Durante o mês de abril, alguns integrantes da banda Fevereiro da Silva e Sanchez já haviam me alertado sobre um ótimo trabalho que estava sendo gravado em Curitiba. Ele foi lançado em maio pela banda joinvilense Alva e tem o título de Saudade do Futuro. O encarte me faz lembrar cartões postais antigos e essa ligação com o passado também dialoga com o método de gravação do disco. Diferente de outros álbuns, Saudade do Futuro – quando escutado em um bom equipamento de som – demonstra com clareza a técnica dos integrantes e a presença de backing vocals e instrumentos de apoio como pianos, teclados e trompete graças a uma reprodução fiel de timbres que é resultado da gravação em equipamento analógico. Em uma imagem do álbum, os músicos estão em ensaio – ou melhor, estavam: a Alva começou seus trabalhos em 2007 e ficou durante um ano nos estúdios. Formado por Rafael Zimath (guitarra e vocal), Jean Douat (guitarra), Lucky (baixo) e Thiago Fiuza (bateria), o grupo juntou conhecimento musical e, com proposta experimental, ganhou o Edital de Apoio à Cultura do Município de Joinville.
O álbum é o resultado do conhecimento musical desses quatro integrantes, artistas vividos no mundo do rock. Em Joinville, souberam unir essa técnica para se dedicar a um campo ainda pouco explorado na cidade, a criação de músicas próprias. O grupo se dedicou a fazer não só o diferente, mas o melodioso, o técnico, o calmo e o pesado. Digo que a ânsia de ouvir bandas joinvilenses se arriscarem nesses desafios me fez prestar atenção até o último segundo, o último acorde de “Valsa do Fim”.
Sobre as faixas
Nos primeiros 30 segundos de “Deixe sangrar”, a variação de riffs nos prende a atenção. Rafael Zimath segue um método ousado de acordes decrescentes e que lembram um pouco de pop rock. Já na “Acordei Bemol/Diminuto” uma bateria bem definida e ágil, acompanhada por guitarras e contrabaixo consistentes se transformam em viradas concisas que acompanham um trecho do poema “Acordei Bemol”, de Paulo Leminski. A banda também opta por uma introdução mais melodiosa em “Auto-Exílio”: a técnica dos integrantes possibilita uma quebra de frases, com distorções mais intensas acompanhadas de aparatos eletrônicos e de um breve teclado.
Assim como sugere a música “Desista”, é “melhor sentar e escutar”: “Não há chance, não há conserto, não há nada” e o discurso enfático da letra é bem acompanhado pelo peso das notas. A percussão adicional é bem acentuada, assim como como a bateria e os acordes. Em “Dançando sobre o abismo”, os experimentos como o recurso do trompete e o embalo do jazz presente no meio da canção parecem não contradizer os efeitos dissonantes que também integram a música. Os acordes dessa faixa demostram uma influência de Fugazi. Na minha opinião, essas duas últimas músicas são as melhores faixas do álbum.
Para quem gosta de música instrumental, “Nimbo” comprova a capacidade de criação de Rafael Zimath e Jean Douat numa bela e breve faixa de dois minutos, bem acompanhada pelo piano e os teclados de Jean Sabatovicz e pelas cordas de Gabriel Vieira. Tratando a vida sentimental como um automóvel, a divertida canção “Retromotor” mostra que a harmonia também se estende em trechos leves. As mudanças frequentes de riffs evidenciam, de certa maneira, o espírito incerto das relações humanas.
Destaco também a música “Sonata para Samsa”, na qual as palavras “uniforme” e “prisão” me remetem à vida dos operários da cidade. O romance A Metamorfose, de Franz Kafka, onde o personagem Gregor Samsa vive a rotina de um trabalhador é sugerido pela música que, através de um embalo contagiante, desperta uma boa sensação de incômodo. Nessa canção encontro um rock que, salvo o meu engano ou a minha inexperiência, lembra um pouco de Pearl Jam e de Alice in Chains.
Sem medo de falar sobre o amor, a faixa “Coragem” é outra música triste e intrigante, com um dedilhado que retrata bem o espírito “você me deixou” e o “gosto de vinagre” de um amor não correspondido. Já em “Devaneio” ressurge o incômodo que é bem-vindo com psicodelismos em forma de sons e e distorções – realmente um devaneio presente na letra e nos acordes. Uma espécie de rockabilly bem elaborado introduz “Valsa do fim”, que nos distrai ao ponto de esquecer que já estamos na última música do álbum, um fim que, na verdade, “não terminou” – e que esperamos que seja registrado em próximos álbuns da Alva.
Sobre a gravação
A produção de Saudade do Futuro foi feita pelo Alva com colaboração de Victor França, Val Ofílio e Gabriel Vieira. Participaram também os músicos Anderson Dresch, Rogério de Souza Leitum e Jean Sabatovicz. O baterista da banda, Thiago Fiuza, disse à Revi que todos os integrantes consideraram fantástica a experiência de gravação no Solo Recording Studio. Segundo o músico, todo o processo de gravação foi analógico, o que é bem mais complexo que o digital: quando se erra alguma coisa é preciso voltar ao início da música e gravar novamente. “Hoje estamos bem mais experientes e rigorosos”, completa Fiuza. As sessões de estúdio exigiram o uso de equipamentos periféricos como amplificadores valvulados e uma mesa de som analógica, com o auxílio de softwares mais antigos. Todo esse equipamento revela a essência da música da Alva através de um som idêntico àquele originalmente produzido pelos instrumentos e menos uniforme, como acontece nas gravações digitais.
Saudade do Futuro contou com a originalidade da designer Cinthia Larissa da Costa na arte gráfica da embalagem e foi financiado com recursos do Edital de Apoio às Artes de Joinville. O baterista afirma que foi gasto mais dinheiro do que valor o disponibilizado pelo Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec), mas o investimento valeu a pena. Os CDs podem ser encontrados à venda na Rock Total, nas Livrarias Curitiba e através do MySpace.