Os que não conhecem o escritor argentino Júlio Cortázar talvez estranhem que uma monografia do curso de jornalismo seja intitulada “Capítulo 9 ½: conversando com o Clube da Serpente”. Porém, mesmo quem ainda não havia lido O Jogo da Amarelinha, mas esteve no anfiteatro do Bom Jesus/Ielusc, no dia 26 de fevereiro, entre às 19h e 21h, pôde entender um pouco mais sobre o universo de Cortázar, e de como é possível adentrá-lo.
Vanessa Bencz começou a defesa lendo um texto que começava assim: “Estive em uma viagem no tempo e no espaço para escrever minha monografia. Não rompi apenas estas fronteiras, mas precisei ultrapassar os limites de ser personagem, pesquisadora, escritora e leitora, já que desejava estabelecer um diálogo com os personagens de Julio Cortázar. Entrei no capítulo 9 d'O Jogo da Amarelinha através de um portal que desenhei com giz. A princípio, o debate com os personagens seria sobre arte figurativa e arte abstrata. Porém, acabei me estendendo mais do que imaginava”.
Jogando com os personagens e com o autor, Vanessa intercede o já dito desafiando conceitos e tentando ser co-autora ao lado de Cortázar. Nessa aventura, enfrenta questões sobre intertextualidade e embarca na problemática em torno da noção de autor. Seguindo caminhos imprecisos e perigosos revela seus medos e seu espanto diante do redemoinho criado no entrelaçamento entre as suas idéias e as de teóricos como Roland Barthes, Umberto Eco e Ariano Suassuna.
Orientada pela professora Nara Marques e impulsionada pela vontade de se transformar em um personagem, Vanessa reescreve o capítulo 9 e participa diretamente do debate da representação. Servindo-se de um ardiloso embaralhamento entre a música, a pintura e a literatura, analisa e confronta as idéias de arte figurativa utilizadas por Cortázar com os conceitos da arte abstrata com a qual se depara nas galerias contemporâneas.
Na banca, os professores Pedro de Souza e Jacques Mick tecem elogios, tencionam posicionamentos e lançam algumas provocações. Na opinião de Pedro, Vanessa recria de maneira engenhosa o capítulo 9 e mostra uma simbiose interessante entre a aquisição e a prática do conhecimento. Ele vê no trabalho um exemplo de que é possível exercitar um aprendizado de maneira criativa. Também destaca a idéia de relacionar a escrita de Cortázar com o jazz e deixa claro: “A minha fala é de alguém que está impressionado com o trabalho”.
A argüição de Jacques se desloca no espaço-tempo da personagem de Vanessa Bencz e propõe um mergulho nos questionamentos sobre a morte do autor. Na sua opinião, Vanessa revelou um medo excessivo do “autor super-homem”. “Cortázar é morto, mas ressuscita várias vezes”, diz. Em meio a uma porção de elogios e apontamentos, Jacques lê alguns trechos do trabalho que considera os pontos altos. Um deles é o último parágrafo da página 11: “Tentei me mover rápido. Minha movimentação era lenta mas, debatendo-me, senti que recuperava a mobilidade. Minha aflição era o combustível para os terrores do escuro e pouco a pouco aquele rio estava completo: plantas aquáticas e peixes luminescentes dançavam ao meu redor. Eles faziam muita onda; eu era surpreendida com um golpe de água cada vez que nadavam. Os peixes fugiam do peixão dourado, que parecia ser o dono do rio. Meus ouvidos se encheram de um ruído muito alto, como um helicóptero lento. Era o barulho das barbatanas do peixe dourado. Em um mundo crepuscular ele era o sol para os outros animais”.
As aventuras de Vanessa em meio ao capítulo 9 não poderiam receber nota mais sugestiva: 9.