O furo desta reportagem não está nas ruas, mas nas principais redações dos jornais impressos de Santa Catarina – Diário Catarinense e A Notícia –, que pararam as máquinas ao saber das mudanças de comando anunciadas há duas semanas.
A família Sirotsky anunciou mudanças nos principais veículos impressos de seu império, o Grupo RBS, em Santa Catarina. O editor-chefe do jornal A Notícia, Nilson Vargas, deixou o cargo no dia 29 de junho, rumo ao comando do Diário Catarinense, substituindo Cláudio Thomas. Em seu lugar assumiu o atual editor-executivo, Domingos Aquino. Após dois anos e oito meses, mais uma era Vargas chega ao fim, encerrando um conjunto de alterações que transformou um jornal de 85 anos em um legítimo produto da RBS.
O diretor-geral Marcos Barboza e o diretor de produto Cyro Martins comunicaram, em 16 de junho, a troca de cadeiras em três veículos do conglomerado. Em Florianópolis, Thomas despediu-se da redação que coordenou durante onze anos, e segue para ser o novo editor-chefe do Diário Gaúcho, o sétimo jornal na lista das maiores tiragens do Brasil. Quando assumiu, o título tinha pouco mais de dez anos de vida, dava prejuízo e sofria com a concorrência do joinvilense A Notícia – que tentava aumentar a circulação na Capital. O cenário é completamente diferente hoje. O editor-executivo Tarcísio Poglia assumiu temporariamente o DC, enquanto Nilson Vargas articulava sua transição em A Notícia.
Uma hora depois do anúncio dado em Florianópolis, o diretor regional Luiz Cardoso – o nome da RBS em Joinville – parou a redação de A Notícia e disse: “Nesse momento, na caixa de e-mails de vocês, deve estar o comunicado oficial”. Logo após a formalidade, Nilson Vargas e Domingos Aquino conversaram com a redação.
A terça-feira tumultuada
O primeiro semestre de 2009 reservou dois grandes momentos para Domingos Aquino. Logo no início nasceu seu segundo filho, Arthur. Ele estava nos braços do pai, quando Aquino foi anunciado como futuro editor-chefe de A Notícia. Domingos entraria em férias naquela semana, mas teve que adiar. “Estou muito contente com a escolha, fiz questão de estar presente na hora de anunciar isso”, declarou. Tanto que levou Arthur, hoje com cinco meses. “Eu não tinha com quem deixá-lo naquele dia”, explicou.
Na manhã daquela terça-feira, quando o site De olho na capital anunciou com exclusividade a saída de Thomas do DC, rolou uma tensão na redação de A Notícia. “Nós sabíamos que o Nilson iria ficar no lugar do Thomas, mas estávamos em dúvida se viria alguém de fora para assumir o AN ou se seria alguém da casa”, comentou um repórter. Já era previsto que Nilson Vargas fosse para Florianópolis, só que ninguém sabia quando isso aconteceria, nem o próprio Vargas. “Eu esperava que fosse demorar mais um ano para que essa transição pudesse acontecer, foi inesperado mesmo”, afirmou. As dúvidas da redação foram dissipadas no mesmo dia.
Nilson Vargas é uma pessoa inquieta. Ele mesmo confirmou isso na semana passada. “Estou fazendo uma coisa e já quero fazer outra, vocês sabem que sou assim. É do meu perfil passar por várias redações, encarar vários desafios. Desde o começo desta década, já morei em quatro cidades diferentes, liderando projetos importantes e diferenciados em cada uma delas”, declarou aos subordinados.
Na quarta-feira (17 de junho), as emoções de Nilson Vargas se inverteram: seu pai falecera, e ele teve que ir para Santa Maria (RS).
Mudanças no A Notícia
Antes da era Vargas, o jornal era estadual e mantinha uma sucursal em Florianópolis, onde era feito um caderno de 8 a 16 páginas. Com a chegada de Nilson, a pressão sobre os profissionais aumentou. A cobrança também. O caderno e a sucursal da Capital foram diminuindo até deixarem de existir. O jornal passou a dar um valor muito maior à arte e à infografia. Com o foco voltado para a região de Joinville, AN adotou um tom mais crítico, especialmente na cobertura da Prefeitura e da Câmara de Vereadores. Passou a pautar temas que eram tabus na redação, como a relação entre as empresas de ônibus e o município, tema que nunca fora discutido, pela proximidade do antigo dono, Moacir Thomazi, com o empresariado da cidade.
Ao passar o bastão, Nilson devolve a Domingos um comando que ele já exerceu na prática, na gestão pré-RBS. Quando Nilson chegou, Domingos era o número dois da redação, capitaneada pelo antigo editor-chefe, Luís Meneghim. Segundo Domingos, Meneghim é um excelente profissional e entende muito de jornalismo, mas, naquele modelo de jornal, ele tinha uma missão mais administrativa e institucional. No dia-a-dia, Domingos era quem comandava a operação – mas a última palavra era de Meneghim. “Agora, com a saída de Nilson, a única coisa que muda é o nome. É uma mudança serena. Não terá mudança no produto”, garantiu Domingos. Nilson Vargas frisou isso também durante o discurso. “Se não de direito, de fato é o Domingos quem pilotava a redação”.
Domingos como capitão
Domingos completará 44 anos em julho. Trabalhou em A Notícia de 1988 a 1992. E de 1995 até hoje. Entre 1992 e 1995, trabalhou com comunicação interna na Tubos e Conexões Tigre. A experiência no AN fará diferença nas futuras decisões. Há uma semana, ele e Vargas estão em reuniões constantes devido à transição.
O maior receio dos repórteres é de A Noticia se tornar semelhante ao Santa, de Blumenau, um diário com o padrão RBS, mas exageradamente local. Domingos afirma que não haverá mudanças. “Temos esse compromisso com Joinville e com a região Norte do estado há 86 anos. É uma vocação com o localismo, sempre com o noticiário estadual, do país e do mundo. Mas a aposta principal é Joinville”, confirmou.
O cargo de editor-executivo ainda não está decidido. “Estamos conversando sobre um modelo. A Graziela Lindner e a Suzana Klein irão ajudar a coordenar a redação, isso é certo”, confirmou. Muitos repórteres – uns sete – estão na torcida para irem junto com Nilson para Florianópolis. Domingos garante não saber nomes. “Eu não sei, a RBS é grande, permite essa possibilidade de ascensão profissional mudando de posição, como aconteceu no meu caso, mas não sei vai algum repórter do AN para o DC”. Mesmo com o fim da exigência do diploma para exercer a profissão de jornalista, decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 17 de junho, Domingos explica que o AN vai priorizar profissionais graduados na área.
No ataque: Nilson Vargas
Nilson Vargas sempre jogava futebol com a galera no sábado. Segundo Nilson, antes de começar Jornalismo, ele ficou em dúvida entre a profissão e o futsal. E ele ainda joga muito bem. Parece que está trabalhando, porque fica articulando as jogadas exatamente como um chefe de redação. Vargas não era o capitão do time, mas jogava no ataque. Talvez use a mesma estratégia na cobertura política da Capital.
O ataque é uma característica evidente nas coberturas realizadas durante esse período em Joinville. A redação de A Notícia acredita que o DC ganhou um grande editor-chefe. “Temos certeza que ele fará um excelente trabalho lá, principalmente na cobertura política. O Nilson não gosta de políticos”, frisou um dos repórteres.
É normal que o jornal reflita o que a cidade está vivendo, se é política vai ser política”, comentou Domingos, em relação à linha editorial de A Notícia. De acordo com um repórter, a mudança era necessária. “Esse foi o trabalho do Nilson Vargas no AN: levantar a auto-estima da redação com muita cobrança. Agora ele já não tinha mais de onde tirar motivação da galera, estava na hora da troca mesmo”, analisou. O regime de cobrança implantado por Vargas é visto por muitos como um fator positivo. “Ele colocava a gente no fogo. Fez isso com todos, não só com os repórteres. Achávamos que não iríamos conseguir e depois o trabalho estava pronto. Era comemorar”.
O último “pescoção”
25 de junho. É dia de despedida na redação, com direito a discursos e salgadinhos. Nilson faz uma fala emocionada, dizendo que aprendeu muito no jornal. Ele ganha um quadro com uma foto de todos da redação de A Notícia, mas a festinha de despedida não termina ali. Nilson convida a equipe para uma esticada no bar do Fritz, depois das 23 horas.
No bar, Nilson diz que ainda nem arrumou as malas para a viagem. Não sabe onde vai ficar, e talvez durma durante a semana na casa de um amigo. “Não vai ser uma mudança radical. Minha família vai continuar em Joinville até o final do ano”, explica. Nilson conta que ainda precisa conversar com o filho, que está no terceiro ano. “Tenho que ver se ele quer terminar o ano aqui, e onde vai fazer vestibular”.
Perto das duas da manhã, Nilson vai embora. “Pessoal, eu tô indo, porque amanhã eu ainda trabalho com vocês. E vai ter pescoção”. O trabalho de sexta-feira é complicado: é quando a redação tem que fechar as edições de sábado e domingo. Nilson se despede, mas deixa o paletó na cadeira. Aos poucos, repórteres e editores vão saindo, mas ninguém repara na peça esquecida. Fiquei no bar até as cinco horas e fui embora usando o paletó do editor-chefe.
Na sexta-feira, dia de pescoção, passei no jornal num horário complicado para devolvê-lo, às 19 horas. Ainda assim, Nilson foi até a recepção, todo bobinho, fazendo risinho com o canto da boca. Estava todo preocupado com o que tinha falado na entrevista, porque já nem lembrava disso. Recordava apenas que as minhas perguntas eram “provocativas” e que eu não estava com um bloquinho na hora.
”Não é dar uma de esperto, mas não consideraria que estava sendo entrevistado. Só lembre que, quando não anota, não grava, o repórter precisa tomar muito cuidado com o que extrai da memória”, disse ele, me ensinando. “E, apesar do estado etílico, eu lembro de em algum momento eu ouvir que você iria me mostrar algo em torno da matéria...”, sondou. Prometi que enviaria, mas só depois que o professor entregasse a nota pelo trabalho.
“Não vou para o DC ser apenas um síndico”: Entrevista feita por e-mail, no dia 23 de junho.
Como você vai para o DC, é esperado que leve alguns repórteres para mudar o jornal da capital. Quais são os teus repórteres de confiança de A Notícia e que poderiam estar na lista para entrar na tua malinha para Florianópolis?
Toda a equipe do AN é da minha confiança. Eu mantive profissionais da gestão anterior ou contratei todos os novos. Natural que todos sejam da minha confiança. E se têm méritos para estar no AN, têm também para estar no DC. A primeira preocupação não é em levar pessoas de Joinville ou trocar as de Florianópolis. Não tenho o perfil de promover trocas generalizadas nas equipes. Meu primeiro movimento é de tomar contato com a nova realidade, avaliar a equipe atual. Ver se a equipe e a estrutura estão dimensionadas, fazer ajustes dentro da própria equipe e só num quarto, quinto, sexto momento pensar em trocas.
Vai demorar um tempo para fazer alterações?
A expressão "mudar o jornal da capital” não se aplica de forma integral. O DC é um jornal líder, tem muitas virtudes para que eu adote como prioridade o verbo mudar. Nesse momento, prefiro verbos como avaliar, analisar, propor, aprimorar. Claro que a chegada de um editor-chefe novo gera ajustes, e não vou para lá ser apenas um síndico. Todos os ajustes serão responsáveis, bem pensados, procurando valorizar o que o jornal tem de bom e agregar novas virtudes. Foi assim que agi no AN e é assim que pretendo agir no DC. O verbo mudar está, sim, no meu repertório. E nunca tive medo de mudar ou preferi o muitas vezes confortável "deixar como está" pra ser o chefe amigo, camarada, ou excessivamente corporativista.
Já era esperado que você fosse assumir o DC. Como isso aconteceu?
O AN passa por uma transição e eu fui um dos agentes dela. Não estava buscando a mudança, nem especificamente para o DC. Mas a possibilidade surgiu me parece profissional e pessoalmente interessante, casa com uma expectativa da empresa e... Lá vamos nós.
Como foi a experiência no jornal A Notícia?
O convívio com a equipe do AN foi um dos melhores da minha trajetória profissional. É uma equipe madura, criativa, disposta a trabalhar, ciente do papel do jornalista em relação ao leitor e à comunidade.
Sendo você um cara muito inquieto, qual é a grande alteração que fará no DC?
Pode ser que eu não faça uma, mas muitas grandes mudanças. Tenho vários projetos em mente. Mas não é questão de honra, de marca pessoal ou de vaidade imprimir as tais grandes mudanças. Esta pergunta sobre o que (e se) mudar, só terei condições de responder depois de uma avaliação mais detalhada da equipe, da estrutura, do jornal, das expectativas do leitor. Os últimos três anos foram de mergulho profundo no AN. Não deu tempo de acompanhar com profundidade também os outros jornais.
Vai fazer tremer estruturas políticas em Florianópolis?
Sobre as estruturas políticas, os políticos, os governos, a resposta pode parecer um pouco aquelas frases feitas, mas é verdadeira: a meta é manter uma relação respeitosa e equilibrada com estes segmentos da sociedade, tendo em vista o interesse e a expectativa do leitor. Ok, todo mundo responde isso. A diferença é que uns respondem por responder e outros respondem com firme disposição de colocar em prática. Eu posso te assegurar que faço parte do grupo dos que querem colocar em prática.
*A reportagem foi produzida para a disciplina de Redação III, do professor Jacques Mick, e sugerida para publicação na Revi.