“Os desafios esboçados pela convergência digital são a manifestação aparente
de um problema essencial: fruto da modernidade e do iluminismo, o jornalismo
experimenta hoje a crise própria desses modos de pensar”, refletia Jacques Mick
diante dos participantes do Encontro de Professores. A conferência “Os novos
desafios à pesquisa, ao ensino e à extensão na perspectiva do jornalismo do
futuro”, do professor de redação do Bom Jesus/Ielusc, foi debatida em
mesa-redonda, a partir das 9h37 da manhã de hoje.
Durante os primeiros
27 minutos, de quase duas horas e meia de discussão intensa, Jacques argumentou
que para avançar nas reflexões sobre esse tema “é preciso abandonar o modo de
pensar dominante no campo, que é reverente à tradição e toma a experiência
profissional como critério único de verdade”. Se o jornalismo for pensado como
um fazer, suas potencialidades ficam limitadas. Para evitar isso, ele defende a
importância de concebê-lo como uma forma de conhecimento do presente, o que
intima os intelectuais da área a enfrentar os problemas teóricos do campo.
Para Jacques, as metamorfoses da convergência digital impõem o desafio
de construir novas linguagens. E a dificuldade de pensá-las está relacionada ao
fato de que quando são discutidas no jornalismo, discute-se o que se pode chamar
de linguagens encráticas, já legitimadas na área pelo campo. Para que se possa
avançar na direção de formular outras linguagens para o contexto da convergência
digital, o indivíduo precisa pensar melhor teoricamente o que é o jornalismo e
em como essas linguagens podem ser resignificadas para produção de outras formas
ou de outros modos de dizer no futuro. Isso possibilita ter mais autonomia em
relação à tradição de pragmatismo e à valorização do empirismo, que é uma
característica estrutural do campo.
O professor também comparou o
atual ensino na área com o de 20 anos atrás – quando Jacques começou sua
graduação em Jornalismo –, listando os problemas tidos e as soluções apontadas à
época, quando o lócus em que a formação se dava era ainda mais elitizado do que
agora. Em duas décadas, o número de cursos e egressos aumentou
consideravelmente. Ao mesmo tempo, Jacques considera que o problema central
continua: “a ausência de formulações teóricas consistentes e, relacionado a
isso, o lugar visivelmente secundário que a teoria continua a ocupar no campo”.
Por exemplo, a pouca contestação às teorizações sobre a comunicação e à
lógica do texto jornalístico, trabalhadas por Adelmo Genro Filho, cujas
concepções podem ser tensionadas ao se estabelecer aproximações teóricas, como
uma das apontadas por Daisi Vogel, de que a escrita jornalística sofreria
transformações caso a ficção fosse considerada parte de todo discurso e não
critério de verdade – associação tradicional do senso comum.
Para
Jacques, “a defesa do jornalismo como objeto específico do pensamento
confundiu-se com a criação de um campo acadêmico específico para o jornalismo”,
cuja produção teórica ainda é muito pequena. Tal posição prejudica o exercício
da interdisciplinaridade, da reflexão, e prende o jornalismo a uma
normatividade, uma forma de como se deve fazer, que o torna repetitivo e
limitado. “Onde está a especificidade do discurso jornalístico? No singular,
como queria Adelmo, ou na própria linguagem e, como tal, no poder?”
Outra incógnita levantada por Jacques é como será o padrão de
financiamento do jornalismo no futuro. Entretanto, ele insiste que a questão
principal é como o discurso jornalístico irá ser adaptado em cada nova mídia da
convergência digital. “Como nós, nossos alunos terão a responsabilidade
profissional de formular respostas a esse desafio”.
Após o discurso de
Jacques, que a mesa-redonda considerou provocativo ao campo jornalístico, Maria
José Baldessar, a “Zeca”, professora da Universidade Federal de Santa Catarina,
começou abordando a dicotomia entre teoria e prática. Ela lembrou o falecido
educador Paulo Freire ao afirmar que “a prática é a teoria consolidada e a
teoria é o resultado da prática”.
Mencionando a palestra de abertura da
noite anterior, do jornalista Carlos Castilhos, a professora reiterou que se
deve pensar em quem é o público e em agregar valor não à notícia, mas ao fazer
cotidiano, porque há perguntas de menos e modelos demais, além, claro, da parte
profissional que ainda pressupõe que o jornalismo vem de regras
pré-estabelecidas.
Quando algum de seus alunos comenta que pretende
participar do programa de treinamento da Folha de S. Paulo, Zeca logo alerta:
“Vocês não precisam fazer o trainee para aprender a pensar, contextualizar, e
sim para fazer a manchete que a Folha quer que vocês façam”. Segundo Zeca, só o
laboratório em si não resolve os problemas teóricos. E, para trabalhar isso, é
fundamental a interdisciplinaridade. “O jornalismo pode sim ser uma área
específica, mas ele não vive sozinho, ele busca conhecimentos nas outras áreas”.
O debatedor seguinte, Tomás Barreiros, professor da Universidade
Positivo, avaliou que o jornalismo está passando por um momento de transição
terrível. “Nenhum de nós, professores, alunos ou jornalistas está confortável na
cadeira em que está”. Para ilustrar essa situação azeda, Tomás fez uma
comparação do jornalista com outros profissionais, como o advogado e o médico,
que ele considera não estarem diante do grande dilema de Shakespeare: “Ser ou
não ser, eis a questão”.
Em seguida, Tomás esclareceu que isso se dá
porque essa época de transição tem relação direta com a difusão da informação,
lembrando que os grandes progressos da humanidade estão ligados a esse processo.
Pensando no avanço tecnológico dessa difusão, Tomás observa que é praticamente
impossível ter certeza do que virá daqui a 30 anos. “Eu, particularmente, acho
que o mais provável é um grande colapso, porque no progresso tecnológico, nós já
sabemos que o sistema capitalista não se sustenta com esse atual poder de
produção. Pode ser que daqui a 50 anos os que estiverem aqui nem estejam
discutindo isso”.
Como exemplo da expansão pela qual a troca de
informação passa, Tomás pontuou a presença virtual, a noção de lugar, o tradutor
automático e a wireless fidelity (rede de Internet sem fio), entre outras
possibilidades que a tecnologia proporciona. Diante disso, é preciso indagar
como o jornalismo se posiciona.
Segundo o professor, uma faculdade de
jornalismo apenas reproduz os modelos de mercado, com o objetivo de dar aos
alunos aquilo que existe lá fora. O que se pede é ensinar a fazer como se está
fazendo, é dar conhecimento das teorias que existem, mas é preciso fazer com que
estas sejam pensadas e se reflitam na produção. “A idéia devia ser formar o
mercado, dizer como o mercado deve fazer”.
Depois de Tomás, o microfone
foi passado à mão direita de Elaine Tavares que, como representante do Sindicato
dos Jornalistas de Santa Catarina, iniciou destacando a discussão sobre a
obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo. Para ela, “estamos
sendo atacados como trabalhadores”.
Com um bindi preto no meio da testa,
Elaine prometeu cometer heresias e fazer previsões durante a manhã. Primeiro,
ela discordou de Tomás, declarando que não são tempos “terríveis” pelos quais o
jornalismo passa. “São tempos belíssimos”, disse, “repletos de possibilidades de
transformação”.
Segundo Elaine, o problema é o que fazer com isso que se
chama jornalismo dentro de uma realidade em que qualquer pessoa pode difundir
dados. Para Elaine, a possibilidade de interação que a população ganha em novas
mídias cria “amebas que reproduzem a informação”.
Elaine ainda recordou
que Adelmo pôs o jornalismo dentro de uma perspectiva marxista e que não dá para
produzir teoria sem levar em consideração que vivemos no capitalismo e,
principalmente, na periferia do capitalismo, expostos a uma colonização do
pensamento. Assim, ela propôs que os grupos de estudo encontrem e formulem
fundamentos teórico-metodológicos para pensar o jornalismo desde a periferia.
Em seguida, Elaine questionou quem é o leitor que desfruta de várias
tecnologias, das quais falava Carlos Castilhos na noite anterior. Elaine
pergunta se é o mesmo que assiste ao Jornal Nacional com “o William Bonner e
aquela babaca da mulher dele”. Para Elaine, a “massa empobrecida” vai continuar
tendo apenas a televisão para se informar e, dessa forma, permanecer produzindo
a mais-valia ideológica do capitalismo. “Somos engravidados diariamente pela
comunicação oral”, reafirma.
Para que o jornalista não lance
“informações ao vento como um bocó”, Elaine defende que a academia o torne capaz
de analisar as notícias, “puxar os fios, criar a colcha e a atmosfera do fato”.
Caso contrário, ela prevê que “o jornalismo se acaba”. Por fim, Elaine mandou um
recado aos colegas de profissão: “Hello, despertem e leiam Adelmo”.
Depois dos discursos de cada um dos presentes na mesa-redonda, esta se
abriu às perguntas da platéia e alguns pontos da discussão foram retomados. O
mediador do debate, Sérgio Luiz Gadini, professor da Universidade Estadual de
Ponta Grossa, não pôde exercer a função devido a uma crise de rinite, e foi
substituído pelo professor Rogério Christofoletti, da Universidade do Vale do
Itajaí.