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Matéria 6987, publicada em 10/09/2008.


Para além do hábito no noviciado capuchinho

Sidney Azevedo


Os 800 anos de história da ordem franciscana, comemorados em 2008, tem sua marca em Joinville. O noviciado São Francisco de Assis, da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, foi fundado em 1992, na cidade, a partir de uma votação na Cúria da ordem, em Curitiba. O noviciado fica escondido no silêncio da área rural da zona sul. Três dos oficialmente estimados 33 mil frades da ordem espalhados pelo mundo regem o local de formação dos freis. Com eles quatro noviços partilham, após as experiências de aspirantado e postulantado – primeiras etapas da formação do frei –, da pacífica convivência em meio aos símbolos da vida cristã e campestre na chácara, a qual chamam de casa, quase ao fim da rua Santa Catarina.

Antes do pós-noviciado, o período como noviço dura um ano exato. Nele, o jovem passa por uma intensificação da vida espiritual e um maior entendimento do desenvolvimento da ordem e de suas regras. Do grupo de noviços atual, um rapaz desistiu, e o número de jovens diminuiu do ano passado para este. Em 2007 seis rapazes estavam se preparando para avançar à formação de frei. Sobre a diminuição, o frei Daniel Heinzen Sobrinho e o noviço Rafael Santacruz disseram que a vocação exige muitos sacrifícios e que o longo caminho de preparação (seis anos) serve para o jovem ter certeza se é esta a vida que pretende seguir.

Pode-se dizer que tudo no noviciado capuchinho vem acompanhado de alguma explicação simbólico-teológica. O chamado claustro, o espaço circundado pelas construções do lugar, é destinado ao pensamento e reflexão. A visão aberta do céu, sem a interferência de árvores, montes ou qualquer coisa que não sejam as nuvens, remonta às coisas do “alto”. Se escrevo alto entre aspas, o ato deve-se a uma homilia do frei Manoel Braz da Silva Noite, atual mestre dos noviços, que pergunta: “Porque dizemos que o céu é lá no alto? Ele não pode ser aqui onde estamos? Ou embaixo?”. O mestre do noviciado diz que “o céu é antes um jeito de ser, uma questão de plenitude do que se busca”. O noviciado pretende trazer esta condição de plenitude aos seus moradores.

A divisão franciscana das terras demonstra já a diferença de concepção de mundo: a província de São Lourenço de Brides compreende o Paraguai e os estados brasileiros do Paraná e de Santa Catarina. Esta concepção não quer dizer que a vida dos freis seja de internato e pouco contato com o exterior como muitos pensam. Os noviços fazem trabalho de orientação espiritual na Comunidade Terapêutica Essência de Vida, no município de Araquari. De manhã os jovens estudam, à tarde trabalham na horta ou em reparos da casa, fazem quatro orações diárias, ensaiam cantos e músicas. Freqüentemente são vistos nas igrejas da paróquia Cristo Ressuscitado, onde se encontra o noviciado. Vão a manifestações grandes da Igreja, como a missa do Grito dos Excluídos, quinta-feira passada. Podem sair livremente duas vezes por semana além dos compromissos e convites que eventualmente recebem. O noviço Luiz Alflen, natural do interior do Paraná, conta que quando veio ao Centro da cidade teve “saudade do silêncio de casa”.

Circundando o claustro do noviciado a construção em formato retangular abriga uma capela que é mais visitada pelos fiéis em celebrações como o natal e a páscoa; uma sala de visitas; uma sala de estudos; uma biblioteca com volumes de constituição da ordem, eclesiologia, franciscanismo, e temas de aprofundamento da religiosidade especificamente capuchinha; um refeitório e os quartos dos noviços e freis. Para além da construção há uma torre que abriga o reservatório de água, um espaço para ferramentas, e o sino que é batido todo meio-dia pelo jovem frei Luiz Alflen; há uma horta, um pequeno bananal e até um campo de futebol. “Se fôssemos em maior número seria possível manter-nos apenas de agricultura e até jogarmos futebol”, ri o frei Luiz. O outro frei formado é Pedro Paulena, e os outros noviços são Amarildo Moreira de Lara e Edgard Hellmon.

A economia do noviciado é mantida com doações e contribuições. O frei Daniel Heinzen Sobrinho, explica que “caso alguém precise de um novo sapato, é enviado um pedido com justificação à Cúria, listando-o, e terá de esperar que ele se encaixe no orçamento do mês, se não, aguarda o próximo, e assim é com todas as coisas”. Os freis dispõem de celular, carro, e home teather, de modo comunitário, uma vez que não podem possuir bens ou salários.

“A possibilidade de comunidades passarem por modelos de vivência como o nosso é pequena porque exige uma doação muito grande”, diz o frei Daniel. “Mas uma tal sociedade seria interessante”.

As subdivisões da ordem franciscana englobam os frades menores (ditos como de uma comunidade mais intelectual, de onde vieram o ex-frei Leonardo Boff e o frei Betto), os frades conventuais – que vivem experiência reclusa e religiosa – e os freis capuchinhos, cuja vivência se volta para o lado missionário de pregar a palavra pelo mundo. “O que não quer dizer que essa divisão seja assim rígida”, explica o frei Daniel, “a vida dos freis é livre como a de qualquer humano, subtraídas as especificidades”.

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