Revi — Como você acredita que a história de Gil, baseada na sua, irá repercutir no Brasil quando lançada a edição em português?
Murilo — Ainda não li a versão em português. No entanto, sei que o livro em inglês fez muitos patrões que empregam brasileiros os verem com outros olhos. Somos milhares na América. Então, eu quero que todos aqueles que um dia não acreditaram em si, passem a acreditar mais. Espero que gostem da leitura.
Revi — As histórias que você ouvia enquanto engraxava sapatos — sobre drogas, corrupção e a sujeira presentes nos altos escalões de Nova York, que a maioria sabe e não se arrisca a contar — poderiam ser consideradas reflexo de uma sociedade capitalista doente?
Murilo — Eu não acho. Drogas, corrupção e presentes altos sempre estarão em todos os lugares. A mídia brasileira presta muita atenção para esse país [EUA] e esse país não se importa com o mundo. Eles não perdem tempo nem filmando a Amazônia. O que importa é só eles, eles e eles. E mais uma coisa: o [John] McCain vai ganhar as eleições. Motivo: pele clara. Quem vota aqui são os republicanos. As maiores emissoras de TV desse país aqui — CNN, CBS, Wnbc, FOX, Wpix — raramente passarão informações sobre o Brasil. Quando eu assisto, às vezes, o Jornal Nacional, porque sou assinante da Globo Internacional, posso reparar que a mídia brasileira se preocupa com os EUA. Mas por quê? Eu me pergunto se não temos problemas maiores. Onde está a lógica disso tudo? A imprensa brasileira se importa com qualquer coisa que os americanos façam (risos). Sempre há várias notícias como se os americanos fossem “súper”, algo diferente da raça humana. Os brasileiros deveriam acreditar mais em si mesmos e não se importar muito com esse país, porque o Brasil tem muito a mostrar.
Revi — O seu estilo de vida mudou após a publicação das histórias narradas por Doug Stumpf? Qual sua rotina hoje? Muitos compromissos, baladas, negócios?
Murilo — A porta estava aberta antes de o livro ser publicado. Trabalhamos por quatro anos nesse livro e enquanto isso deu para conhecer muito. Sempre saio com ele e com os repórteres dele. O Doug é um editor da revista Vanity Fair. Aqui ela vem a ser uma revista bastante exclusiva. Devido a isso, ele trabalha com vários escritores, que trazem histórias para serem editadas e publicadas. O chefe dele, Graydon Carter, é uma das maiores figuras da high society americana. A Vanity Fair é exclusiva por sempre publicar o glamour de Hollywood e, agora mais do que nunca, pelo conteúdo veiculado sobre política e guerra. Então, eu sempre costumo sair para jantar com os escritores que trabalham para o Doug. Vou às festas de lançamento de livros publicados por amigos do pessoal da Vanity Fair, aos aniversários de quem trabalha na revista. Pareço um entregador de revistas. Como o paperboy — aquele garoto que entrega os jornais nas cestinhas de filmes americanos —, eu sempre estou na revista. Vou até lá e depois para o trabalho, no banco. Ambos ficam próximos, mas prefiro não revelar qual é a agência para evitar comparações da ficção com a realidade.
Revi — Como funciona o seu trabalho em Nova York? O que é necessário saber para ser engraxate em Wall Street?
Murilo — Aqui em Nova York deve haver mais de mil engraxates. O meu pai já foi um deles. Ele veio cedo para a América. Primeiro para Elmhurst, depois Queens, até chegar a Nova York. A minha história é parecida com a dele. Não desisti. Engraxar sapatos para alguns que não têm a mente aberta é algo como se curvar para alguém, é pensar que um engraxate é inferior pelo simples fato de limpar sapatos. Mas aí está a grande “peça”: o [presidente] Lula foi engraxate e olha onde ele está. Não teve estudo, entretanto, sua visão foi única. Acredito que os brasileiros sentem a necessidade de falar o que são como profissionais para os outros os respeitarem. Falar de profissão no Brasil está mais relacionado ao prestígio do ofício que ao dinheiro arrecadado. Para os brasileiros que moram nos EUA, o que se ganha é mais importante. Quando comecei a engraxar eu tinha um pouco de vergonha, mas a partir do momento em que vi dinheiro, fiquei feliz (risos). Hoje não é tão fácil de conseguir um trabalho como o meu. Aqui nós o chamamos de “engraxar sapatos em prédios”. Antigamente, os brasileiros que chegavam à América sempre vinham através de amigos. Havia lojas com dez brasileiros, outras com 15, nas quais tinha pelo menos um aprendiz do ofício. Nesses locais se aprendia as cores dos sapatos, os tipos de couro e cada produto que deve ser usado para limpar cada par de sapatos. Imagine que um cliente hoje (16 de setembro) me deu um par de John Lobb, feito sob medida — o que deve custar de US$ 1.200 a US$ 5.000 dólares, ou mais, dependendo do estilo. Um engraxate deve saber que tratamento aplicar. Este John Lobb era marrom e, por causa da cor não poderia ser limpo com água, pois mancharia o couro. Então, outro produto tem que ser usado para a limpeza. Por esse motivo o aprendiz ficava na loja pelo menos duas semanas, para pegar todas as “manhas”. Acho que sou um dos poucos cariocas engraxates em Nova York, porque a maioria é mineiro.
Revi — Quantos lugares diferentes você conheceu depois de ter sido publicado o livro?
Murilo — Califórnia, San Diego, Hollywood em passeios rápidos. Não viajei muito. O Doug visitou mais lugares. Não “curto” viajar de avião. A nossa publicadora [editora] paga por tudo. O Doug faz pequenas leituras de Confessions of a Wall Street Shoeshine Boy [Confissões de um engraxate em Wall Street] nas livrarias de Nova York para divulgação e venda do livro. Visitei também a Warner Bros e a Harper Collins [editora da publicação].
Revi — Seria correto afirmar que a sua identidade como brasileiro foi modificada pelo contato com os costumes americanos? Você se considera um adepto do "American way of life" (o modo americano de viver)?
Murilo — Sim! “I'm an American” (eu sou americano). Eu amo esse país. Realizei muitos sonhos aqui, mas todos materiais. Aqui me sinto seguro. Gosto de assisitir “american futball”, “baseball”. Nesse país você pode acreditar nos seus sonhos, mas é preciso ter experiência de vida e um bom inglês. Isso conta muito. Tive a grande oportunidade de estudar aqui, no Junior High e no High School [graduações equivalentes ao ensino fundamental e ao médio no Brasil]. Tento ter uma visão e não um julgamento dos outros, principalemnte dos americanos. Não aponto o dedo para atitudes que faço e que tenho vontade de fazer igual a eles. “This is my east village way” [esse é meu modo zona leste de viver] —“open mind”, com a mente aberta. É um lugar meio hippie. As pessoas são liberais. Você vê homem beijando homem. Mulher beijando mulher. Gays, loucos, poetas e artistas. Lá se vê de tudo, principalmente nas cercanias da New York City University.
Revi — Voltaria ao Brasil? O que mais lhe faz falta aqui?
Murilo — Ano que vem eu estarei aí, no Rio de Janeiro. Acho que no mês de junho. Só para visitar. Nas vezes em que eu estive mais feliz foi quando eu me aventurei. Alugarei um carro e levarei um GPS. Aí no Brasil tem GPS, aquele aparelho que guia para onde se quer ir?
Revi — Sim. Claro. Até nos carros.
Murilo — Quero um carro que corra e não seja suntuoso a ponto de despertar o interesse de ladrões. Talvez eu vá de avião para o Brasil. Só não vôo pela TAM.
Revi — Por quê?
Murilo — Minha ex-namorada, que não teve consideração comigo, é aeromoça da TAM. Terminamos o relacionamento há três anos.
Revi — Você se sente devassado tendo sua história de vida exposta para o mundo como pano de fundo dos trâmites econômicos em Wall Street?
Murilo — É claro que, quando você vira uma pessoa pública, quando você se expõe para as câmeras e sua foto aparece estampada no jornal, as pessoas automaticamente acham que você é especial. Como se fosse um mito. Há vários críticos e eu me divirto. Aliás, todos tentam te tratar bem e todos fazem as mesmas perguntas. Quantos livros já foram vendidos? Quando vai sair o filme? (risos). Eu peço para que esperem até as coisas acontecerem. Só quero viver essa vida tranqüila que eu vivo. Não sou celebridade. Mas uma coisa é certa, eu vou entrar em controvérsia agora: pessoas que criam, para mim, são celebridades. Escultores, pintores, escritores e outros são celebridades, porque nos EUA o que eu já vi...
Revi — Quais são os seus planos para os próximos anos?
Murilo — Viajar o mundo dos 30 até os 40 anos. Depois me dedicar à política dos meus 45 até os 50, só para ver. Pretendo me graduar em uma boa universidade dos EUA. Ainda não sei o que quero estudar. Desejo me dedicar aos estudos e nas férias viajar. Tenho amigos na Polônia, Grécia e Suécia, que são pessoas com quem já convivi aqui. Minha intenção é conhecer vários países e estudar, não só cair na farra. Também sei que o governo do Rio de Janeiro precisa de um revolucionário. Não sei se serei eu, pois tenho que crescer muito ainda. Sou um moleque.