A chuva que castigou Santa Catarina, causando 86 mortes, 30 desaparecidos e cerca de 55 mil pessoas desalojadas até agora, ganhou intensidade na sexta-feira. No sábado, 22 de novembro, a região central e vários bairros de Joinville estavam inundados. Ao meio-dia, peguei a bicicleta e saí de casa para verificar como estava a situação no Centro: alagado. No bairro Jardim Sofia, a situação era pior. Tentei entrar de moto, mas era impossível avançar pela Santos Dumont após a rotatória da Univille. Com base nas informações de colegas e das coisas que vi no caminho, produzi o relato abaixo.
Há três meses a chuva é constante, mas desde sexta-feira ela se intensificou e no sábado Joinville estava inundada em vários pontos, principalmente no Centro, nos bairros da zona sul, no Vila Nova (zona oeste) e no Jardim Sofia (zona norte). Pessoas ficaram isoladas no trabalho ou em casa. Os ônibus pararam de circular. No final da manhã, a Defesa Civil pediu (via rádio e TV) para todos ficarem onde estavam. O rio Cachoeira, que corta a cidade, transbordou com a maré das 11 horas, inundando o Centro, além de trechos da avenida Beira-rio e da rua Orestes Guimarães. Ao meio-dia, 16 ruas do Centro estavam embaixo da água. Não há mais contramão na região central, o que vale é achar um caminho para voltar para casa. Segundo a Defesa Civil, 40 famílias estão desabrigadas e cerca de 300 desalojadas. O governo do Estado decretou situação de emergência às 17 horas.
Às 18 horas a situação era crítica no Jardim Sofia. O bairro, isolado pelo rio do Braço, foi um dos primeiros a alagar. “Quando eu acordei, às 9 horas, as ruas já estavam cheias”, conta a moradora Rizete Marques. Ela diz que há casas em pontos mais baixos que já estavam com água pela janela naquele momento. Às 17 horas, em novo contato, ela afirmou que a água já estava dentro da casa, cerca de trinta centímetros. O principal acesso ao bairro é pela avenida Santos Dumont. Porém, cerca de cem metros para frente da rotatória de acesso à Univille, já estava tudo alagado. A água estava a uns 40 cm de altura e caminhões e caminhonetes atravessavam. Os carros que se arriscavam paravam no meio e tinham que ser empurrados. Apesar disso, alguns automóveis conseguiram passar. O ônibus da linha Canto do Rio entrou embalado na água e foi embora. Um jovem que vinha do bairro incentivava quem estava em dúvida: “Vai na fé que passa”. Cristão, o jovem seguiu em frente, rumo à sua igreja, que ele disse ficar no bairro Guanabara. Para entrar no Jardim Sofia é necessário passar sobre uma das pontes sobre o rio do Braço. Bombeiros e polícia desconfiam que um homem foi arrastado pela correnteza ao tentar atravessar na principal delas.
Outro ponto crítico é o bairro Vila Nova. As comportas da adutora foram abertas para não estourar. A água chegou a um metro de altura nas casas. “As pessoas não tiveram tempo para levantar as coisas, pois encheu muito rápido”, conta a estudante Rafaela Mazzaro, cujo tio foi ajudar um amigo que mora na região afetada.
Às 11h40, um policial militar foi enviado à avenida Beira-rio, na altura da Padre Anchieta, para aconselhar os motoristas a não prosseguir para o Centro. “Quem quiser ir, pode ir, mas vai voltar, e tem chance de estragar o carro”, afirmou o policial. Ele contou também que houve deslizamentos de terra na cidade, mas não soube indicar onde. Cem metros para frente daquele ponto, a água batia na altura da ponte. Mais cem metros e chegava-se à esquina com rua Itaiópolis, que naquele trecho estava inundada pelo rio. Um Corsa preto voltava na contramão. O motivo: a esquina entre as ruas Beira-Rio e a Max Colin era o ponto final para quem vinha da zona norte e queria chegar ao Centro.
O rio invadia a pista naquele ponto. A maré, que subiu próximo das 11 horas, estava no ápice. O repórter João Venturi, da RBS TV, preparava-se para entrar ao vivo no Jornal do Almoço. Ele mostrou que num carro havia uma mulher prestes a dar à luz. Assim que terminou a entrevista, a ambulância da Polícia Militar chegou. O destino era a Maternidade Darcy Vargas. “Não há como passar por aqui. Temos que descobrir um caminho. Vamos voltar aqui pela frente da Câmara, passar na frente do Big e atravessar pro outro lado ali no Centreventos pra chegar na Blumenau”, explicou o motorista.
Do outro lado do Centro, a avenida Getúlio Vargas não sofria com a cheia, pois naquele trecho o rio é mais distante. Já a rua Rio Grande do Sul, que é paralela à avenida e mais baixa, estava inundada também. Ela desemboca na rua Anita Garibaldi, que tinha trechos embaixo da água. “Tem carro embaixo da água em alguns lugares”, contou a universitária Emanuelle Alves.
As linhas de ônibus não funcionavam corretamente. O estudante Alexandre Perger, que vai para a faculdade passando pelo terminal do Iririú rumo à estação central, foi obrigado a seguir para o terminal norte. “Demorei uma hora a mais para chegar no centro, que estava embaixo da água”. A estação central voltou a funcionar às 19 horas, quando a água já havia baixado.
O trânsito na rua João Colin estava um caos. O polêmico corredor de ônibus foi totalmente ignorado e virou uma terceira pista. No início e no final da rua, a água tomava conta das pistas. Na altura do supermercado Angeloni, na esquina da rua João Pessoa com a Beira-Rio, tudo estava alagado. O rio Cachoeira passa por baixo da rua João Colin no trecho final, próximo ao Terminal Norte. Com o transbordamento, o terminal era um dos pontos mais graves.
A estudante Ana Carolina da Luz estava lá. “As pessoas se amontoavam em cima dos bancos e, em poucos segundos, as que aguardavam nas plataformas tinham água pela canela”, conta. Os carros que passavam pela João Colin e pela Blumenau (o terminal tem saída para as duas ruas) faziam ondas que molhavam até os joelhos dos usuários. Um galão velho que funcionava como lixeira passou boiando pelo terminal, atravessou a João Colin, entre os carros, e foi parar do outro lado da rua, numa farmácia que também havia sido invadida pela água.
“Um motorista saiu correndo para tentar salvar seu carro, que estava no estacionamento em frente ao terminal. Outros motoristas foram ajudar e diziam: 'Vou molhar meu pé só porque o cara merece ser ajudado'. Eles arregaçaram as calças, mas não teve jeito, pois a água já havia passado do vidro da porta”, contou a estudante.
Ana conta que muitas pessoas tiravam fotos da situação e uma mulher disse: “Tem que rezar e não tirar foto”. Segundo Ana, alguns tentavam sair, tropeçavam, voltavam, tentavam de novo, ficavam com água ora no joelho, ora na cintura, devido ao relevo. “Os ônibus não saíam nem chegavam e todos eram orientados a entrar no ônibus para esperar. Alguns entravam e saíam impacientes”, relata. Um homem estava sentado na poltrona do motorista do ônibus da linha Norte-Iririú-Tupy com os pés descalços no vidro da frente. Havia bastante ônibus no local, pois muitos chegavam e poucos saíam. Tinha até ônibus atravessado entre as passagens do terminal. Ana conta que muitas pessoas riam de nervosas e outras estavam apreensivas. “Eu estava assustada, não conseguia reagir diferente. Queria sair dali e não tinha como. Tinha medo”.
Várias pessoas não conseguiram chegar ao trabalho. “Meu irmão tentou ir trabalhar, mas não havia ônibus para chegar até lá, aí ele ligou para o chefe, que disse para ir trabalhar na hora que a chuva parasse. A chuva não parou”, disse João Augusto Gonçalves de Araújo, 22 anos, morador do bairro Bom Retiro. A professora de inglês Lorena Fernandes também não conseguiu chegar ao trabalho: “Estou ilhada em casa. Minha rua está parcialmente alagada e o rio transbordou. O principal caminho que leva ao meu trabalho está fechado. Tentei todas as rotas alternativas, mas a Defesa Civil interditou tudo. Não posso ir ao mercado, nem ao hospital. O trânsito está caótico. As ruas de mão única agora estão em duas pistas”.
Outro ponto onde houve inundação foi no bairro João Costa. O morador Fábio Miranda, 21 anos, narra como foi o dia em que a chuva invadiu a sua casa: “Começou a chover a noite toda e hoje continuou forte. Quando percebemos, a rua estava alagada. O quintal logo ficou alagado e a gente começou a levantar os móveis. Aí entrou água na garagem, na varanda, e logo estava dentro de casa também. Os vizinhos vieram ajudar e pregamos tábuas nas portas na cozinha e da sala e graças a Deus foi parando de chover”. O jovem também conta que o telhado da casa não agüentou. “Ficou cheio de goteiras em todos os cômodos”, afirma. Apesar da situação difícil, ele lamenta pelas outras pessoas: “Deve ter pessoas que passaram por coisas piores”.
A chuva castiga todo o estado de Santa Catarina. A regiões norte e Vale do Itajaí são as mais afetadas. Deslizamentos de terra provocaram imensos engarrafamentos nas estradas catarinenses. O técnico em informática Paulo Alexandre Cochela foi para Curitiba no começo do dia para fazer aulas em curso de pós-graduação e à meia-noite ainda estava na estrada. “Eu estou aqui em Garuva ainda. Vai demorar um pouquinho pra eu chegar em casa”, contou. Um deslizamento de terra no distrito de Pirabeiraba era o responsável pelo engarrafamento. Às 17 horas, o governo do Estado havia declarado estado de calamidade pública. Às 21 horas, a chuva ficou fraca e parou em alguns momentos. Às 23h45, ela recomeçou com mais força.