Revi: Fale sobre a sua infância: onde nasceu, sua
família...
Jacques Mick: Eu nasci em Concórdia, no oeste de Santa
Catarina. Eu tive uma infância muito corrida, meus pais mudaram muito de cidades
durante a minha juventude. Eu morei em nove cidades até me estabilizar em
Florianópolis, a partir de 1988, onde eu moro até hoje. Logo que eu nasci em
Concórdia, meus pais se mudaram pra Passo Fundo e depois nós nos mudamos
sucessivamente para Concórdia, Chapecó, Blumenau, Curitiba, Novo Hamburgo, São
Leopoldo, Porto Alegre e depois para Florianópolis. Então talvez o traço mais
marcante da minha infância, início da minha juventude, tenha sido essa
experiência migratória. Foi uma experiência que não me deixa com muitas raízes.
Isso serve à minha vontade de mudança, ou mesmo pra entender as lógicas de
continuidade de ruptura em que certa medida acaba caracterizando uma parte da
minha vida até aqui. Jacques fala sobre a infância e seu contato com o rádio.
Quando decidiu escolher o jornalismo?
Foi na parte final
do ensino médio. Durante o segundo grau, eu tive uma pequena militância num
grupo de jovens da igreja católica e num processo de organização eu acabei me
envolvendo com grupos que faziam política na escola, aproximando-me do pessoal
ligado ao PT. Junto com eles montamos uma chapa para concorrer ao grêmio
estudantil da escola, que era a segunda maior do Rio Grande do Sul, a 25 de
Julho, e ganhamos a eleição, ganhamos muito bem. Foi uma experiência muito
interessante. Era bem jovem, ser presidente do grêmio de uma escola bem grande,
liderando assembleias para mais de 700 alunos, no contexto de muita greve do
serviço público estadual. Jacques conta sua experiência no Grêmio Estudantil.
Você fez vestibular para Direito por esse mesmo motivo?
No
último ano em que eu morava em Novo Hamburgo, meus pais se mudaram de volta para
Blumenau. Eu optei por começar a morar sozinho, aos 16 anos, porque eu tinha um
mandato pela metade, e eu tinha um curso técnico de tradutor intérprete em
inglês. E eu não queria mudar nada disso, eu queria levar o mandato até o final,
terminar o curso. E tudo isso com uma vontade enorme de construir minha própria
vida, de tentar ser independente o mais cedo. Eu tinha com a renda que eu
ganhava no meu trabalho condições básicas de sobrevivência, e eu iria morar
junto com o amigo que era vice-presidente do grêmio. Quando terminou o segundo
grau, era natural que eu fosse pra Blumenau e lá eu tinha duas possibilidades:
iria para a UFSC e estava claro que eu faria Jornalismo, ou à Furb, e não tinha
coisa que me interessasse. Eu acabei fazendo vestibular para Direito, não por
uma vocação profissional. Passei nos dois e fui para Florianópolis e voltei a
morar sozinho.
Essa independência também foi recorrente na
faculdade?
Eu nunca precisei de ajuda para sobreviver. Em 1990, eu
comecei a trabalhar no Sindicato dos Bancários. Jacques relembra as primeiras entrevistas que fez como
repórter...
Como decidiu fazer mestrado?
Em 1994, eu senti
que as coisas estavam se repetindo muito na minha experiência profissional no
Sindicato dos Bancários, eu achei que não estava aprendendo mais. Eu tinha me
formado no dia 1º de maio de 1992, tinha feito coisas legais, mas achei que
estava me repetindo. Tomei a decisão de me demitir de um emprego que era bem
remunerado. Minha mulher tinha uma renda, eu tinha alguma reserva e nós fizemos
um “pacto doméstico”. Tínhamos acabado de casar, era no começo de 1994. Eu vou
tentar viver de free-lancer, queria experimentar outras coisas e me preparar
para o mestrado no ano seguinte, numa outra área. Então foi assim, eu larguei o
sindicato em julho, peguei a bibliografia e comecei a ler. Como eu tava com
dedicação exclusiva para isso, eu pude ler todos os livros e logo fiz um projeto
de pesquisa.
Como começou a dar aula?
Em 2001,
as coisas rolavam em paralelo, quando vim para o Ielusc: o término da minha
formação no doutorado e a retomada da investigação com o jornalismo. Eu diria
que a partir de 2004 é que eu pude, de maneira mais sistemática, voltar a me
dedicar, a pensar numa teoria do jornalismo. Então eu poderia dizer que durante
a minha formação eu não me preocupei com temas jornalísticos, só agora que eu
estou fazendo isso. Eu tinha um grupo de amigos que dava aula aqui: Samuel
Pantoja Lima, Sérgio Murilo de Andrade e o Gastão Cassel. No final do ano, no
período da semana acadêmica, o Edelberto Behs, que era o coordenador do curso,
me convidou para falar sobre uma experiência que eu tinha tido um ano antes: na
eleição de 2000 para a prefeitura de Florianópolis eu montei uma equipe de
jornalistas que voluntariamente criou um site de cobertura das eleições
municipais. Foi uma experiência jornalística muito interessante, porque naquela
altura, no início da expansão da internet comercial no Brasil, só havia projetos
para produção de conteúdo na internet. Então os portais eram nacionais, não
tinham preocupações, foco para o público regional, local. E nós desenvolvemos
uma experiência de fazer uma cobertura jornalística local voltada para o público
local, tentando criar uma comunidade mais próxima e para testar. Nós fizemos 45
dias de cobertura e terminamos por absoluta incapacidade de faturar qualquer
real. Foi um sucesso do ponto de vista de experiência e um fracasso no ponto de
vista de modelos de negócio. Então, o Edelberto Behs me convidou para contar
essa experiência numa oficina. Eram dois turnos, sexta à noite e no sábado de
manhã, e o Behs tinha uma técnica de avaliar a potencialidade dos professores.
Ele perguntava para os alunos o que eles tinham achado da disciplina, se o
professor era bom. Convidou-me para dar aula de rádio no ano seguinte. Bom, eu
nunca pensei em dar aula, para ser franco. Aliás, na entrevista para o
doutorado, uma das zonas de tensão foi justamente essa. Perguntavam-me: ”Por que
tu pretendes fazer doutorado, se você não pretende dar aula?”. E eu respondi que
achava que o mercado precisava de doutores, que não via motivo que fossemos
fazer doutorado só pra dar aula. Eu fui ter uma experiência docente só três anos
depois. E a experiência na sala de aula é apaixonante.
Como você vê Joinville?
Joinville tem mudado muito. É uma
cidade que tem se tornado mais cosmopolita. Talvez por parte das políticas
públicas, mas a minha esperança – talvez eu estava sendo ingênuo – é de que o
aumento da oferta de cidadãos com ensino superior, com uma formação mais
abrangente, mais capaz de olhar criticamente pra cidade também ajuda a fazer com
que a experiência seja diversificada Jacques pensa na cidade e comenta sobre os jornalistas que foram
seus alunos e hoje trabalham na prefeitura
Qual foi o legado que
você deixou aqui no Ielusc?
Isso quem pode responder são as outras pessoas...
Quais projetos você deixa em andamento?
No último semestre,
com a turma de Redação III, alguns alunos se envolveram num processo de apuração
jornalística que vai resultar numa espécie de livro-reportagem. Uma coletânea de
matérias sobre os atletas paraolímpico cegos, que são campeões mundiais, que
treinam na Ajidevi. Lucas Prado é recordista mundial dos 50 e dos 100 metros
entre corredores totalmente cegos. Ele treina aqui em Joinville, com o maior
técnico do Brasil. Então definimos uma pauta, eles produziram essa reportagem eu
os avaliei no final deste semestre, e pedi pra fazer uma apuração adicional.
Agora eles estão me entregando a versão final dos textos e eu pretendo fazer
mais algumas alterações, intervir no texto novamente e organizar uma publicação.
O segundo livro tem uma concepção mais ambiciosa. É uma coletânea de artigos de
professores e de ex-professores do Ielusc sobre o ensino de comunicação. É um livro que tem um objetivo de procurar compartilhar as
experiências de sala de aula, com um conjunto bem legal de professores que
passaram por aqui. Em paralelo a isso, no segundo semestre, eu vou terminar
um livro que diz respeito a uma pesquisa sobre as percepções dos trabalhadores,
dos jornalistas do A Noticia, sobre as mudanças no conteúdo do jornal implantado no contexto da
concentração de propriedade.
Fale um pouco sobre a matéria da
venda do jornal A Notícia para o Grupo RBS, que foi publicada no
Observatório de imprensa.
Foi uma matéria
que deu muita repercussão. Na verdade, o que aconteceu é que um ano depois
da venda ter sido consumada, a história ainda não havia sido bem contada. Ela
tinha sido contada fragmentadamente por colunistas, ou em notas de jornal, em
artigos no Observatório de imprensa. Mas a história, com os bastidores,
com o modo como diversos fatores políticos se envolveram com aquela negociação,
com os argumentos, com os valores, com todo esse conjunto de questões que
envolvem um negócio milionário não tinha sido contada. Eu achei que era uma boa
história pra contar e comecei a fazer a apuração, ligando paras as fontes e
dizendo: “Eu sou professor do Ielusc, estou fazendo uma reportagem, eu não sei
onde vou publicar, não tenho nenhum veículo interessado em publicar, mas eu vou
fazer a apuração igual e quero terminar perto de agosto quando fecha um ano do
negócio”. E foi assim, todo o mundo entrou no jogo.
Jacques
dá detalhes sobre a agência Quorum Comunicação:
Começou em 1995, eu e o Gastão Cassel, meu sócio, analisamos que
tínhamos mercado para isso.
Jacques, você se considera um bom
chefe?
Eu sou um bom chefe, na verdade eu sou um excelente chefe. Eu pago
os salários rigorosamente no último dia do mês, sem nenhum dia de atraso. Eu
tento até ser um pouco menos rigoroso. Eu diria que as pessoas que trabalharam
comigo nesse último período gostaram muito. Eu digo isso porque até agora nenhum
deles nos processou. Nunca tivemos uma contingência trabalhista e se isso diz
uma coisa, talvez diga da qualidade dessa relação.
O que você acha de
ser considerado o professor sex symbol do Ielusc? Como lida com o assédio de
alunas?
Eu acho que é algo que eu posso identificar como uma espécie de
erotismo na experiência docente. Acho que a gente precisa se empenhar no sentido
de convencer, de provocar a paixão dos alunos por um tema, por um assunto, uma
pergunta, uma dúvida, uma problemática. Quando os alunos se apaixonam por isso,
alguns deles acabam definindo, projetando também um afeto que é de outra
natureza sobre o docente. Eu não estou falando isso sobre mim, mas sobre vários
professores. Na maior parte dos casos, isso é recalcado por conta das dimensões
hierárquicas, isso costuma ser assim. Isso nunca me preocupou, nunca foi
central. No meu caso específico o que acontece é que eu de fato tento
demonstrar, sempre que possível, o tamanho da minha paixão pelos temas que eu me
envolvo, e isso às vezes contagia as pessoas. Isso é uma coisa incontornável.
Então eu diria que ser sex symbol é um bom problema.
Como estão as
aulas na UFSC?
Dar aula na UFSC é o melhor emprego do mundo.
Como
foi a saída do Ielusc e por que dar apenas quatro semanas de aula neste
semestre?
Foi uma transição discutida, eu soube no final do semestre
passado que eu seria convocado em algum momento neste semestre. Acabou sendo
mais cedo do que eu imaginava. Eu não sabia que começaria dando aula no começo
deste semestre na UFSC, o que acabou acontecendo. Eu vinha conversando isso com
o Melatti e ele, na composição da grade de professores para este semestre, já
foi previdente. Ele fixou a disciplina de Redação II para a professora Marília,
e combinou com ela que durante algumas semanas enquanto eu desse aula para os
alunos, até fechar a primeira avaliação deles, ela produziria outros trabalhos
para o curso, em termos da revisão curricular. Eu pactuei o programa da
disciplina com a Marília, nós nos apresentamos na primeira semana de aula. E eu
dei essas quatro primeiras semanas de aula, e estou entregando dos textos
corrigidos. Eu acho que foi uma experiência legal, foi boa pra mim, acho que
eles gostaram desse contato, apesar de breve.
Volta para visitar o
Ielusc?
Eu vou, durante o próximo período, manter um vínculo voluntário
com o Ielusc, no sentido de que eu vou fechar quatro orientações de monografias
em andamento. É um trabalho voluntário, não vou ser remunerado por isso.
O que você acha que acontece com o curso de Jornalismo?
O
Melatti e a Sônia têm um desafio daqui pra frente, que é a reconstituição do
corpo docente em termos de professores mais titulados, e no sentido de tentar
constituir uma polifonia, uma prioridade no corpo docente. Acho que uma coisa
que foi fundamental para gente ter um projeto bem sucedido de curso durante todo
esse tempo foi essa diversidade no corpo docente. Tinha muita gente com bastante
formação, com muita vontade de pegar firme e pensando diferente, no embate das
diferenças nós progredimos. Há uma sensação de perda natural, entre alunos
mesmo, colegas viram tanta gente boa como o Samuca, o Pedro Russi, o Felipe, o
Silnei e tantos outros que partiram para outros projetos, vincularem-se a outras
instituições, especialmente as instituições públicas que oferecem uma condição
de trabalho um pouco mais completa do que dispomos aqui. Em paralelo a essa reconstituição, que vai ajudar a retomar a
confiança de que o curso vai bem, tem o desafio de assegurar a sustentabilidade
institucional de organizações pequenas como o Ielusc.
Jacques opina sobre a competitividade entre as instituições de curso superior.