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Matéria 5584, publicada em 26/02/2008.


:Djulia Justen

Lição de rigor: sala lotada assistiu primeira reprovação da temporada de monografias

O silêncio da reprovação

Djulia Justen


A folha de papel sulfite colada na porta dizia: “Sessão lotada Favor não entrar”. Trinta e sete pessoas dividiam o espaço entre carteiras pequenas e cadeiras desconfortáveis da sala C-22 para acompanhar a defesa da monografia “Análise ética do mercado publicitário — ênfase em agências de publicidade e propaganda, veículos de comunicação e empresas anunciantes de Joinville”, do estudante Douglas Gonçalves. Nesta apresentação, realizada às 19h do dia 25, o costumeiro termo “aprovado” não foi ouvido. A banca avaliadora, composta pelos professores Antônio Pinto e Sonia Santos, reprovou o trabalho do estudante com a nota 5,8.

Entre o ajeitar o cabelo que caía nos olhos e o ranger da madeira da bancada da sala, Douglas explicou que o estudo consistia em entender como se configura a relação ética entre agências, veículos de comunicação e os anunciantes. Esta relação, em que o funcionamento adequado seria a publicidade do produto/serviço em um veículo comunicacional através do trabalho de uma agência, é conflituosa. O veículo de comunicação procura o cliente anunciante, dá desconto de 20% (esta porcentagem é o lucro das agências e está previsto na lei que rege a atividade publicitária) e tira o trabalho das agências de comunicação. Através de pesquisa qualitativa com os atores envolvidos no processo, o estudante concluiu que este procedimento é visto como antiético. De acordo com o estudante a ética, compreendida como um conjunto de normas pré-estabelecidas, tem outra tonalidade no mundo empresarial: cada um faz a sua norma.

O avaliador Antonio Pinto considerou demagogia falar de ética dos veículos. “Até quando um veículo é ético se ele precisa sobreviver?”, questionou. Para o professor, a ética entendida pelo aluno é do ponto de vista jurídico (o cumprimento ou não da lei faz os envolvidos na relação serem éticos ou antiéticos). O professor afirmou esperar na apresentação uma discussão ética mais aprofundada, o que não aconteceu. Além dos erros de português e de concordância presentes no trabalho, citações de autores que estavam no texto não apareciam na bibliografia. Ao ser perguntado sobre qual livro do sociólogo e jornalista Muniz Sodré tinha lido, Douglas não soube responder.

A avaliadora Sonia Santos apontou problemas estruturais e conceituais do trabalho. Para ela, faltaram discussão teórica sobre ética e ligação entre a teoria e a análise. “Pesquisa qualitativa não é só transcrever a entrevista. Tem que conversar com a teoria e analisar as entrevistas”, conceituou. A professora admitiu a dificuldade em ler o trabalho do estudante. “Quando li a conclusão, tive que voltar na introdução para saber qual era o problema de pesquisa”, constatou. Segundo a professora, nem no trabalho escrito nem na apresentação foi dito qual é a relação ética entre agências, anunciantes e veículos de comunicação.

As justificativas do estudante consistiam em dizer que o tema era muito amplo e não conseguiu delimitar. Outra explicação era a de que já estava há 11 anos no curso e o objetivo do estudo era compartilhar as experiências do campo de trabalho. Sobre erros de português, Douglas argumentou que entregou o trabalho às pressas. Essa argüição, obviamente, não convenceu a banca avaliadora.

A orientadora Fernanda Cruz já esperava que Douglas pudesse ser reprovado. Ele já havia sido alertado das possibilidades de reprovação. A decisão de levar o estudante à banca não foi tomada apenas pela orientadora. A direção do curso já estava ciente do caso. “Senti a necessidade de ele ter a oportunidade de participar da argüição”, explicou. Mesmo assim, a decisão não foi fácil. “Sofri em tomar a decisão (pela reprovação) e expor ele diante de tantas pessoas”, concluiu. Até o final desta edição, não foi possível entrevistar o estudante que, se quiser ter o diploma, terá que se matricular na nova grade e estudar mais dois anos.

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