Nelson Rodrigues foi fumante inveterado, viveu sempre com dificuldades financeiras e gostava de brincar de ser machista. A última característica citada está bem clara nas memoráveis frases que ele deixou por aí e na famosa série “A vida como ela é”, que era uma coluna diária no jornal A Última Hora e teve seu início em 1950. “A vida como ela é” ainda virou livro e série na TV Globo, falando exclusivamente do mesmo tema: adultério. Este foi o primeiro — e por enquanto, único — livro que li do “anjo pornográfico”, como se autodenominou o autor.
Os contos, vistos individualmente, são muito interessantes. O problema é a repetição. Parece até que Nelson, perdoem-me os fãs, utilizava um padrão engessado para escrever tais histórias. Claro que o fato de a série sair no jornal seis dias por semana provavelmente dificultou sua profundidade e variedade, mas o que acontece na maioria das vezes em “A vida como ela é”, é: o marido se descobre traído e mata a esposa. Ou: o marido se descobre traído pela esposa e pelo melhor amigo, e mata um dos dois. Nesse caso, o marido é sempre uma vítima, e sua esposa, uma cachorra sem coração. Pode acontecer também de a esposa ser traída, mas aí tem um motivo: ela é uma cachorra sem coração e o marido, coitado, não tem outra escolha senão distrair-se com outras mulheres. Não se preocupem: o conhecimento destes fatos não vai impedir a delícia da leitura.
Nas livrarias, o preço do livro na edição da Agir é R$ 59,90, enquanto no sebo, me custou R$ 23,00. Até levei um susto, a princípio achando que Nelson Rodrigues estava descaradamente repetindo o início de uma história, mas era erro da edição: duas histórias repetidas. No fim das contas, não tenho 100 contos, e sim 98. O estilo do autor é tão peculiar e próprio que expressões como “meu filho” e “batata”, pais bravos, mães submissas, mocinhas atrevidas e homens pilantras estão em todos os contos, embora essas personagens sejam realmente reflexo das pessoas da época.
O livro reflete o jargão que é tão incutido e tão culturalmente aceito na cabeça das mulheres até hoje, ao menos no Brasil: “Nenhum homem é fiel”. E não são só eles: em “A vida como ela é”, ninguém presta. Agora as mulheres também podem, já que a lei do adultério, que quando da sua elaboração, em 1940, tentava de algum modo favorecer os homens, foi revogada em março de 2005.