O mote era simples, preciso: “Grande reportagem em tempos de jornalismo fast food”. E ele começou com uma fórmula aparentemente complexa: GR = (BC + BF) x (T + T’)n. “Se não der certo, podem ligar me cobrando”, garantiu José Hamilton Ribeiro, 52 anos de profissão, possivelmente um dos maiores repórteres brasileiros de todos os tempos. “No final eu explico a equação”, assegurou à platéia da Semana Acadêmica da Comunicação da Unisul, na noite de 26 de setembro, em Palhoça, na Grande Florianópolis.
Combinando sacadas de sua vivência profissional, o olhar apurado de repórter ganhador de tantos prêmios na carreira, uma boa pitada de ironia e bom humor, Zé Hamilton não fez uma palestra. Deu uma aula de jornalismo, de teoria e prática, e compartilhou com sensível humildade seus conhecimentos. Aos jovens estudantes afirmou: “Fazer jornalismo é cansativo, mas é melhor que trabalhar”.
Sem meias palavras, o repórter da TV Globo (hoje trabalhando no Globo Rural) nega a existência da imparcialidade. Contudo, atribui mais ao arbítrio do jornalista. “É um objetivo maior da profissão a ser perseguido, mas na prática é impossível”. Cita exemplos de cobertura de guerra, nas quais o jornalista acaba escolhendo o “lado mais fraco”. Para ele, isto se explica pelo “perfil psicológico da profissão”. A platéia pediu que ele falasse um pouco mais sobre outros dois mitos (verdade e objetividade). Em resposta singela, tascou: “Segundo a sabedoria chinesa, cada fato tem três lados: o meu, o seu e o verdadeiro”.
Ao retomar o mote da conversa, Zé Hamilton citou o poeta americano Ezra Pound: “Uma boa reportagem é como a boa literatura, boa música, boa dança...”. Ou seja, em termos de qualidade do texto, ele crê que o ideal é aproximar sempre o texto jornalístico do literário, que por si já seria algo na fronteira da música. Um texto saboroso, desses que não dá vontade de parar de ler antes do final, é como uma canção: tem ritmo, métrica, rima, poesia. Uma grande reportagem, em sua visão, é como um bom filme: “Tem que acabar no ponto mais alto, no clímax”.
Para ele, uma das mudanças mais sensíveis na profissão é o crescente número de mulheres atuando nas redações. A sensibilidade feminina no trabalho de apuração jornalística foi destacada por Zé Hamilton. Provocando as futuras colegas de profissão, disse: “A mulher é sensível, tem uma curiosidade natural que leva à fofoca”. Antes de uma reação, arrematou: “A notícia é uma fofoca confirmada”.
De volta ao começo, ele explicou sua fórmula: GR (Grande Reportagem) é igual a BC (Bom Começo, porque “sem um texto de qualidade que pegue o leitor pela cabeça ninguém continua lendo”) mais BF (Bom Final, porque a reportagem precisa terminar pro “alto”) multiplicado por T (Talento, que é resultado de estudo e conhecimento) somado a T' (Trabalho, na medida necessária, nem mais nem menos), elevado a “n” (enésima potência). Para temperar um pouco mais sua receita, mandou um recado aos jovens jornalistas, fazendo uma paródio do postulado de Isaac Newton. "O jornalismo também tem a sua Lei de Newton, é a do Nilton Quiri-Quiri, câmera que trabalha comigo: "Matéria atrai matéria na razão direta das pautas e na ordem inversa do quadrado da preguiça".
Ao final de mais de duas horas de boa prosa, fui agradecê-lo e fiz um convite — que ele topou no ato: Zé Hamilton Ribeiro fará a aula magna do curso de jornalismo do Bom Jesus/Ielusc, no dia 9 de fevereiro de 2009. Anote na sua agenda: você tem um encontro marcado como o repórter do século.
Samuel Lima é professor, coordenador do curso de Jornalismo do Bom Jesus/ Ielusc e doutor em mídia e teoria do conhecimento pela UFSC