Desacompanhada, a senhora que leva a Bíblia
grita, sem direcionar palavras a alguém. Pela rua do Príncipe, ela é vista a
caminhar e maldizer o mundo, revelando um futuro incerto para a humanidade. A
mulher, que tem a pele no tom marrom dos troncos de Salgueiro e nos cabelos uma
confusão de fios alvos e gris (feito as nuvens de um dia de sol, poluídas como
as de São Paulo), profetiza o fim dos tempos nas esquinas do centro de
Joinville.
“Ela mistura palavras. Grita. Mistura passagens da bíblia com
os acontecimentos e profere frases como se fossem profecias”, comentou,
“o-policial-que-saiu-para-fazer-uma-ocorrência-e-não-pôde-dizer-o-nome”. Essa
identificação foi sugerida por ele, que ficou parado enquanto conversava com
dois colegas em frente ao bar onde trabalha Edson da Silva Cardoso. Edson é
garçom e lembrou da “mulher de cor”. Ele não a conhece, embora tenha ouvido, de
longe, alguns sermões: “Nada é dito diretamente a alguém”.
Pouco se sabe
sobre ela. Poucos se aproximam dela. “Não tem nem jeito de conversar com ela”,
disse o vendedor de churros, Getúlio Padilha. Ele frita a massa do doce onde a
rua Três de Maio se encontra com a do Príncipe e já viu, desse ponto, a “mulher
da Bíblia” — batizada assim pela esposa do vendedor — passar, parar na esquina
em frente e expulsar os que tentaram manter um diálogo. Maria Padilha voltava
para casa em um ônibus que trafegava do centro rumo ao bairro Itaum e, na mesma
locomoção, estava a senhora das profecias. Maria e Getúlio a avistaram em tantos
lugares (no Fátima, no Boa Vista) que não saberiam afirmar se habitam o mesmo
bairro da “mulher da Bíblia”. O casal a considera louca.
“Alguém me
falou uma vez que ela mora no Guanabara”, comentou Aline, vendedora da loja de
calçados, sem muita certeza. Aline acredita que a senhora não é louca, tem
família e até ouviu uma menina chamá-la de tia. A vendedora criou uma história
sobre a mulher e imaginou: “Ela deve ter familiares e casa, mas ninguém a segura
quando, decidida, sai para pregar as palavras da Bíblia”. A senhora não aparece
sempre. Na semana do dia 28 de agosto ela não passou pela Rua do Príncipe.
“Acredito que ela venha quando o Centro está cheio”, afirmou Aline. Os brados da
“mulher da Bíblia” não a transformam em louca. Segundo a vendedora, a profetiza
é “fanática”.
A senhora de cabelos grisalhos e mente inquieta mora no
limiar da loucura e do fanatismo, para os que a observam andar nas ruas. De
acordo com ensaio escrito pelo psicanalista Raymundo de Lima (encontrado na
internet), o fanático não fala, discursa. Ninguém parece existir diante dos
olhos da mulher. O diálogo é entre ela e a bíblia contra o mal. Em seu texto
intitulado “Fanatismo religioso entre outros”, o psicanalista considera o
fanático um “porta-voz de um sistema de crenças moralistas carregado de ódio em
relação ao suposto inimigo ou adversário que precisa ser destruído para reinar o
bem”. Alguns que percebem a senhora e suas palavras, em meio ao tempo escasso e
a alta velocidade cotidiana, pensam logo que é louca. E a loucura de Frederico
Ricciardi, parafraseando Philippe Pinel é “outra maneira de ser humano” — o
que torna a insanidade “objeto de estudo científico” neste outro ensaio, achado
na web, sobre o “Nascimento da loucura”. Afinal, o que ou
quem é a "mulher da Bíblia"? A busca continua, à espera do encontro entre
repórter e profetiza.
Veja
aqui a foto da mulher da Bíblia (colaboração do leitor)