Muito se fala sobre a Cannabis Sativa, também conhecida como cânhamo ou simplesmente maconha. Mas quais são os seus aspectos negativos que tanto preocupam autoridades e pais? Nos Estados Unidos ela é proibida desde 1930 sob o argumento de que altera os estados emocionais de seus usuários, fazendo com que eles cometam crimes ou suicídios. Mesmo assim seu consumo só cresceu entre jovens, principalmente nos anos 60, auge da revolução cultural, que incluía também a libertação sexual, tão reprimida nos lares norte-americanos. Um dos líderes que comandou essa cruzada contra a maconha foi William Randolph Hearst, dono de uma cadeia de veículos de comunicação. Ele, através de seus jornais, publicou várias matérias (algumas vezes falsas) que relatavam crimes feitos por pessoas entorpecidas pela planta. Não demorou para Hearst conseguir o que queria, ou seja, tirar a droga de circulação (pelo menos legalmente), para que os jovens americanos pudessem ter uma vida tranquila e moralmente correta na democrática América. Mas foi realmente esse o motivo da proibição? Questão de saúde e segurança pública ou razões econômicas?
A fibra do cânhamo pode ser utilizada na confecção de tecidos, usados inclusive na produção de velas para barcos. Isso mesmo. No período das grandes navegações um dos produtos mais utilizados para a fabricação das velas era a planta da maconha. E a matéria-prima continuou sendo usada durante muitos anos. Os Estados Unidos viam na planta um grande obstáculo para a expansão da indústria de algodão, já que nos anos 20, haviam muitas áreas ocupadas pela plantação desse produto. Caso a maconha continuasse a ser produzida para a confecção de tecidos, acabaria paralisando o cultivo do algodão. Pode-se concluir que esse é um dos primeiros obstáculos da planta na América. Por outro lado, a sociedade norte-americana começou a ligar a maconha a imigrantes latinos e negros (esses últimos eram os principais trabalhadores nos campos de algodão dos EUA). A ideia deu certo. Esse tipo de pensamento foi somado aos preconceitos de Hearst (ele detestava mexicanos), que ilustrava suas matérias anti-maconha com personagens mexicanos. Além de tudo isso, Hearst também era dono de grandes propriedades rurais, e as usava para o plantio de eucaliptos e outras árvores para a produção de papel. Tirá-la de circulação seria bom para a indústria do algodão e também não atrapalharia a produção de papel.
Em países mais liberais com a Holanda, a maconha é descriminalizada. Existem bares, que permitem aos seus frequentadores fumarem seus “baseados” (cigarros de maconha), sem a preocupação com a chegada da polícia, afinal de contas, fumar não é crime no país, desde que o fumo seja comprados nas lojas autorizadas. Outros países do continente europeu também descriminalizaram a erva. Itália, Portugal e Inglaterra toleram que pessoas flagradas com uma pequena quantidade de maconha, ou seja, para consumo, recebam apenas uma advertência verbal e não sejam presas. Já no Canadá, a maconha é ministrada em alguns casos de doenças, como o glaucoma. Isso graças ao princípio ativo da maconha, o THC (Tetrahidrocannabinol), que pode também ser utilizado em casos de dor e náuseas, efeitos típicos da quimioterapia, por exemplo.
Brasil longe da tolerância
O Brasil ainda está longe de atingir esse quadro de tolerância. Talvez pelo fato de que durante muito tempo o país seguiu a cartilha de comportamento elaborado pelos Estados Unidos. Por aqui, quem for pego com uma pequena quantidade de maconha poderá prestar serviços comunitários, advertências sobre os efeitos da droga e medidas sócioeducativas. Isso porque a lei nº 11.343/2006 alterou a antiga lei de 1976 de número 6.368, que considerava o tráfico de entorpecentes, o porte das drogas ilícitas. Mesmo com essa nova lei, a maconha ainda não foi descriminalizada, assim como seus adeptos.
Márcio da Maia, advogado criminalista, reconhece que essa nova lei foi criada com a intenção de diminuir a população carcerária no Brasil. “As penitenciárias estão lotadas de pessoas que foram pegas com quantidades pequenas de drogas, como a maconha”, explicou. Márcio acredita que a quantidade de drogas que for pega com o sujeito não é levada em consideração, pois um indivíduo pode estar trabalhando para um traficante, alvo principal das investigações policiais. “No flagrante, leva-se muito em consideração a conduta do policial. Às vezes o policial entende que o sujeito deve ser levado preso e ponto final. Cabe à pessoa provar no interrogatório se a droga é para consumo ou não”. Para o advogado, a aparência da pessoa conduz para um determinado tipo de ação do policial, ou seja, além da criminalização proporcionada pelo porte de droga, a pessoa ainda sofre o preconceito. “A higiene pessoal, roupas, cor da pele e a maneira de falar, pode contribuir para a prisão do sujeito”.
O médico psiquiatra Rui Arsego entende que a descriminalização da maconha é uma faca de dois gumes. Ele apontou problemas físicos e psíquicos ligados ao uso da planta. “Geralmente, os usuários têm perda de memória e aumento do peso devido à fome que a droga provoca. Nos homens pode causar impotência sexual e nas mulheres a perda do libido. Na maioria das vezes, as pessoas que usam a droga regularmente apresentam um desligamento social”. Arsego também defende a tese de que a maconha é porta de entrada para drogas mais pesadas como a cocaína e o crack. “Cerca de 90% dos usuários de drogas começam pela maconha”. Por outro lado, o psiquiatra também reconhece que a descriminalização da erva acabaria com boa parte da violência gerada pelo tráfico. Arsego acredita que ao invés de descriminalizar a maconha o melhor seria a prevenção. “A prática do esporte pode contribuir nesse sentido da prevenção, pois muitas crianças ainda ficam sem fazer nada quando não estão em sala de aula”, sugeriu.
"Fumar maconha é liberdade de expressão"
Os defensores da planta alegam que a sociedade está muito mais vulnerável a outros tipos de drogas mais perigosas. Muitos remédios incluem na sua composição as anfetaminas, por exemplo. O álcool também é liberado e causa muitos acidentes no trânsito mundial e também é responsável por vários casos de violência, e mesmo assim é anunciado diariamente com campanhas publicitárias que mostram além de mulheres e homens com corpos perfeitos, atletas de diversas modalidades esportivas.
Entre seus defensores, destaca-se o coletivo “Marcha da Maconha”, que conta com colaboradores no Brasil inteiro. Lucas Licy, um dos organizadores do grupo na capital catarinense, defenda a ideia de que fumar maconha é uma questão de “liberdade de expressão”, assegurada pela Constituição brasileira. “Não pode ser criminalizada só porque uma parcela da população usa. Vamos através da marcha, levar essas questões para a população catarinense”. Renato Cinco, integrante do coletivo, defende a descriminalização total da erva. “A nova lei de 2006 (nº 11.343/2006), não descriminaliza, apenas livra, em alguns casos, o usuário. Obrigar quem fuma a planta a prestar serviços comunitários, caso seja flagrado, é uma maneira de discriminar”, apontou. Renato defende a marcha como forma de desmistificar a maconha e também esclarecer que o “maconheiro” não é bandido.
No domingo (3 de maio), aproximadamente 400 pessoas participaram da “Marcha da Maconha” em Florianópolis. Ao contrário do que aconteceu em outras capitais brasileiras, como Fortaleza (CE), Goiânia (GO), São Paulo (SP), Salvador (BA) e João Pessoa (SE), onde a marcha foi proibida, em Florianópolis a manifestação ocorreu sem problemas. Os defensores da descriminalização da erva se reuniram às 15 horas no Trapiche da Avenida Beiramar Norte e caminharam até o bar Koxixo's. Como os manifestantes utilizaram somente a ciclovia, não houve a necessidade de interromper o trânsito.
Licy ressaltou o amadurecimento do Ministério Público catarinense, que não impediu a passeata. “Felizmente não tivemos os mesmos problemas que outras capitais, nossa manifestação foi pacífica e o poder público entendeu nossa mensagem”. Lucas ainda destacou a postura dos manifestantes. “As pessoas que participaram da marcha entenderam que era apenas uma manifestação em prol da descriminalização da maconha, ninguém fumou maconha durante a passeata”.
Para o estudante de psicologia L.I.C, 19 anos, as pessoas ainda estão cobertas de preconceitos a respeito da cannabis. Segundo ele, a planta dá “harmonia entre as pessoas”. “Quando você está em um ambiente com várias pessoas fumando, é possível sentir a harmonia e paz que a maconha proporciona. Quem critica o consumo são pessoas desinformadas”, disse. Já o desenhista F.M, 44 anos, usuário da erva há 23, vê como único fator positivo para descriminalização da planta o fato de “as pessoas não me enxergarem mais como um criminoso”. Caso a maconha seja legalizada no futuro, o desenhista acredita que haverá “um escancaramento do consumo em público, causando um certo desconforto em pessoas que aparentemente são liberais e que essa legalização não influenciará em nada a qualidade do produto”.