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Matéria 5504, publicada em 14/12/2007.


A derrota da mídia impressa

Samuel Lima*


A cobertura do referendo sobre a reforma constitucional venezuelana, no dia 2/12/2007, transformou-se, nas páginas dos maiores jornais brasileiros, em uma flagrante derrota jornalística. O revés do governo Hugo Chávez contribuiu para elucidar o papel que a grande mídia joga na sociedade. Lanço um brevíssimo olhar às edições da “Folha de S. Paulo” e “O Estado de S. Paulo”.

No dia 3/12, ambos deram o “sim” como vencedor baseando-se apenas em pesquisas de boca-de-urna. Detalhe: os três principais institutos de pesquisas daquele país negam terem adiantado qualquer prognóstico, tal era a dificuldade de precisar a abstenção (cerca de 45% dos eleitores), e a paridade da disputa.

O “Estadão” estampou na capa: “Referendo aumenta poderes de Chávez”; a “Folha” mais comedida, anunciou: “Boca-de-urna indica vitória de Chávez”. Mas, para não perder a viagem, a FSP jogou como linha de apoio: “Baixo comparecimento às urnas favoreceu o ‘sim’; eleitores chavistas contrários à nova carta teriam preferido não votar”. Ora, se os eleitores simpatizantes de Chávez preferiram não votar (e foi isso que impôs a derrota a ele), então a opção pelo “não” era favorecida. É claríssima a editorialização do conteúdo jornalístico, com prognósticos catastróficos sobre o futuro da democracia na Venezuela, na América Latina – e no mundo.

Nas edições de 4/12, corrigida a “barriga”, a FSP traz como manchete: “Venezuela nega mais poder a Chávez” (a diferença, em 9 milhões de eleitores, até 90% dos votos apurados era de 125 mil a favor do “não”). Já o “Estadão” rasgou mais o verbo ideológico: “Oposição derrota Chávez e apela por conciliação”. Permaneceram as lacunas de informações que permitiriam aos leitores entender melhor o que se passa naquele país. Nada de pluralidade de fontes consistentes (o “Estadão” citou um general de “oposição” para brandir a ameaça de golpe de estado), tampouco a publicação de análises de fontes com visões distintas, que dariam outro grau de compreensão do momento político.

Sobre esse “vácuo de informação”, o jornalista Luciano Martins Costa (Observatório da Imprensa) afirmou: “Os jornais fingem que não publicaram as análises publicadas segunda-feira (03/12) em cima da suposta – e desmentida – vitória de Chávez. Todas aquelas ameaças à democracia na América Latina de repente se desvaneceram. E os leitores ficam sem saber se realmente houve algum dia o risco de termos uma ditadura na vizinhança da Amazônia. O que saiu hoje nos jornais é que a Venezuela, um país democrático, votou uma proposta de seu presidente e a rejeitou. Também está publicado em todos os jornais que o presidente da Venezuela aceitou a decisão das urnas. Democraticamente”.

A rigor, penso que a proposta de reforma constitucional submetida ao referendo é uma arrematada bobagem, salvo algumas medidas de caráter social como a redução da jornada de trabalho. Nenhuma utopia será conquistada por decreto. Se a oposição agir com lucidez política pode, a partir desse fato, sair da lama que se enfiou desde 2002, na malfadada tentativa de golpe contra o governo Chávez.

O jornalista Luís Nassif observou com pertinência a contaminação editorial da cobertura, “a ponto do plebiscito venezuelano ser acompanhado, por aqui, como se fosse um Fla-Flu. E a derrota da mudança constitucional saudada como se fosse a salvação da democracia no Continente”.

Luciano Costa faz a definitiva constatação: “Os fatos podem estar indicando, ao contrário do que vêm dizendo os jornais nos últimos meses, que os venezuelanos participam livremente da política e decidem soberanamente o que desejam. O referendo na Venezuela, com todos seus ingredientes de resgate do passado histórico que propõe o chamado "bolivarianismo", oferece uma oportunidade para a sociedade latino-americana refletir sobre seu passado e sua História”.

Este é o debate.


* Jornalista e coordenador do Curso de Jornalismo do Bom Jesus/ Ielusc

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