Corpos retorcidos embalados por combinações harmoniosas e expressivas de som. Cor, luz, sombra, telões, datashows e efeitos 3D. Reflexões sobre o planeta, as idéias, os espelhos, as visões, o tempo... Veja você mesmo! O nome da mais recente montagem da companhia de arte contemporânea Circus Musicalis é sugestivo e, segundo o diretor do espetáculo, Cleiton Profeta, significa duas coisas: Contemple-se no espelho, veja a você mesmo, ou, venha você mesmo assistir. Sobre a estréia, que aconteceu no dia 27 de outubro, no teatro Juarez Machado, Muriel Szymczak, um dos atores principais comenta: “Foi certo, o espelho de cada um de nós refletindo o outro que somos em comparação a nós mesmos está esperando uma reestréia com certeza”.
Uma hora pode até parecer algo de invisível, mas durante os aproximadamente 60 minutos de espetáculo, músicos, dançarinos e atores traçaram fios de palavras e idéias embalados pelas angústias e prazeres da vida moderna. Ousaram questionar a brutalidade humana com poesia. Repetiram o ambiente de produção capitalista enquanto andavam sobre as solas silenciosas da modernidade. “Não olhe a televisão”, gritou um ator em dado momento do espetáculo. “Ficamos doidos, a tecnologia se torna uma prisão de vida programando o cérebro para não mais pensar”. Ao fundo da cena, brilhavam imagens de vídeo-arte em sete gigantescos telões. Serão as contradições que encerram o sistema?
O tempo, esse forasteiro sem cor, sabor, textura, som, ou cheiro, foi questionado do início ao fim. O claro e o escuro das luzes misturou-se às listras pretas e brancas do figurino do elenco. Camuflados atrás do palco, o baterista Kaue, o guitarrista Marcelo Rizzatti, o baixista Alexandre e o saxofonista Eduardo agitavam cordas, fôlego e tambores unindo seu som ao dos violões de Cleiton e Fábio Cabelo que interagiam com o restante do elenco em cena.
A melancolia de personagens-idéias era entrecortada constantemente por recortes irônicos e cômicos de um hippie moderno, interpretado por Muriel. Numa inefável fase entre almoçar e desvendar os segredos do universo ele comparava o tempo com o palco, o ridículo com o belo. Questionava quem somos, de onde viemos, para onde vamos e quem talvez seremos onde quer que estejamos no futuro. O ator, instrumentista, contador de histórias e artista plástico vê seu personagem como um crítico da precária educação religiosa que “tenta de maneira filosófica ironizar a ironia do paraíso eterno cristão para mostrar que nossa importância, enquanto pessoa, está aqui no presente e nas ações demostradas diariamente”.
O público ainda se deleitava com uma das piadinhas do tal hippie quando era repentinamente interrogado com questões como, por exemplo: “A poesia morreu?”. Na contracena de vídeos panorâmicos-psicodélicos vinha a resposta: “Não. A poesia não morreu. Está por ai disfarçada”.
Mas, estarão os poetas esbarrando nela, mesmo quando não olham o mundo com olhar de ver? E nesse tudo, como fica a nossa certeza mais primitiva, a de ver o mundo? A porta para subjetividade foi lançada a cada um, mas deixar indagações em aberto é algo que, na Opinião de profeta, precisa ser feito com encantamento estético. Para ele, a arte deve trazer entretenimento e, acima de tudo, dar prazer. Está é a filosofia das montagens do Circus Musicalis.
No encerramento, cada um dos presentes foi convidado a dividir o tempo com o palco. Alguns imaginaram ser impossível não pensar na importância crescente que se dá ao espetacular na criação musical Outros tencionaram a própria necessidade interna de saber que horas são. Na verdade o estranho espelho de cenas, condensadas no jogo da representação, alcançou os olhares atentos e reflexivos enquanto o acorde final nada interrompia, apenas completava.
Confira o making off da peça
Como tudo começou...
A companhia nasceu em meados de 2000 quando Cleiton e o instrumentista Fábio Cabelo começaram a compor algumas músicas e pensaram em montar “algo conceitual”. Na mesma época, os dois uniram-se a Paulinho Dias e foram para Florianópolis trabalhar com Oswaldo Montenegro. A experiência rendeu o aprendizado de vários truques cênicos e a inspiração para mais e mais composições. Quando voltaram para Joinville, no ano seguinte, os três já tinham uma trilha composta e fundaram o Circus Musicalis. Os ensaios acontecem todos os domingos na Casa da Cultura. Qualquer interessado pode participar, basta fazer um 'simbólico teste de aptidão” e se comprometer a não faltar aos encontros.
O primeiro espetáculo montado foi “Alegoria dos Sonhos”, em seguida vieram os projetos “Cordas em Tempo”, “Ao tempo” e, por último, “Veja você mesmo”. Os próximos trabalhos incluem o lançamento do CD com as músicas da peça e o show "Músicas de Cena", uma junção de fragmentos das trilhas musicais de todos os espetáculos já apresentados. As composições misturam, entre outras coisas, Rock and Roll e música Renascentista. A autoria fica por conta de Cleiton Profeta, Paulinho Dias e Fábio Cabelo.