravidara e nem se casara, tornara-se atriz do imponente Teatro Guaíra. Era também a âncora de um programa televisivo de grande audiência, o Nossa terra, nossa gente. Famosa figura pública curitibana, Olinda apresentou à caçula o teatro, as festas dos artistas e um universo pelo qual Rita se apaixonou.

Houve a vez em que a cantora Joana foi fazer um show na capital paranaense. Nossa baixinha, que já estava com seus 17 anos e não mais que 1,56m, deu um jeito de conseguir o telefone da cantora e seu endereço no Rio. Encontraram-se diversas vezes e muitas foram as ligações, locais e interurbanas. Uma amizade que mesmo Gabi, a amiga inseparável de Cassia, duvidava, até o dia em que ouviu, na extensão do telefone, Joana dizer que se apresentaria no programa do Chacrinha e iria dedicar-lhe uma música. E assim foi: Joana cantou na televisão “Quarto de hotel” para a querida Rita.

Foi também em um quarto de hotel que nossa pequena Wischral tomou champanha com Gal Costa e, ainda hoje, guarda a comanda do quarto autografada pela estrela. Guarda também a lembrança dos vários almoços em família com Elke Maravilha e de um espetáculo com grandioso elenco: Henriette Morineau, Diogo Vilela e Susi Rêgo, entre outros. Na ocasião, ela ajudava o pessoal a entregar os panfletos da peça em frente ao Guaíra quando ninguém menos que Elis Regina esticou o braço para pegar o material das mãos de Rita. O palco de um dos mais hilários episódios, no entanto, foi o Rio de Janeiro. O general Wischral estava de saída e pediu para Cassia e a amiga Gabi ficarem no apartamento, jantarem por ali mesmo e sossegarem um pouco aquela noite.

– Resolvemos ficar. Era uma boa mesmo, para variar.

O avô saiu e um telefonema mudou os planos: era o Cazuza. Queria dar umas “bandas” e avisou as meninas que passaria para buscá-las. Resolveram ir, era uma boa também. Quando chegou, Rita já estava pronta e Gabi tomava banho. De repente, ouviram a porta da frente abrir.

– Joguei o Cazuza para dentro do guarda-roupa e me enfiei embaixo das cobertas. Meu avô tinha esquecido sabe-se lá o que. Foram incríveis quarenta minutos do meu avô no meu quarto, falando mil coisas que nem me lembro. Ele abria a porta do guarda-roupa, mexia, pegava uma blusa. Mudava de ideia, abria de novo, mexia e pegava outra. E aquele calor do Rio de Janeiro!

Finalmente, o general Wischral foi embora e elas libertaram um Cazuza que parecia mais um peru. Estava vermelho, pingando de suor e com os olhos esbugalhados. Caíram na risada.

– Ficamos mais uns bons incríveis minutos gargalhando.

Também nesse apartamento, a netinha deu um baita susto no general. A festa na casa de um amigo havia terminado, mas a noite ainda clamava pelos festeiros. Foram todos para o apartamento de Cassia. Seu avô estava em viagem. A excitação da descoberta de um lugar sem hora, nem limites, a hospitalidade daquela anfitriã encantada... Toda a sorte do final da década de 70 e “algum remédio anti-monotonia”. Foram surpreendidos pela volta precoce do general, mas a surpresa maior foi a dele que, com suas palavras de peso militar, ordenou o fim da algazarra. Hoje, a baixinha leva o olhar para longe, com o semblante sério, e lembra como foi difícil ouvir as palavras daquele homem.

– Eu aprontava muito, demais mesmo, mas não sacaneava ninguém. Aprontava assim, “fazendo merda”, bebendo, experimentando tudo. Mas a gente nunca fez uma maldade sequer para alguém.

Por volta de seus 27 anos, retornou a Curitiba, mas não deixou de visitar seu avô e a Cidade Maravilhosa. Um dia, Olinda morreu. A notícia correu na mídia e pessoas paravam Cassia na rua para lhe dar condolências. Logo em seguida, foi morar com a irmã uruguaia de sua mãe, a tia Mirta. Compraram um terreno em Itapoá, no litoral de Santa Catarina, e abriram uma sorveteria na avenida principal.

– Bourbon Street. Adorávamos essa sorveteria. A cidade toda aparecia lá. Aí apareceu essa tal de rádio comunitária, e tinha esse “cara” que eu não podia ver. Era apaixonada por ele.

Rita de Cassia se jogou no rádio, por amor. Apresentava o Jornal da Rita das 8 às 10 horas e das 12 às 13 horas, de segunda a sexta-feira. Aos sábados, ficava no ar das 8 horas ao meio-dia.

– Eu não sabia nem qual era o lado certo do microfone e largaram o jornal na minha mão. A cabine tinha vista para o mar. Um sábado desses, gritei para o assistente: “Juliano, venha cá! Arranje um cabo de 40 ou 50 metros para mim”. Ele ficou me olhando desconfiado, mas trouxe.

Assim, Rita criou uma extensão para o microfone que, ligado à mesa de som na cabine, era arremessado janela abaixo. Passou a apresentar o programa na areia, interagindo com os ouvintes. Rita desenvolveu a reportagem na Rádio Comunitária de Itapoá, trabalhou como radialista por dois anos e não recebeu salário.

– Foi a única vez que trabalhei na vida e nunca me pagaram! Olha o trauma!

Nessa época, passou no vestibular para Jornalismo na Uniandrade, em Curitiba. Nunca colocou os pés lá. Por volta de seus 30 ou 35 anos, descobriu um câncer na mama e começou a surfar. Recorda que era tanto carinho, tanta atenção dispendida pela família, que mal se importava. Em um só mês, o general Wischral chegou a gastar R$ 100 mil. Não perguntava onde ficava a clínica e nem quanto custava o médico: sabendo de um novo tratamento, uma nova esperança, ele colocava a neta em um avião. Há quatro anos o câncer estabilizou. E há quase dois, Rita toma o ônibus em Itapoá para cursar Jornalismo no Bom Jesus/Ielusc, em Joinville. Se tem medo de morrer?

– Acabo de comprar uma moto zero, não posso morrer agora. Tudo pode esperar nessa vida.


*Luísa Desiderá é estudante de Jornalismo do Bom Jesus/Ielusc

800x600. ©2005 Agência Experimental de Jornalismo/Revi & Secord/Rede Bonja.