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Matéria 6156, publicada em 13/05/2008.


A vida e a eternidade do momento

Samuel Lima*


O emocionado culto ecumênico em memória ao aluno, amigo, colega, Ricardo Gruetzmacher, calou fundo em mim. Entre a dor e a angústia do momento que pulsava em cada coração ali presente, um sopro de inquietação, de desconforto percorria a Igreja da Paz. Afinal: qual o sentido da existência? Que estupidez é esta que faz uma mãe sepultar seu filho no Dia das Mães? Como entender a partida de um jovem aos 18 anos de vida? Tantas perguntas, tantas indagações sem respostas, a voz do silêncio, transcendência...

A morte, como algo inerente à vida, tem esse poder terrível de devassar nossas fronteiras internas, invadir todos os cantos d’alma e ironicamente deixar a pergunta no ar: o que cada um de nós está fazendo de sua vida? Estamos vivendo a intensidade de cada momento ou presos a algum ponto do passado (que é história) ou do futuro (que é mistério)?

Muitos poetas, estes sentinelas avançados cuja vida é proteger a humanidade de sua própria pequenez, já cantaram em verso e prosa a dimensão do instante: a fragilidade e a possibilidade de transformação profunda e radical da vida, em uma fração de segundo, numa tênue cadeia temporal na qual podemos brilhar: “Por isso somos o que somos”, lembra o poeta Thiago de Mello, “estrelas de um só momento, mas cujo brilho ameaça a ordem do firmamento”.

Na força bruta do real somos muitas vezes arrastados pelos vendavais do cotidiano. Tudo é prioridade e detonamos essa dimensão do singular, do simples na qual a vida acontece, floresce, morre e renasce, a cada nascer do sol... Em nome dos metai$, sonhos ungidos no altar do mercado, aqui e acolá somos candidamente tragados pela espiral capitalista e viramos simulacros de projetos de futuro, carreira, frenesi, conquistas materiais imediatas (que tem lá sua importância, porém não como um bem em si). Ao mesmo tempo, esquecemos de dizer “bom dia” ao vizinho, de abraçar e beijar os amigos e amigas, de declarar nosso amor a quem amamos e regar nossos afetos com toda delicadeza...

Na saudade para sempre, que passa e lava nossa emoção, ficam os versos da “Canção da América”, escolhida pela turma do 3º semestre de PP para homenagem final o Ricardo: “Amigo é coisa pra se guardar/ no lado esquerdo do peito/ mesmo que o tempo e a distância digam não/ mesmo esquecendo a canção/ o que importa é ouvir/ a voz que vem do coração...”.

Que saibamos ouvir, na eternidade fugaz de cada instante, a voz do coração e perceber com sensibilidade as coisas que realmente têm importância nesta vida louca – e breve. “Somos nós e nossos afetos”, me disse certa vez meu amigo Jacques Mick. E arrematou: “O resto é resto”.

Os sinos dobram por ti, Ricardo. A noite veloz fecha seu manto sobre nós. Ficam as palavras de Carlos Drummond de Andrade, como um frágil ponto de luz, querendo indicar algum caminho: “Mas viveremos. A dor foi esquecida nos combates de rua, entre destroços. Toda melancolia dissipou-se em sol, em sangue, em vozes de protesto. Já não cultivamos amargura nem sabemos sofrer. Já dominamos essa matéria escura, já nos vemos em plena força de homens e mulheres libertados. (...) Ele caminhará nas avenidas, entrará nas casas, abolirá os mortos. Ele viaja sempre, esse navio, essa rosa, esse canto, essa palavra”. E “a um grito, no escuro”, conclui o poeta, “respondia outro grito, outro Homem, outra certeza...”.


Samuel Lima é jornalista, professor e diretor do curso de Comunicação Social do Bom Jesus/ Ielusc

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