A Companhia de Teatro da Univille apresenta a peça O quadro das
maravilhas na manhã de sábado (29 de agosto), na praça Nereu Ramos, em
Joinville. O espetáculo de rua tem início às 11 horas e faz parte de um roteiro
que inclui outras 13 apresentações gratuitas em espaços abertos. O grupo fez a
estreia da montagem no dia 12 de agosto, durante a Semana da Comunidade da
Univille, e encerra o périplo somente na tarde do dia 28 de novembro, na
Secretaria Regional do Vila Nova. Até lá, a peça será apresentada nos bairros
Aventureiro, Iririú, Jardim Paraíso e Itinga, além de passar pelo Mercado
Público, pela Estação da Memória, pela Festa das Flores e pelo distrito de
Pirabeiraba.
O quadro das maravilhas é texto do francês Jacques
Prévert adaptado a partir do entremês O retábulo das maravilhas escrito
no século 17 por Miguel de Cervantes. “Um entremês é um pequeno episódio teatral
cômico que apresenta uma crítica social”, explica a diretora da companhia,
Ângela Finardi. “Daí sua grande relação com o teatro de rua: é popular e
satiriza os usos e costumes vigentes”. Nesta farsa medieval, os atores Chanfala
(interpretado por Cláudia Zimbro) e Quirina (Bia Alvarez) apresentam aos nobres
e aristocratas um espetáculo que, dizem, só pode ser visto pelos cultos,
eruditos e bons cristãos – numa relação bastante próxima com o conhecido conto
A roupa nova do rei. Em diálogo com o cotidiano contemporâneo, o enredo
da peça explora uma atemporalidade que ora se desenrola entre camponeses do
feudo e damas medievais, ora entre operários e policiais da cidade atual. A
trilha sonora criada por Andréia Rocha e Vinícius Ferreira especialmente para
esta montagem é executada ao vivo pelos atores, da mesma forma como a preparação
do cenário, a maquiagem e a manipulação do figurino são feitas às vistas do
público em meio a canções de chamamento para o início da apresentação.
Em
sintonia com o amadurecimento que toda a cena teatral joinvilense vem
experimentando ao longo dos últimos anos, a Companhia de Teatro da Univille
dedicou sensível atenção à preparação física e vocal dos atores e à sofisticada
construção visual do espetáculo, especialmente para o cenário e o figurino que
precisam ser versáteis para facilitar o deslocamento e a utilização em condições
de rua diversas. Também nessa mesma perspectiva de amadurecimento, a equipe
técnica da Companhia conta com a experiência de Silvestre Ferreira (Dionisos
Teatro) na assessoria pedagógica e Lucas David na concepção dos figurinos,
adereços e maquiagem, além de Andréia, Vinícius e da própria Ângela Finardi na
direção, preparação corporal e preparação vocal dos atores – função na qual
divide as responsabilidades com a fonoaudióloga Daniela
Cherobin.
Confira, abaixo, trechos da entrevista com Ângela Finardi,
diretora de O quadro das maravilhas:
Revi: Por que a
escolha de um texto de Prévert para a montagem? Que razões levaram o grupo a
optar por um texto "de época" para encenar?
Ângela Finardi: Sabia
de antemão que queria trabalhar a estética do teatro de rua porque é um bom
exercício de atuação e porque casa com a proposta de extensão da universidade,
que desenvolve trabalho nos bairros. Pensei que uma peça que pudesse ser levada
a lugares onde as pessoas não têm acesso ao teatro seria interessante. Já
conhecia O retábulo das maravilhas do Cervantes quando fiz parte do Grupo
Unicórnio e trabalhei criando a trilha sonora da peça junto com Guilhermo
Santiago, em Itajaí. O texto do Prevért me foi apresentado pelo Hélio Muniz,
também diretor de teatro, quando pedi uma sugestão de texto curto para uma
montagem com um grande elenco. Eu não conhecia Prevért e fiquei encantada ao
pesquisar sobre ele. Ele era um artista que tinha o hábito de trabalhar em grupo
e assumiu-se como artista que cria “com o outro”, seja este um amigo ou um
artista com o qual ele tivesse afinidade. Tanto Cervantes quanto Prévert são
incômodos nas sociedades que não assumem a transparência, preferindo a aparência
ao bem-estar ilusório, recusando a encarar a realidade muitas vezes cruel. Ver
apenas o que se quer ver, o que se fantasia e que não é necessariamente a
realidade é o que Cervantes propõe. Prévert vai além, mostrando o universo dos
oprimidos e levando-os à revolução, busca uma identificação de linguagem e de
pensamento com o mundo dos marginalizados. A adaptação do Prévert torna o texto
atemporal e procuramos explicitar essa opinião também na criação das personagens
e dos figurinos, que perpassam várias épocas.
Há quanto tempo esse
grupo de atores trabalha junto e há quanto tempo O quadro... vem sendo
preparado?
Há muito pouco tempo. Conhecia apenas o Carlos (Filardo) e a
Larissa (Ramiro), que também não tinham trabalhado juntos. Conheci o elenco
neste ano. Eu e o Silvestre fizemos um teste para novos integrantes e os ensaios
começaram no fim de março. Foi uma montagem feita aproveitando ao máximo o
tempo, com elenco comprometido e apaixonado.
Fale sobre a música e o
figurino de O quadro...: eles ganharam atenção especial nesta montagem,
não?
Sim. A música executada ao vivo é incomparável. Não concebo teatro
de rua com som mecânico. O Vinícius Ferreira e a Andréia Rocha se fizeram
presentes desde as primeiras leituras e fomos trabalhando as inserções com os
instrumentos disponíveis. Houve muita empatia no trabalho com eles. A criação
fluía e o elenco mergulhou de cabeça. A Mari (Denegredo), que faz a criança, é
muito esforçada e aprendeu a tocar harmônica com o auxílio de um DVD. Ainda
temos o desafio com os atores de melhorarmos a última música. São atores
cantando. Desejo também que sejam cantores atuando... Estamos trabalhando nisso.
O figurino é grandioso e achamos – eu e o Lucas – que teatro na rua deve chamar
a atenção mesmo. Alguns truques como a calça que cai e os peitos da viúva
recatada funcionam bem na cena e demonstram o virtuosismo do figurinista. O
Lucas criou também a maquiagem, que acho bela e funcional.
Que
movimentos – acasos, oportunidades, relações – colocaram um grupo tão experiente
e qualificado junto a um grupo sem pretensões profissionais?
Penso que
tanto os mais experientes quanto os menos experientes temos em comum o amor pelo
teatro. Eu, o Lucas, a Andréia, o Vinícius e o Silvestre sentimos a imensa
responsabilidade também da docência, em demonstrar que além de amor tem de haver
muito trabalho. O elenco se coloca disponível. É um relacionamento de tanta
confiança que os atores depositam na direção, que devo fazer jus. É um trabalho
conjunto de amor e responsabilidade. Meu primeiro trabalho foi com Lucas David.
Vejo-o como um grande mestre, um grande artista. Quis oportunizar aos atores o
convívio com ele. A Andréia e o Vinícius foram também um presente na montagem,
fizeram um ótimo trabalho. O Silvestre, sempre que solicitado, se demonstrou
acessível, aberto e deu opiniões importantes.
Que tipo de reações e
receptividade o espetáculo tem recebido do público?
A receptividade tem
sido muito boa. Os passantes param e ficam. Interagem em alguns momentos. Na
semana passada, no bairro Costa e Silva, choveu. Como a plateia ficou imóvel –
apenas alguns trataram de abrir as sombrinhas – ficamos imóveis também. A chuva
foi parando e foi muito bacana. Em São Bento sentimos a platéia mais fria, mas
creio que isso se deu em virtude do palco, que era muito alto e a produção do
local, a Univille de São Bento do Sul, fez questão que nos apresentássemos nele
ao invés de apresentarmos no chão, na altura da plateia. O espaço interfere na
relação ator-público.
Concordas com a afirmação de que o teatro em
Joinville tem se tornado mais profissional e mais maduro? Que
fatores você apontaria como decisivos nesse processo e como isso tem acontecido
dentro da Companhia de Teatro da Univille?
Certamente vejo os grupos mais
maduros, com produções mais consistentes. Existe um movimento teatral
organizado, com vários grupos e com uma associação, a Ajote. As produções
conseguem manter o galpão de teatro da Ajote com apresentações todos os fins de
semana do ano. Temos tido premiações em festivais com grupos como a Dionisos e a
Metamorfose. Os fatores que contribuíram para isso, pelo menos de 10 anos para
cá, foram um número considerável de pessoas produzindo e ensinando teatro como o
Silvestre (Dionisos), o Nando Moraes e eu (Cia de Teatro da Univille), a Sabrina
Lermen e o Borges de Garuva (Ielusc), o Hélio Muniz (Multibrás), para citar só
alguns; a realização de mostras de teatro pela Ajote trazendo críticos e
oficinantes e possibilitando o intercâmbio com outras companhias e, mais
recentemente, a circulação dos espetáculos e oficinas promovida pelo Sesc. A
Companhia de Teatro da Univille é vista como um celeiro de novos artistas. Pela
companhia já passaram pessoas que hoje têm seus próprios grupos e um trabalho
reconhecido: Samuel Kühn, Vinícius da Cunha, Daiane Dordette e Danielle
Pamplona, Norberto Deschamps, Alex, Geane Vieira, Raphael Vianna, Eliane
Ramin... Como muitos dos participantes são universitários e trabalham, o tempo
para a formação é curto. Penso que conseguimos fazer um bom trabalho no curto
espaço de oito a dezesseis horas semanais. Sonho ainda com um curso de formação
mais amplo.
Quanto ao termo “profissional”, tenho minhas ressalvas por dois
motivos: o primeiro é que ainda não há um curso de formação de atores, diretores
e técnicos em Joinville. Há pessoas que pensam que para ser profissional basta
resolver “viver de teatro” e há ainda os que pisam no palco pela primeira vez e
resolvem que são profissionais. O segundo, porque sinto nostalgia de um tempo em
que as pessoas se reuniam para formar um grupo com uma ideologia e uma linha de
pesquisa e, daí, realizar suas montagens – coisa que não ocorre mais. Há uma
tendência nacional hoje no teatro profissional: as pessoas se reúnem em torno de
projetos de montagem. É tudo mais rápido. Penso que o processo de treinamento do
ator fica prejudicado pela ausência de um grupo.