Vinte de novembro de 1695. Zumbi era morto no Quilombo dos Palmares, no
atual estado de Alagoas. No ano de 1995, a data foi estabelecida em todo o país
como Dia da Consciência Negra. Em 2008, a Fundação Cultural de Joinville
preparou apresentações de capoeira, dança, exposição de artes plásticas, desfile
de trajes e adereços afros na Estação da Memória em comemoração à data, a partir
das 18 horas. Haverá também homenagem à professora aposentada e líder negra
Maria Laura Cardoso Eleotério, de 68 anos, que preside o Instituto Afro
Brasileiro de Joinville.
O instituto foi criado em 1999, e até hoje tem
Maria Eleotério como presidente. Ela não sabe como será feita a homenagem.
Somente lhe pediram que redigisse um texto com sua biografia. Nesta entrevista,
concedida por telefone, Maria Eleotério falou um pouco da história dos negros em
Joinville, da abertura que a sociedade vem dando aos negros no mercado de
trabalho e de como vê o racismo hoje.
Como é seu trabalho no
Instituto Afro Brasileiro de Joinville?
Maria
Eleotério: O trabalho do instituto é bem vasto. Há pesquisas sobre as
famílias afro tradicionais da cidade, grupos de dança, música, educação, saúde.
De acordo com dados do IBGE, existem mais de 55 mil afrodescendentes em
Joinville. O objetivo do instituto é manter e resgatar as raízes africanas, em
vários segmentos da cidade e da região norte do estado, como religião, música,
dança.
Fale um pouquinho da história dos negros em
Joinville.
Maria Eleotério: Quando os alemães e
franceses vieram, os negros já estavam em Joinville. Eu posso te provar isso.
Minha avó era francesa e meu avó africano. Sou filha de uma família histórica.
Na rua Procópio Gomes, hoje número 507 - que eu não lembro que nome tinha antes
- morava a família Cardoso. Isso aos 9 anos de idade da cidade [1860]. Os negros
se escondiam na Mata Atlântica, nos morros. Como no Morro Dona Francisca, onde
havia um quilombo remanescente.
Você foi diretora de uma escola
durante muitos anos. Sofreu com o racismo?
Maria
Eleotério: Durante 25 anos, fui diretora geral da escola João Colin [em
Joinville]. Comecei a estudar com 14 anos. Sempre fui incentivada pela família,
amigos e conhecidos. Tive uma filha branca. Lembro que ela sofria muito com o
preconceito dos colegas, por ter uma mãe negra.
Como você vê
racismo hoje? É velado? Ou as pessoas já estão mais
conscientes?
Maria Eleotério: Em pleno século
21 ainda existe esse tipo de comportamento. Penso que racismo e preconceito
sempre vão existir. Cada um tem uma maneira de pensar. Mas se você não for
competente, não alcança seus objetivos. Abertura está se dando, vagarosamente.
Hoje há muitos negros ocupando lugares em profissões liberais e não-liberais.
Há jornalistas, advogados, médicos, políticos. Vejo o racismo como um problema
histórico. A cor da pele é acentuada. Em Joinville existe racismo como em todo o
Brasil. Ao longo da história, os negros não tiveram a oportunidade de
desenvolver a grande inteligência que têm. Por exemplo, na TV, um negro para ser
bem visto tem que ter dinheiro. Oitenta por cento da população brasileira é
afrodescendente. Por que, no Brasil, o branco tem mais poder que o
negro?
Cite algumas lideranças negras de
Joinville.
Maria Eleotério: Aqui na cidade a
gente tem a advogada Maria Luiza Lopes, o vereador Sandro Silva, primeiro
vereador negro de Joinville; tem também Vânia Lopes, assessora de imprensa do
Senai de Santa Catarina; o jornalista Aires Zacarias da Rosa; os professores
Marcos Bittencourt, Fábio da Silva; os integrantes do instituto, Mariane
Eleotério, Olga Agostinho, Bento da Silva e muitos outros.
Que
recado você deixa para o Dia da Consciência Negra?
Maria
Eleotério: A gente luta pelo fim do preconceito, fim da desigualdade.
No artigo 5° da Constituição Brasileira está escrito: todos são iguais perante a
lei. Mas enquanto negros, índios, amarelos receberem tratamento diferenciado, a
existência desse artigo não se justifica. Negros, índios, brancos. Não se pode
dizer que todos são iguais. Se você for analisar a população da Europa, da
África, há diferenças de pele. Mas é a parte climática que dá diferença na cor
da pele. Se você for cortar a pele dessas pessoas, qual é a cor do sangue que
vai jorrar? Vermelho.