O relógio marcava 17h05 e a estudante de jornalismo Fernanda Heiler fazia as
palavras reverberarem por entre as paredes da sala C-21. “Prefiro não falar...
Neste exato momento prefiro não dizer absolutamente nada. Não aceito que minha
voz saia fazendo eco pela sala. Prefiro não falar qualquer coisa. Mas na
tentativa do silêncio, minha voz escapa de mim. Não sei de onde vem essa minha
vontade antagônica... deixar que minha voz forme palavras que desenvolvam
conceitos e espalhem significados pelo mundo ...”. Aproximadamente 45 minutos
mais tarde vinha o resultado. A monografia intitulada “'PREFIRO NÃO...': uma
leitura de Bartleby e de sua resposta às muitas perguntas da sociedade moderna”
foi aprovada com nota 9,0.
Orientada pela professora Nara Marques, a
pesquisa de Fernanda começou com uma inquietação quanto ao personagem Bartleby,
criação do escritor Herman Melville em 1853. “Seria ele fruto da modernidade ou
resistência a ela, ou ambas as coisas ao mesmo tempo?”, indagava a si mesma. Ao
embarcar no estudo da obra de Melville, a estudante enfrentou uma densa análise
da sociedade moderna, do isolamento, da solidão e do afastamento comuns entre as
multidões. “Então a única saída possível – o final – desta sociedade é a
resistência ou a entrega a ela?”, era mais uma das indagações na qual
mergulhava.
Durante a construção da monografia, Fernanda
deparou-se com uma série de outros anti-heróis que, assim como Bartleby, vivem
às margens da sociedade e da história tradicional. Entre eles pairavam o flâneur
de Baudelaire, o personagem de Edgar Allan Poe em O homem da Multidão,
o Carlitos do filme Tempos Modernos e a Dora de Central do
Brasil. Comparando, analisando e esmiuçando cada uma destas personagens a
estudante promoveu um diálogo em torno de questões como exclusão, frivolidade,
afastamento.
Quando encerra a conclusão da monografia,
a estudante arrisca um último questionamento. “Minha proposta inicial
foi fazer uma leitura de Bartleby apontando-o como um personagem que resiste à
modernidade. Ao longo do trabalho, pude constatar que Bartleby procurava sua
exclusão por conta própria, mas sem um bem maior por trás como um objetivo
social ou qualquer outro, por isso o denominei dissidente e não um subversivo,
integrado ou frívolo. O caso de Bartleby é apenas um entre muitos, pois ele cria
a potência do neutro. Mas quantos outros não existem?”
Sem muitas
objeções ao trabalho de Fernanda, a banca, composta pelos professores Antônio
Carlos dos Santos e Alvaro Dias, aproveitou a oportunidade para pensar adiante e
apontar outros caminhos possíveis. O primeiro argüidor foi Antônio, professor
convidado. Com um tom de voz beirando a ironia ele entrou no jogo e disse
que também “preferiria não” falar sobre a noção de modernidade. “Quando a gente
fala de modernidade nos adentramos num pântano”, falou. Porém, na sua opinião, a
noção modernidade apontada no trabalho de Fernanda está demasiadamente ligada à
tecnologização, sendo que este é apenas um dos aspectos deste período.
Contrariando com fervor a lógica aristotélica, Antônio citou Nietzsche,
o eterno e o efêmero e a fórmula de Baudelaire sobre o ser e o não ser ao mesmo
tempo. Acreditando que através da ficção podemos entender melhor a realidade,
ele diz ser possível pensar Bartleby como um perfeito personagem moderno,
"alguém que é e não é ao mesmo tempo".
“O conto de Bartleby também mexeu
comigo” foi a primeira frase dita por Alvaro Dias na sua argüição. Para ele, o
trabalho está muito inteligente, embora feito por um narrador que está sempre do
lado de fora, apenas julgando. Como sugestão, ele propõe a Fernanda o abandono
das fórmulas de narrador, pois este, assim como o flâneur, não possui
reflexo. “A partir de agora transforme-se em uma personagem. Porque é bom ser
personagem”, finalizou.