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Matéria 5754, publicada em 14/03/2008.


Exposição Fiandeira mostra arte pouco conhecida

Djulia Justen


O branco me assusta. A alvura desta página me consome energia de pensar em como preencher este espaço com algo compreensível aos olhos dos outros, este branco força para que de mim algo possa ser tecido, possa ter significado tangível, alcançável e objetivo. Mas o branco que me angustia tanto pode não apenas significar ausência e vazio. Também pode ser um abrigo, um refúgio da escuridão da noite, naquele momento em que se fecham os olhos do corpo e se abrem os olhos da percepção. E ao se abrirem os olhos para o toque simples de destaque que o branco pode dar, cores fortes e vibrantes se entrelaçam, dão voltas umas nas outras até que formas surgem. Esta é a sensação que tive ao me deparar com “Fiandeira”: as paredes caiadas da Galeria Municipal de Arte Victor Kursancew constituem refúgio da exposição de tecelagem da artista plástica Denise Patrício, onde as instalações têm horizontes caleidoscópicos.


Tripa-de-mico é uma forma de artesanato em que linhas são trançadas a partir de carretel. Deste ofício manual são feitos tapetes, toalhas de mesa, almofadas. Não há origem definida deste artesanato. A artista teve contato com esta arte nos tempos da escola primária. “Penso que o artesanato é assim mesmo: vai passando de mão em mão e assim perpetuando-se enquanto houverem mãos para conduzi-lo”.



Pedagoga e especialista em arte e ensino, Denise teve a idéia de utilizar a tripa-de-mico como instalação a partir de um novo olhar sobre o passado. Ao fazer especialização em arte, percebeu que a cultura havia sido posta de lado na sua vida escolar. Ao constatar este lapso cultural, sentiu desconforto e indignação. Naquele tempo, segundo a artista, eram ensinadas atividades tecnicistas que não geravam um produto artesanal, nem conceitos e contextos eram apreendidos."Com a maturidade entendi que era apenas uma atividade motora que nos ocupava e que vivíamos anos de ditadura militar, em que conhecimento demais e, especialmente a arte, criava subversivos", explica.



Depois de compreender como havia sido precária a iniciação artística no passado, a artista plástica resolveu transformar a tripa-de-mico em arte contemporânea. A primeira exposição com o conceito foi em 2001. A partir desta instalação, intitulada “Tripa-de-mico”, outras possibilidades foram estimuladas. Através deste processo, a artista deu outro significado a este ofício manual. "Tecer representa prosseguir em conexão com o ontem. Revelo no trançar uma forma de indignação que foi capaz de se superar”, conceitua.

Formas geradas a partir da “tripa-de-mico” transformam o ambiente da galeria e, conseqüentemente, se transformam em outras formas a cada olhar, a cada breve piscar. Um cachecol gigante de múltiplas cores abraça as janelas altas do prédio. Bolas de isopor (ou balões de ar?) envoltas em fios brancos são impelidas ao teto-céu em contraste com a única parede negro-noite. Canudinhos dão forma a escadas ou, como quiser ver, apenas um emaranhado de linhas que se intercruzam. Uma trança de tecidos de chita floridos e toalhas de mesa em xadrez dá voltas até se constituir um cararol ou uma ciranda ou um pirulito ou o círculo interminável da vida. Até mesmo a tarde de verão quer dar sua colaboração: sombras se projetam no chão acimentado, dando contorno aos vãos das portas envidraçadas.



800x600. ©2005 Agência Experimental de Jornalismo/Revi & Secord/Rede Bonja.